Quando o sol abre a manhã, descortinando o dia, logo depois de beijar carinhosamente o orvalho frio, dorme a lua com nossas esperanças e o tempero dos nossos sonhos.
Mas é nos sonhos onde apalpamos os nossos desejos, desde aqueles simples, sempre à nossa vista, quanto os mais carcomidos, do outro lado do espelho do corpo, quase na face escura do nosso possível mas desconhecido. Deus nos livre que falte sol depois de cada madrugada ou sonhos, antes de todo orvalho beijado pelo sol. Quando o dia me abraça, já tenho ido antes aos braços de certos anjos espertos que vivem protegidos por densas e alvas nuvens mágicas, repletas de desejos pedidos insistentemente por tantas outras almas sonhadoras.
É tão bom sonhar! O homem procura fazer na vigília o que assistiu nos seus sonhos. Neles a vida dança com passos mágicos e palatáveis, e o corpo dá gargalhadas de felicidade ou treme de medo de perder-se nos seus labirintos oníricos.
Quando fecho os olhos, não para dormir, mas para sonhar, alimento o zelo quase escandaloso que tenho pela vida. Amo-a tanto que os sonhos parecem procurar-me a toda hora do dia, na busca de reflexões e da poesia que a meditação traz.
Quando quero agigantar-me nos sonhos, logo ao despertar beijo uma flor. Querendo ser amado, antes amo desinteressadamente. Para voar, cedo minhas asas aos mais fracos e deito-me no chão, agradecendo a parturição que a terra faz do corpo apenas. A alma, essa sempre sonha e vem de outras almas mais iluminadas e evoluídas.
Mas a saudade nos joga diante do espelho da contemplação e nos oferece risos e lágrimas a depender do que procuramos. É assim que se vive, entre espinhos e beijos. A dor é a urdidura do desprazer, mas tem o poder de nos engrandecer. O sofrimento é um poderoso cofre para a evolução da alma: Quanto mais o temos por perto, mais grandiosos podemos ser.
O olhar fricativo causa frisson na alma, e o olho chora vago como se atritasse noutra alma: um frolo. O sol é providente e retorna e lambe as folhas molhadas e tão friamente calmas e sempre à espera de outros dias cálidos.
Ainda que nossos sonhos envelheçam, jamais morrerão. Não nos faltarão sol, lua ou estrelas para encher nossos sonhos matrizes, mesmo sendo nós tolas criaturas, sem pernas e sem asas, perdidamente apaixonadas pela matéria que morre ao transformar-se, mas áridas por beber dos fluidos do espírito, tão carentes do evoluir da vida.
Quando fiz essa crónica, acho que estava sonhando. Não me lembro bem. Li e reli toda ela, sem mudar uma só vírgula. É assim que quero tê-la comigo, mostrar a vocês, simples como um sonho verdadeiro e profunda como o viajar da alma.