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Artigos-->CORRUPÇÃO: ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO? -- 28/02/2003 - 01:24 (Walter Del Picchia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CORRUPÇÃO: ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO?



Walter Del Picchia



Jornal da USP – 02/dez/1991 – São Paulo





As insistentes (e quiçá exageradas) notícias sobre corrupção tornam oportuna a divulgação de antigo estudo sobre este costume tão velho como a humanidade, senão mesmo anterior a esta (há desconfiança de que os macacos já a praticavam antes do primeiro ser humano ser reconhecido como tal). Esse estudo só recentemente foi dado à luz. Segundo consta, uma versão resumida, em latim, estava entre manuscritos descobertos na ilha de Creta e foi ter casualmente às mãos do Prof. Hans Schwenk, da Universidade Interciências de Haifa.



Informações esparsas, recolhidas em fontes independentes, permitiram reconstituir, parcial e penosamente, as condições em que o citado estudo foi efetuado. Pelo que sabemos, o triunvirato dirigente do Segundo Império do Poente, nação social e tecnicamente quase-desenvolvida, alarmado com os insistentes rumores-certeza sobre corrupção em todos os níveis do governo, inclusive no próprio triunvirato, resolveu encomendar um estudo sobre o assunto à Fundação para Complementação Salarial dos Docentes, liderada por Mestre Mad, da ACM – Associação do Culto à Moralidade (naqueles tempos, mestre era o mais alto título acadêmico existente e, pelo nome da fundação, intui-se que os vencimentos dos professores não eram lá aquelas coisas). Após anos de estudo, quando vários governos já haviam passado (mas a corrupção não...), um discípulo de Mad, o então Mestre Don, do CIAC – Centro Institucional de Adesão e Catequese, apresentou à nação o que ficaria conhecido por Relatório Don, posteriormente reconhecido como uma das mais lúcidas páginas em defesa da corrupção jamais escritas pelo homem.



Transcrevemos, a seguir, uma tradução livre, resumida, do Relatório Don. Julgamos, assim, estar contribuindo para a felicidade destas e das gerações vindouras. Que o Criador dê a elas a sabedoria imprescindível à absorção de tão relevantes ensinamentos! Em síntese, o estudo diz o seguinte:



“Iniciação: Entre as grandes escolas filosóficas contemporâneas, fomos buscar, na filosofia do Naturismo, a necessária inspiração. Como sabemos, o Naturismo desenvolve-se a partir da premissa básica ‘O que é natural não pode ser condenado’. Sob a égide do Naturismo, estabelece-se a ciência do Corrompismo, cujo primeiro princípio, ‘O que existe há muito tempo torna-se natural’, leva à certeza lógica de que ‘O que existe há tanto tempo não pode ser condenado’.



Afirmação: O Corrompismo permite afastar da palavra corrupto sua conotação pejorativa e injustificada, pois o corrupto, como autor de corrupção, nada mais faz que exercer uma atividade natural e, portanto, moralmente inatacável.



Histórico: A corrupção é exercida há tanto tempo, que a prostituição torna-se uma atividade relativamente jovem quando a ela comparada. Há casos comprovados de corrupção entre os hititas e assírios, persas e babilônios, atenienses e troianos, entre os romanos, hebreus, gauleses, germanos e mongóis, entre os habitantes antigos e recentes do Império da China e da Birmânia, dos reinos árabes, hindus e africanos, e essa monótona repetição é a mais óbvia demonstração de sua universalidade. Aliás, seria menos cansativo enumerar os povos nos quais inexistiu alguma forma de corrupção em algum período de tempo – e não o fazemos por absoluta ignorância da existência de tais povos. O caso documentado mais antigo de corrupção remonta às origens da humanidade: não foi Adão corrompido com uma simples maçã, modificando irreversivelmente todo seu porvir?



Constatação: A corrupção atingiu o auge da sofisticação entre os políticos do Império Romano, que demonstraram cabalmente ser ela uma forma de administração, um meio de circulação de riquezas, um catalisador da economia, enfim, um índice de desenvolvimento. Com efeito, nossos estudos levaram à conclusão de que a corrupção está correlacionada com a taxa de desenvolvimento de um povo. Nação sem corrupção é nação amorfa; economia sem corrupção é economia sem vitalidade, é a negação da modernidade.



Condenação: Desse modo, condenamos como anticientífica a indignação que alguns cidadãos, talvez até bem intencionados, sentem ante a corrupção em nosso Império, pois não podemos aceitar que alguns se arvorem em patrulheiros da ética de outrem, apenas por ser ela diferente da sua. Essa reação emocional e preconceituosa tem sido, por decênios, responsável por desgastes desnecessários, complexos de culpa, desconfianças mútuas. Que mistério, a mente humana! Como explicar o que se passa nos intrincados labirintos de seus sentimentos? Que leva um cidadão a posicionar-se contra um fenômeno tão natural como qualquer lei da física? Por que não nos indignamos contra um corpo que cai, enquanto nos revoltamos contra um fato trivial? Realmente, nossos conhecimentos da alma humana ainda são por demais primitivos para tentar obter respostas com um mínimo de credibilidade.



Assertiva: Embora acreditemos que a única variável independente do Universo seja a vontade do Príncipe, resta-nos classificar o nível de corrupção como variável puramente dependente, conseqüência de outras grandezas, como a busca da modernidade, o crescimento econômico, o estágio cultural. Nem a confusão provocada por alguns pensadores, com a criação do conceito do livre-arbítrio, afastar-nos-á dessa certeza.



Conclusão: Rejeitamos o mito da corrupção como variável independente, como algo a ser manipulado por meio de atos imperiais, decretos institucionais, medidas provisórias ou preconceitos momentâneos. Ela é algo muito mais profundo e existirá enquanto o ser humano for agente e não, sujeito; enquanto persistir, na humanidade, a incontida vocação da busca de um mundo melhor. A existência de corruptos bem sucedidos é a garantia de que nossos jovens terão modelos a seguir (como imaginar um país sem heróis?), de que jamais faltarão, em nosso Império, incentivos para o progresso individual, na caminhada rumo ao mundo desenvolvido.”



Esperando, com esta transcrição, ter contribuído para uma melhor compreensão de tão importante quanto persistente fenômeno, acrescentamos que a corrupção não é atributo exclusivo de nenhuma classe ou categoria, de nenhum partido, raça ou agremiação, insinuando-se, inclusive, entre as artes, as ciências e os esportes. Pertence, portanto, ao patrimônio cultural da humanidade e, como tal, deve ser encarada. A contribuição da civilização talvez possa se dar em sua regulamentação. O resto, amigos, não passa de mais uma ilusão neoliberal.



(Se alguém quiser ver nessas ingênuas páginas uma leve intenção crítica, pode.)







Nota: Este ensaio foi originalmente escrito em 1981, em homenagem ao Brasil de então, o que induz a pensar que ele não mudou quase nada.





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