O leitor vai conhecer a tradução que fiz de uma breve narrativa do escritor austríaco Peter Handke, extraída de "Begrüssung des Aufsichtsrats [Saudações ao Conselho Fiscal], Residenz Verlag, Salzburg 1967, pág. 104.
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Entre nós, Peter Handke é mais conhecido por sua parceria, como roteirista, com o cineasta Wim Wenders (O medo do goleiro diante do pênalti, Movimento Errado, Asas do Desejo) e por algumas de suas narrativas (A mulher canhota, Breve carta para um longo adeus, O medo do goleiro diante do pênalti, Bem-Aventurada Infelicidade, A repetição, A ausência, A tarde do escritor, entre outras).
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Anedota
Numa aldeia não muito distante do povoado de A., se deu outrora um caso memorável. Num domingo, quando os sinos já anunciavam aos quatro ventos o ofício divino, rodeado por um círculo de curiosos postados sobre o calçamento da praça, um moço jovem, conhecido nas redondezas pelo cultivo de tramas mentirosas, com a mão erguida em juramento e o grito de: Tão verdadeiro quanto eu estar aqui de pé!, teria reforçado uma de suas histórias da carochinha, em resposta a algumas dúvidas surgidas no meio do público sobre a credibilidade da mesma, e batido o pé com força, com o que, depois do que dissera, naquele exato lugar ficou plantado e, por mais que se tenham envidado esforços, dele não pode mais ser arrancado. A lenda relata que, incapacitado mesmo de poder sentar-se, de pé e na imobilidade teria passado ali o resto de sua existência, cercado por uma armação provida de estacas que lhe serviam de escoras, lamentando sem trégua o próprio destino e abrindo o coração aos curiosos que para ali acorriam de todos os quadrantes, e só a morte, depois de uma vida inteira assim postado, tornara a conferir mobilidade ao miserável, de modo a que ao fim e ao cabo dali pudesse ser removido. Hoje em dia ainda se aponta para a cavidade no respectivo ponto da praça, onde, por força daquela permanência de uma vida inteira, os pés do rapaz penetraram alguns palmos para dentro do solo.
(trad.: zé pedro antunes)
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