Morou por algum tempo no Beco dos Canudos, numa época em que as ruas e ruelas
já vinham ganhando nomes de próceres da cidade. Mas mesmo com aquela plaquinha
azul retangular, de letras brancas, em cada esquina quem iria nomes já consagrados
por eles trocar? E que Chiquinho Teodoro nos perdôe, mas o que deu do nomeador de
ruas ao desprezar o Francisco?
Mas vamos a Tereza, cuja morada é passageira e a rua é pra vida inteira. Ainda que
com essa troca de nomes, essa besteira. Tereza era filha da terra, aquela orgulhosa
Velha Serrana, terra que deu muito ouro para as derramas e alguma voz para a
Inconfidência. Deu também até morada a um Padre Belchior que fora confessor de
Dom Pedro, o Primeiro - e que fora pagar seus próprios pecados naquele longínquo rincão.
E cadê Tereza: ei-la, parte de grande irmandade, muitas moças e pelo menos um
rapaz, todos casados, espalhados, enfilharados e senão abastados, remediados,
como Deus é servido - e seu serviço é comprido. Tereza, aparentemente foi a menos
afortunada entre todos. Mora naquela casinha, como as outras vizinhas, parecidinhas,
só que o marido não a ouve nem lhe dá papo. É o Timóteo, ótimo sapateiro, artista
num acabamento, mas surdo-mudo que de Tereza não ouve o lamento.
Tereza chora. A vida lhe imita a salve-rainha no vale de lágrimas - sem contudo, que a
advogada, cujos olhos misercordiosos nos volve, a Tereza envolva. E o choro de Tereza
se segue e se entremeia aos seus gritos, seus momentos de desespero e sua rara
lucidez. Não é preciso estar no Beco dos Canudos para se ouvi-la, de mais distância
se o faz e aí sua tristeza lancinante já lhe invadiu a paz e esperança de cura, procura,
Alguns internamentos uns tantos regressos, e a enfermidade a acompanhá-la, nunca
quer abandoná-la. Os olhos olham para o vazio, o pescoço engrossado, tiroidal parece
ainda fazer ressoar com mais vigor aquele lamento, a agonia.
Um dia entretanto, Tereza à janela, testemunhei um momento de lucidez assomar-se a
ela, quando olhando para o vazio na rua quase despovoada, viu despontar um Geraldo
Monteiro, mascate joalheiro, de ar sedutor, bigodes de um Don Juan, que volta e meia
visitava a cidade com suas reluzentes bugingangas. Da janela, Tereza se transfigurou,
compôs-se, passou a mão pelos cabelos, sob a blusa se ajeitou e se sentindo cobiçada
mulher, exclamou, e não exclamação qualquer: Meu Deus, vem ali o Geraldo Monteiro! |