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Erotico-->24. DÉBORA -- 18/02/2002 - 05:52 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Na quinta sessão de psicanálise com a Doutora Débora, Rosalinda chegou ostentando a gravidez de quatro meses num vestido apertado.

Foi recebida com alegria pela psiquiatra, que logo a colocou à vontade:

— Muito bem, querida, vejo que as nossas entrevistas vêm surtindo um efeito admirável. Como vai a vida?

Antes de responder, a paciente acomodou-se no divã, preparando-se para o repouso de uma hora.

— A vida está maravilhosa. Aquela tensão passou completamente, tanto que, pela primeira vez, estou disposta a não repetir o estresse em que lhe contava o que considerava as minhas desventuras.

— Conversou francamente com Olegário a respeito dos problemas que ele vinha causando?

— Tivemos um bate-papo adulto, onde expus tudo quanto pensava a respeito do nosso relacionamento.

— Você não quer ir contando sem o roteiro de minhas questões? Vamos passar pela fase das livres associações, para você prosseguir revelando sua maneira de ser, enquanto vou anotando as observações que julgar importantes para comentar ao final e arquivar.

Rosalinda, que vinha mantendo a médica em seu campo de visão, deitou-se de costas, não tendo mais como reger seus pensamentos pelas reações fisionômicas da outra.

Começou:

— Tudo quanto eu lhe disse a respeito de Olegário se confirmou. Quando dizia que ele não me amava, tinha razão. Em nossa conversa, ele me lembrou de que desejava um companheirismo baseado na amizade. Eu disse que ele me havia proposto casamento e ele me jogou na cara que eu o recusara da primeira vez e que colocara a aliança de noivado com o intuito de justificar-me perante os outros. Precisei concordar com isto, mesmo porque, assim que me vi segura e confiante em que tinha logrado um marido, a primeira coisa que fiz foi inscrever-me num centro espírita, fazendo questão de evidenciar às mulheres casadas que não constituía nenhuma ameaça a seus matrimônios.

— Você disse isso a ele?

— Tintim por tintim. Ele me agradeceu e se dispôs a rever sua opinião quanto a considerar a minha pressão para o conjugo vobis, palavras dele, como uma aspiração natural de quem deseja reequilibrar a vida.

— E quanto às censuras que você desejava fazer?

— Doutora, a senhora está demonstrando mais do que simples interesse profissional.

— Desculpe-me. Prossiga como quiser.

— Eu é que lhe devo desculpas, mas, considerando que lhe abri completamente o coração e tendo a senhora ido tão fundo em meus refolhos d’alma, expressão que colhi no livro de auto-ajuda que vinha lendo antes de conhecê-la, acho que não existem mais segredos para serem revelados.

Rosalinda calou-se a ver se recebia alguma resposta. Desta feita, o silêncio ameaçava avançar, o que a preocupou no sentido de faltar tempo para relatar tudo quanto acontecera em seu relacionamento com Olegário. Continuou:

— Escancarei as portas e soltei a cachorrada pra cima do coitado. Falei a respeito de minha mágoa por estar sendo tratada como uma daquelas mulheres com quem ele transava e ele se condoeu, ou melhor, ele sentiu a agulhada, porque sempre me afiançou que elas nada representaram em sua vida. Aí, eu disse que não era bem assim, porque ele não se esforçava para me dar satisfação sexual. Aliás, eu usei outras palavras bem menos polidas, o que não vem ao caso. Ele não me respondeu logo. Eu deixei que meditasse um pouco e, como demorasse, fustiguei-o de vez, dizendo-lhe que ele não buscava o amor por puro egoísmo, por ter medo de perder as regalias de uma vida sem compromissos pessoais. Nesse ponto, ele abaixou a cabeça e eu aproveitei para falar tudo o que pensava, inclusive fazendo referência ao pouco caso que ele fazia dos clientes que não obtinham sucesso junto às barras dos tribunais. Percebi que ficou meio assustado. Então, mostrei a ele que a companheira que pretendia que eu fosse tinha necessariamente de oferecer-lhe um espelho em que ele pudesse mirar-se de corpo inteiro. Se ele se ofendesse, deixei claro, estaria renegando tudo quanto me propusera desde que me pediu em casamento no restaurante. Quando conseguiu articular algumas palavras, pediu-me que o perdoasse, que iria procurar emendar-se e que fora, realmente, muito infantil quando me convidou a participar de suas fantasias sexuais, no caso do amigo que ele queria trazer para transar comigo, enquanto ficava olhando. Eu acho que ele foi espontâneo mas, na hora, aproveitei para descarregar toda a minha raiva, sem gritar nem agredir verbalmente. Fiz que entendesse que me havia permitido ter uma ascendência moral sobre ele e perguntei se era essa a base ideal de uma convivência mais ou menos de marido e mulher, dado que a minha gravidez estava a exigir uma definição da parte dele. Aí, sim, achei que ele não iria assumir a criança. Mas eu estava preparada, conforme a senhora me esclareceu, e despachei-o, afirmando que ele não merecia sentir o prazer da paternidade, uma vez que não queria enfrentar as alterações psíquicas nem sociais daquela nova condição. Nesse momento, o coitado deixou-se sensibilizar, ajoelhou-se, agarrou minhas pernas e me pediu perdão. Parecia um cachorrinho esperando a comida. Quando perguntei se havia entendido que tudo quanto eu dissera não fora produto de simples revolta movida pela raiva, mas que era a mais lídima expressão de meus sentimentos filtrados pela lucidez de minha inteligência empresarial, ele me beijou as mãos, sem dizer uma única palavra. Eu acabei ficando com dó do infeliz e prometi pensar em readmiti-lo como namorado, desde que não voltasse mais aos braços mercenários das garotas de programa. Falei da minha cunhada com meu irmão, como eles faziam para aliviar-se sexualmente durante a gestação dos filhos e como era possível a gente passar uma temporada pensando mais nos outros do que em nós mesmos. Estamos ainda curtindo o reencontro, ele, muito mais carinhoso e atencioso, e eu, bem mais compreensiva para com a ignorância machista de quem a vida toda considerou as mulheres apenas objetos de prazer. Por isso, estou achando que Olegário ainda tem a chance de vir a tornar-se meu marido, conquanto já não esteja certa de que isso possa ser o melhor para mim. Em todo o caso, voltei a usar a aliança e continuo freqüentando o centro espírita, para onde levei aquele materialista empedernido em duas oportunidades, porque achei que os assuntos e os oradores condiziam com a sua cultura e o seu discernimento lógico de advogado. Nos outros dias, continuo dando aulas sobre sexualidade a mocinhas, a grávidas e a mães solteiras, tendo tido algum sucesso, tanto que algumas mulheres casadas se reuniram para formar um grupo interessado em aprender a lidar com os maridos apressados e desajeitados.

Rosalinda parou para respirar, meio perdida naquele aranhol de apreciações, suspeitosa de que a sua linha de raciocínio demonstrara à psiquiatra mais alguns pontos inéditos de sua intimidade.

Débora passou-lhe um copo d’água e um guardanapo de papel. Ela bebeu meio trêmula, percebendo que a sessão não fora completamente distensa conforme pretendera. Por isso, observou:

— Doutora, estou acreditando piamente em que estas sessões estão realmente ajudando-me. Agora mesmo estava considerando que tudo quanto eu disse me levou a suspeitar que Olegário ficou num beco sem saída, podendo, caso haja um processo qualquer de reversão psíquica, abandonar-me com o filho ainda na barriga. Fale-me sobre isto.

— Rosalinda, querida, as nossas entrevistas não devem dar-lhe a convicção de que, por dominar algumas expressões que lhe adiantei, você esteja apta a realizar sua própria análise psicológica. É claro que você deve ser levada a meditar a respeito de sua vida, mas no sentido de buscar soluções práticas para os problemas imediatos, para o que a preocupa. Deixe-me avaliar os mecanismos psíquicos para poder orientá-la mais precisamente. Por exemplo, por duas vezes você mesclou as atividades espíritas nas sérias ocorrências pessoais de seu relacionamento afetivo, amoroso. Não estou censurando, veja bem.; estou apontando. Eis a minha função. A você vai caber refletir a respeito, para definir se existe algum complexo de culpa por haver abandonado a religião durante alguns anos. Será que você está transferindo para as atividades no centro a mesma sensação de pecado dos católicos que faltam à missa dominical? Fique mais esta consideração para sua meditação. Quanto à sua pergunta direta relativa à possibilidade de ser abandonada por Olegário, volto a recomendar-lhe que se desbloqueie, pondo em relevo o mais importante, ou seja, a sua felicidade na companhia de sua filha e da criança que você tem o privilégio de gerar. Você não está dando cursos? Nesses seus cursos, você não ressalta o valor da benquerença entre mãe e filho? Você não sobrepõe, mesmo para as mais miseráveis, o afeto e o carinho maternos às necessidades materiais, dizendo que Deus, sendo pai de misericórdia, vai prover-lhes a vida? Sendo assim, como você não tem nenhuma preocupação financeira, esqueça o homem que lhe forneceu o sêmen e pense, sobretudo, na bem-aventurança de ser uma criatura saudável e consciente dos valores mais altos. Na próxima semana, conversaremos mais a respeito.

Rosalinda ainda desejava esticar os assuntos, mas, percebendo que não estava firme quanto a dar respostas àquelas questões, despediu-se, sem a mesma folgazã alegria da chegada.


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