- Todos os dias, olho para o espelho e pergunto: "Existe alguém mais maravilhosa do que eu?"
- E o que é que ele responde?
- Bem, ele não tem sido muito cavalheiro.
Do filme "A luz é para todos" [Gentlemen s Agreement], de Elia Kazan. Entre as várias premiações que lhe foram concedidas pela Academia, o Oscar de melhor filme, de melhor roteiro e de melhor direção. O pequeno diálogo acima, de um humor extraordinário, se passa, na mesa de um café, entre a editora de moda de uma importante publicação (Celeste Holm ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante pela interpretação) e um escritor (Gregory Peck)recém-contratado para escrever uma série sobre os judeus. Só um, dentre os muitos diálogos brilhantes dessa obra-prima.
É de um tempo em que o cinema se fazia em estúdios, ficando - vantajosamente, é preciso que se diga - colado à literatura e ao teatro. Vale a ressalva: à boa literatura e ao bom teatro.
Quem quiser apreciar o caminho contrário, procure "Um homem com uma câmera", de 1927, e verá aproximadamente uma hora de imagens belíssimas feitas pelo preferido de Lenin, Dziga Vertov. Ele buscava, em plena Revolução, uma linguagem que fosse própria do cinema, que se distanciasse da literatura e do teatro. Também lançado em DVD pela Continental. Ou o também fantástico documentário "Berlim: Sinfonia da Metrópole", de 1929, por alguns dos maiores criadores e técnicos do Cinema Expressionista Alemão (volta ao filme num próximo artigo).
"Gentlemen s Agreement" tem uma fotografia impecável em p & b. Do início dos anos 50, acaba de ser lançado em DVD. Obrigatório.
Nele, o tema da discriminação racial é debatido, corajosamente, de seus vários ângulos, desmascarando inclusive os judeus, que, em seu papel de vítimas, ousam tomar medidas como "hotéis com restrição a não-judeus". Não há como não pensar no arrivismo desinformado de certos intelectuais, que se arvoram em caçadores de nazistas (entre nós, em versão "as idéias fora do lugar", é claro) dentro da rala cena cultural deste início de século.
Foi esse o gancho principal para a série então escrita pelo personagem-escritor para a publicação que o contratou. Ao redor dele, todas as relações esbarram fortemente nos mais diversos matizes do racismo.
