O senhor Camargo cogitava: “Quais as ideias passaram na cabeça daquele homem, e porque caminhava rumo ao fuzilamento? Brigou com a noiva e quis provar quando o amor vence todas as guerras ou saiu bêbado, depois de uma noitada em um cabaré, deslumbrou-se e percebeu que a vida significava sentir um enjoo no cais, passar por uma ressaca oceânica até chegar a uma refrega em frente ao mar? Estando tudo ali ao seu redor, ao mesmo tempo, porque não pedir um fuzil ?”
Na confeitaria era bom delirar.
Talvez por causa destas dúvidas, vindas da infância, no último domingo, dia 05, o senhor Camargo sentiu-se mal na Confeitaria e saiu dali com dores no peito. Caminhou devagar pelo mesmo calçadão da batalha, a mesma praia de 1922 e as coincidências fizeram ainda mais sentido quando ele projetou estar na condição do segundo civil da revolta, o desconhecido décimo nono combatente, aquele não agraciado como o indispensável fuzil Mauser. Sentiu isto e, muito mais decepcionado pela ausência da arma, caminhou mais um pouco e sozinho, sem fotografias, perto da estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, caiu morto, atingido pelo projétil certeiro do infarto.
O senhor Camargo tinha setenta anos. Deixa mulher e três sobrinhos. Seu primeiro nome era Otávio. O primeiro nome era outra coincidência. Uma estranha coincidência com o civil famoso.
E apenas o civil de 1922, concluiu algo ainda impossível de antever naquela altura da história do mundo: dali para frente, a vida se resumiria a fotografias.
DO LIVRO: "TOUROS EM COPACABANA"