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Poesias-->Cuiarana Cuiaputinga-araruê -- 07/09/2017 - 16:41 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos












O sertanista no trem 


pega os teréns 

que podia levar: 

uma rede, um facão 

e uma pá. 

Ajudava a sapar 

alguma trincheira 

que fosse cavar. 

 

E, no meio da noite, 

na mata Mafrense, 

muitas léguas distantes 

da civilização, 

a lenha acabou, 

e o trem parou, 

porque a caldeira 

não tinha pressão. 

 

Ribeiro desceu 

sem sol, nem luar. 

Deixou logo o trilho 

e pegou uma senda 

sem luz e sem brilho 

sem nada enxergar, 

sobre os olhos a venda 

da noite escura 

e por sobre abrolhos 

começa a pisar. 

 

É aqui o lugar;

vou cavar uma fossa. 

Preciso abrigar-me 

e esperar a aurora 

que não tarda a chegar. 

Sem temer o perigo 

de bicho selvagem, 

o bom sertanejo, 

com muita coragem, 

fez ali seu abrigo 

para descansar. 

 

E, assim, na trincheira 

por ele cavada, 

a noite inteira 

ficou a pensar... 

Até que um raio solar 

a incidir sobre os olhos 

da fossa gelada 

o fez levantar. 

 

O dia amanhece 

no topo da serra, 

e o trem parece 

querer galopar 

como corcel arisco 

nas rédeas do trilho.

Mas aquele filho 

mineiro 

não pode escutar 

senão o clangor, 

naquela manhã 

do triste acauã, 

solitário a cantar. 

 

Veloz sobre os trilhos, 

na curva dos montes 

mais claros que via, 

a semana inteira 

o trem desafia 

o tempo e o espaço, 

quão rápido se sente 

e, a cada dormente 

que vê passar, 

apita e fumega 

mandando avisar: 

cumpri a missão; 

é o ponto final, 

a última estação. 

 

Mas, em longo percurso, 

ninguém se dá conta 

de que o companheiro 

do norte mineiro 

abandonara o trem 

e seus passageiros 

além, muito além.  

E, por outro caminho 

andando sozinho, 

Ribeiro está. 

 

Na sombra da mata, 

nem sol pode ver, 

não podia saber, 

nem onde estava 

e rompia a trilha 

que convergia 

para as fendas do outeiro. 

Era o fim da senda 

em que longe via 

guerreiros tenazes, 

nativos da terra, 

bem no pé da serra, 

a tribo Aroazes. 

 

Mas o sertanista 

sequer teve medo 

daquele arvoredo, 

que tanto queria 

guardar o segredo 

da tribo que, um dia, 

em suas entranhas, 

a mata escondia. 

 

Seu corpo cansado

de tanto andar

por horas a fio,

de sede aflito

procurava um rio

para saciar a sede 

E, por sorte,

águas Aroazes 

do rio  Sambito

o salvaram da morte!

 

E, quando recobrou 

o vigor e a força, 

viu no espelho das águas 

uma sombra de moça. 

Doze anos, talvez não mais, 

curtida de sol, pele tenaz, 

cabelos negros, 

seios róseos como romã, 

corpo esculpido pelo vento 

da cor do pecado de Tizo 

e cheiro de maçã do paraíso. 

 

Cabelos negros, mamilos rosados,

ralos pêlos pubianos no regaço, 

nudez de corpo e alma cunhatã tinha. 

Ribeiro desejou tê-la em seus braços, 

mas subir frondosa árvore não podia. 

Na copa mais alta do jequitibá, 

jovem  índia aroazes se escondia. 

 

Então resolveu, da mente inventar,

uma língua possível que pudesse levar 

alguma mensagem qualquer àquela 

mais linda selvagem, tão perfeita e bela, 

mais linda e bela que a índia Alencar. 

 

- Jequiriti, jequitá, cuiapitinga-araruá! 

 

Gritou Ribeiro

 em seu linguajar  e, como por encanto, 

tomado de espanto e palpitação, 

viu cunhatã descer 

do mais alto galho 

do frondoso jequitibá, 

porque, ao nascer, 

pajé lhe dissera: 

Tu és a deusa Jequiriti-Jequitá, 

palmeira frondosa, trepada no galho. 

Quisera o espírito bom te mandar

cento e quarenta e quatro luas 

e um deus de longe, vir pra perto 

teu nome chamar. 

 

-  Jequiriti, jequitá, cuiapitinga-araruá!

Sem nada falar, 

Jequiriti-Jequitá 

acenou para o deus 

que há doze anos esperava. 

Precisava fazer 

o que pajé lhe ensinava.

E, pelo aceno, Ribeiro sabia, 

naquele momento: 

Jequitá  queria

instrumento de branco 

para seu chão escavar. 

 

E ela, num salto felino, 

numa mão tomou a pá; 

na outra, o facão. 

Passou a cortar 

a rala caatinga 

e, depois, a cavar; 

desenterrou a cuiapitinga. 

 

Cuiapitinga bem guardada, 

há tanto tempo enterrada 

no tronco do jequitibá. 

Que cunhatã virou sobre si 

derramando o líquido precioso, 

escuro e cheiroso, daquela cuité 

que pelo corpo a escorrer 

fazia nascer a deusa-mulher. 

 

E logo que seu corpo nu 

se viu embebido 

pela porção mágica do pajé, 

atrelou-se em insaciável libido 

ao sertanista em longo abraço 

e entregou-se todinha 

ao deus que ela tinha 

por tanto tempo esperado. 

E, em gozo medonho, 

Caíram afoitos. E no   sono de coito, 

abraçados dormiram. 

 

Longas horas se passaram 

e, quando acordaram, 

valentes guerreiros dançavam

 e aos deuses cantavam, 

sem nenhuma maldade,

a poderosa  dança

da fertilidade 

enquanto mulheres jogavam,

nos  corpos despidos,

após os gemidos,

e para consagrá-los

aos deuses Aroazes,

límpidas águas lançavam

sobre os corpos vorazes 

de amor saciados 

dos deuses Jequitibá 

e Jequiriti-Jequitá. 

 

O sol já pendia quando 

o valente cacique Cuiarana, 

na rede  deitado,

chamou  o pajé 

para invocar os espíritos 

sobre marido e mulher: 

os deuses Jequitibá 

e Jequiriti-Jequitá. 

 

Feita a pajelança, 

em silêncio ficaram, 

esperando a voz da selva falar 

cuiú-cuiú a cantar. 

Anuncia, por fim, 

a vinda da criança. 

O tempo será

 nove luas 

para curumim chegar. 

 

Mas, enquanto dormia, 

Ribeiro a sonhar 

intrigado ficou, 

porque parecia ouvir 

carimbamba cantar: 

“Amanhã eu vou” 

“Amanhã eu vou” 

 

Sem demorar veio 

a noite de um novo dia... 

Cuiarana e toda tribo bebia 

aluá de milho e fumava diamba. 

A carimbamba calou-se; 

Ribeiro aproveitou-se 

da alucinação da tribo 

para empreender fuga 

antes que nascesse o herdeiro 

do cacique, seu filho, o deus 

Cuiarana Jequiriti-Jequitibá. 

 

Precisava fugir, porque

curumim, uma vez nascido, 

o pai seria oferecido 

com a deusa Jequiriti 

em sacrifício a tupã, 

na primeira aurora da manhã, 

E só havia um jeito de salvar 

da morte a deusa Jequiriti: 

se o espírito de Jequitá 

levasse em suas asas 

o deus Jequitibá. 

 

No centro da ocara, 

frondosa palmeira 

o vento torcia, 

enquanto por ela 

Ribeiro subia 

e, por sorte, 

soprou vento forte 

feito tufão, 

derribando ocas, 

levando ao chão 

quase toda taba. 

E, na copa altaneira 

da grande palmeira, 

Ribeiro cortou 

uma enorme palha. 

E, como uma gralha, 

Ribeiro voou... 

 

Passada a tormenta, 

Cuiarana juntara 

o que sobrara de seu 

pra reconstruir a ocara

como presente do deus, 

no alto da palmeira. 

A vinte metros do chão, 

Ribeiro deixara 

o grande facão. 

 

 

Cravado na palmeira, 

o presente do deus 

que trouxe a sorte 

livrando da morte 

Jequiriti-Jequitá. 

Agora sozinha 

podia esperar 

nascer curumim, 

sem ter que morrer 

com Jequitibá. 

 

Meninos! 

Não minto; 

eu canto o que sinto. 

Meninos, eu vi 

o corpo nu por inteiro 

bonito e faceiro 

de Jequiritii - Jequitá 

Eu vi Ribeiro desmaiar 

Em sono pós coito. 

Eu vi Jequiriti 

trepada no Jequitibá. 

Meninos, eu vi 

Ribeiro por lá.


 










Adalberto Lima








Enviado por Adalberto Lima em 07/09/2017


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