Sob Stálin, incontáveis discussões se fizeram sobre como representar "corretamente" não apenas as pessoas, mas também vacas, porcos ou máquinas soviéticos, que levavam uma vida comunista feliz, para que se tornasse evidente a diferença em relação a pessoas, vacas, porcos e máquinas não-soviéticos, que viviam sob a exploração do capitalismo.
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Por Boris Groys [Die Zeit on-line, 10/2003]
Trad.: ZPA
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A resposta era uma só: através da propaganda. Ou através de uma arte que se parecesse com a propaganda. Em todo caso, não através de uma arte que colocasse em risco as diferenças de contéudo em relação à imagem idealizada da vida na União Soviética.
A propósito, uma história na qual, pessoalmente, Stálin surge como especialista em propaganda do estilo de vida comunista. Nos anos 30, numa das inúmeras dachas do ditador, deveria ser mobiliada uma sala para uma reunião de funcionários do Partido que ali chegariam de viagem. O arquiteto de interiores sugeriu um revestimento de couro legítimo para as poltronas. Stálin não gostou: Um bolchevique, na verdade, não se senta, como um burguês, sobre couro legítimo! Melhor seria usar uma imitação, para frisar a modéstia comunista.
Stálin rechaçou a objeção do arquiteto, de que na Rússia o couro legítimo custaria muito menos do que a imitação, obrigatoriamente importada que era do Ocidente, com custos altíssimos. Dizia que, para o estilo de vida da modéstia comunista, divisas não deveriam ser poupadas.
Em tudo, as intermináveis discussões da época de Stálin sobre a "correta" representação do estilo de vida comunista lembram a propaganda do estilo de vida contemporâneo, que, na verdade, tampouco anuncia primariamente um produto, mas, sim, uma sensação de vida que é associada ao produto.
Esta analogia entre o kitsch comercial e a cultura totalitária dos anos 30 e 40 foi apontada tanto por Clement Greenberg como por Theodor W. Adorno. Eis a razão para que ambos depositassem esperanças nas vanguardas artísticas. Achavam que elas opunham resistência tanto à cultura comercial como à cultura totalitária. Mas fica a pergunta se Greenberg e Adorno estavam corretos em sua avaliação. A história da vanguarda russa, ao menos, oferece razões para que disso se duvide.
Desde o início, o objetivo das vanguardas artísticas radicais consistia em, nomeadamente, nada mais, nada menos do que isso, alçar a obra de arte a estilo de vida – e, diga-se, alçá-la tanto quanto possível a estilo de vida da sociedade como um todo.
Com mínima chance de erro, pode-se descrever a vanguarda artística como uma tentativa de substituir a ditadura dos consumidores de arte por uma ditadura dos produtores de arte. A inclusão do observador na obra de arte representa, assim, o verdadeiro projeto da vanguarda. Este projeto é, desde o princípio, totalizante.
Ou, se assim quisermos, totalitário.
[continua]
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