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cronicas-->Valores mortos e esquecidos -- 13/08/2007 - 19:00 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Valores Mortos e Esquecidos

É fácil alimentar o desinteresse por alguma coisa. O mundo exige mais do indivíduo, em qualquer área do conhecimento que ele exercite. Algumas delas complexificam o viver. Um homem deve dar o valor necessário ao peso do seu ofício. A tessitura de uma profissão requer o desprendimento da alma de quem a exerce.
Conheci no Rio de Janeiro um certo alfaiate chamado Amundson que levava dias e até semanas para confeccionar um bleiser. Fazia parte do seu dia-a-dia profissional certo "mise-en scène". Seu ritual era logístico; não queria deixar de representar seu pai que o havia antecedido e que zelava pelo carimbo que punha no lado interno das roupas que confeccionava. Enxergava no cliente além de um consumidor necessitado pela roupa encomendada, a alma iluminada que batia à sua porta carecendo dos frutos de seu ofício silencioso, quase puro.
Amundson está em extinção. É jóia rara que passou desapercebida por nossos olhos modernos que não enxergam sequer os dedos, quanto mais os anéis. A industrialização transforma o culto e o popular, massifica, apaga os ofícios artesanais. A aculturação engole o lado da cultura que é dominada por outra, já que sua ação é unilateral. Se acaso eu pudesse parar o tempo, consertar certos processos culturais que atravessam nossa vida destruindo um pedaço substancial de nossa cultura, juro que o faria. Como é bom conservar o que demorou a ser feito, o que existe há séculos, aquilo que requer um lastro histórico! Afinal, nosso passado.
Celebrar uma tradição faz parte da história do homem. A festa da cultura é imprescindível para escrevermos a história de nossas almas. Devemos ser guardiões das artes. O moderno não pode se apropriar do tradicional. No coração do homem, nos seus escafandros, deve permanecer vivo o museu da alma, sentinela da vontade de fazer-se o culto à memória e materializar o pensamento dos seres, construindo e preservando o que mais digno aprouver ao nosso saber e perceber de alma iluminada pela criação.
Amundson passou desapercebido por uma sociedade. Faleceu em novembro de dois mil e dois. Soube desse fato triste porque telefonei para um amigo que morava na mesma rua do seu ateliê.
Confesso que era ele uma alma rara. Artesão fiel ao seu ofício, homem íntegro. Aprendeu falar o espanhol para atender melhor a uma família de judeus, seus clientes há dezenas de anos. Um homem dessa estirpe merecia ser lembrado. Aculturado, transculturado, esquecido mesmo, seja qual for o discurso de justificativa para os que ficaram, é um desleixo social não se lembrar sequer da sombra de Amundson.
No céu deverão existir museus. Amundson deve estar trancafiado em algum deles. Sua história gloriosa e bela não morrerá nunca. Devo vestir seu exemplo de fé no ofício da vida e da arte. Seja seu o resplendor do homem que viveu com dignidade, mesmo na sombra voluntária dos anónimos do mundo. Um beijo no coração de sua alma, Amundson. Você foi e continuará sendo um imenso ser que passou por nós injustamente desapercebido. Mas ninguém conseguirá tirar o brilho de sua beleza eterna.

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