Usina de Letras
Usina de Letras
159 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62270 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10381)

Erótico (13573)

Frases (50661)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4778)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6204)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Oi Monsieur -- 18/08/2015 - 22:44 (LEANDRO TAVARES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Oi Monsieur

Poisé da Asa Norte. Terça de forrozinho. Carlos, quarentão de 40, entra no recinto. A primeira mulher que olha: Karini, uma alemã de 33. Ela tinha um cabelo curto e vermelho. Dava pra ver que não era brasileira. Tinha um corpo esbelto e um rosto lindo, desses que as bochechas se harmonizam com o fechar das pálpebras.
Carlos não tirou os olhos da gringa. Dançou com outras, e ela com outros. Mas tinha uma intuição muito sensitiva e aguçada. Ela não era como as outras. Só ela lhe chamava a atenção. Pra ele, Karini era a única da festa. O que mais lhe atraiu a atenção foram o sorriso e olhar brilhante da alemoa.
Sondou. Olhou. Observou. Ela não estava acompanhada. Foi se aproximando. Ela foi ao bar pegar algo pra beber, e Carlos viu ali uma oportunidade de iniciar uma conversa. Pediu uma caipirinha logo ao lado dela. Karini olhou pra Carlos e deu um sorriso. Ele respondeu da mesma forma, e foi além:
— Com licença senhorita! Você é brasileira?
— Não. Sou da Alemanha.
— Então fala português?
— Sim, sim. Morei em Portugal por seisx meses. Mas estou sentindo a diferença do sotaqui dos brasilerós. É muito diferentê.
— De fato. O português mais próximo do de Portugal é o falado em Florianópolis.
Tentando desviar o assunto, e ainda mais encantado com aquele sotaque alemão-português, Carlos sentiu vontade de abraçá-la. Mas não podia ser tão direto. Pra isto existe a dança: para aproximar os corpos e testar sua compatibilidade carnal e espiritual. Uma boa sintonia na dança pode significar um bom entrosamento do casal, e bons momentos na cama. “A dança também tem sua magia, seus mistérios e seus segredos” — pensou Carlos.
— A senhorita gostaria de dançar?
Sorrindo, a cidadã de Berlim disse sim. E tocou sua cintura . Pegou sua mão esquerda, abraçando-a, e aproximou os dois corações. Sentiu o calor de um suposto frio alemão. E percebeu que aquele frio era mais quente e aconchegante que todos os corações brasileiros que já tinha conhecido. Nunca antes um coração brasileiro lhe fez se sentir tão confortado e aquecido. Percebeu ali que o amor é universal, que não possui nacionalidade e que não tem idioma próprio, nem hino nem bandeira. Viu que a linguagem do amor é tão silenciosa quanto a madrugada. E que, para entendê-la, basta apenas um olhar profundo e verdadeiro. E também um abraço. E também uma troca de energia, típica de um forrozinho nordestino.
Dançaram. Dançaram. Mas aquela dança era pra Carlos uma maneira indireta de abraçar Karini. O estilo de bailar dos dois mais parecia um abraço prolongado do que uma dança de forró genuína.
O tempo voou. Vinte minutos se passaram. E vinte equivaliam a um.
Acabou a música.
Acabou o forró. Acabou a dança. E também o abraço.
Começou a tocar MPB. Algumas luzes do local se acenderam.
E os dois foram para um canto conversar. E começaram a falar de Brasília. Ele também não era natural do Planalto Central. Tinha suas origens enraizadas nos pampas alegretenses. E sempre estranhou a cidade, da mesma forma que Karini. Ambos a achavam estranha e fria, mas também bela e singular. E falaram da cultura da capital federal, do poder, da política, da sociedade das aparências e da desvirtude da atmosfera da Corte. Falaram de JK e de Niemeyer. E criticaram duramente a estrutura urbana concebida por Lúcio Costa, a qual carrega um legado segregacionista, gerando solidão, isolamento e distanciamento entre as classes e as almas. Eram percepções muito similares e convergentes. Um brasiliense nato raramente conseguia perceber e aceitar essas ideias. Só se consegue criticar uma realidade com profundidade quando se conhece outras, as quais constituem parâmetros sólidos de comparação. Ela vinha de Berlim. Ele, do Rio Grande. Duas referências muito distintas, mas, referências.
Quatro da manhã. Já era hora de partir.
Ela o abraçou. Ele retribuiu e alisou seus cabelos vermelhos. Pensou em tentar um beijo, mas sabia que os alemães não beijam em público. Preferiu poupá-la de um constrangimento, buscando ainda não queimar uma ficha sem necessidade. Pressentia que iriam se encontrar novamente. Não precisava ser apressado. Tudo a seu tempo, dentro do lento e indefinível processo de maturação.
Um abraço apertado.
— Fiquei muito feliz em conhecê-la. Você é uma linda mulher! Se pudesse, seria seu namorado!
— Quem sabe!? Não é impossível, Monsieur! E, piscando os olhos, sorriu para Carlos.
E se foi com suas amigas, desaparecendo na escuridão embaraçada da saída da boate.
“Monsieur” — refletiu Carlos.
Emergiu um questionamento, uma imprecisão semântica.
E pairou em sua consciência uma dúvida sobre o pronome francês dito por uma alemã. O que ela quis dizer? Que era um velho? Ou que era um cavalheiro? É claro que Carlos preferiria a segunda opção, já que os quarentões tem uma preocupação a mais com o passar do tempo, e com o tempo passado. Será que, pra ela, ela tinha sido um cavalheiro, ou um homem de idade descompassada com a dela?
No que seguinte Karini lhe enviou uma mensagem pelo celular:
Oi Monsieur! Foi muito bom ouvir que alguém tem ideias semelhantes sobre essa estranha cidade de Brasília. Mas que pelo menos tem alguns lugares legais como, por exemplo, esse de ontem. Um beijo, Monsieur!
E a dúvida permaneceu.
Monsieur: senhor ou cavalheiro?
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui