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Erotico-->13. ENGRÁCIA -- 07/02/2002 - 07:27 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Quando Rosaura ligou para a filha, avisando que o avô Honório estava internado, tendo sofrido um derrame cerebral, não deixou clara a gravidade do ataque. Foi quando entrou no quarto, onde se achava a esposa, que percebeu que o velho senhor estava inconsciente.

— Dona Engrácia, como está o meu avô?

— O médico acaba de sair dizendo que desta noite não passa.

— Mas é tão grave assim?

— Ele só está respirando graças aos aparelhos. O que os médicos apuraram é que está em situação vegetativa. Se, por acaso, sobrevivesse, ficaria em coma permanente.

— Mas não existe nenhuma esperança?

— Nenhum remédio será capaz de curá-lo.

— E a senhora está tão conformada assim?

— Eu aprendi que a morte é uma contingência da vida. Todos nós vamos ver o nosso dia chegar e passar.

— Ver chegar, está certo. Mas como nós poderemos ver passar?

— Com os olhos do perispírito.

— Perispírito?

— Sim. Nosso corpo espiritual.

— Não entendi. Quer dizer que as almas possuem outra espécie de corpo?

— Dizem certos religiosos orientais que todos nós temos sete ou nove corpos.

— Para mim é novidade.

— Você achava que a gente morria e tudo acabava?

— Eu sempre achei que existia outra vida, ou outra existência, mas de caráter meramente espiritual. A alma iria para uma região de bem-aventurança ou de sofrimentos eternos. Mas sem corpo.

— Você está pensando como os católicos. Mas fique sabendo que eles acreditam que haverá um juízo final, quando as trombetas celestes despertarão os mortos, que assumirão seus corpos materiais, à espera de ir usufruir a felicidade ou o castigo pelos pecados por todos os séculos da eternidade. A idéia de assumir logo um corpo etéreo, em outra dimensão, me parece mais lógica e plausível.

— O miserável do José, que desejava arrastar-me para sua seita, querendo impor-me cabelos e saias compridos, como se fosse dono de mim, dizia sempre que eu iria arder no inferno. Ficou comigo três meses e logo eu o despachei, porque nem na cama ele era bom.

— Esse tal eu não conheci.

— Depois do meu desencanto com o André, há um ano atrás, fiquei com a pulga atrás da orelha e descartei vários pretendentes. Todos queriam ficar comigo numa boa, sem responsabilidade. O único que me pareceu sério, justamente porque freqüentava um culto protestante, foi esse tal. No fundo, ele queria uma escrava, tanto que me propôs que eu ficasse em casa, enquanto ele tocava os negócios na loja.

— Mas você bancou a ingênua...

— A senhora não entendeu. Eu estava precisando de um homem que fizesse que me sentisse uma verdadeira mulher.

— No sentido bíblico, naturalmente.

— Naturalmente. Vejo que a senhora entendeu. Quando ele me falou em pagar o dízimo, eu fiquei de orelha em pé. Mas a imposição do vestido, dos cabelos e da leitura da Bíblia estava escondendo algo muito mais terrível. Um dia, eu o peguei bolinando a Beatriz. Não deixei por menos. Fui à Delegacia da Mulher e denunciei o sujeito. Sei que não vai dar em nada, mas a repercussão que o caso teve fez que se mudasse de bairro e de seita.

— Não fiquei sabendo de nada disso.

— Pois é. Existem pessoas na religião que são bem mais materialistas do que aqueles que não acreditam em nada. A senhora está falando em corpo espiritual, em peri...

— Perispírito. Trata-se de uma palavra inventada pelos espíritos que deram as instruções para Kardec escrever as obras básicas do Espiritismo.

— Pois esse perispírito não é também uma forma de entender o lado de lá também como formado de matéria?

— Matéria mais sutil, embora matéria. Enquanto o espírito não for perfeito, deverá habitar mundos em que vai passar por provações, por testes para aperfeiçoamento nas virtudes. Quando estiver em condições de perfeição, Deus o chamará para o seu reino de glória eterna.

— Quer dizer que o meu pobre avô amanhã estará vestindo uma roupa nova, num plano diferente do nosso?

— Você entendeu perfeitamente. Mas a roupa não é nova, pois a trajamos em conjunto com a matéria. E ela é muito útil para o contato entre viventes e desencarnados.

— Mas, Engrácia, não existe nisso uma certa injustiça, uma vez que ele só fez o bem na Terra?

— Então, não irá sofrer. Será levado para um local de repouso, onde reaprenderá a utilizar os membros do seu corpo espiritual...

— Estou pensando no coitado do Clóvis, que morreu jovem e que bem pouco fez em favor do próximo.

— O aidético?

— Sim.

— Se esse desrespeitou as leis naturais, vai ter de aprender a respeitá-las, seja do lado de lá, seja voltando a encarnar-se.

— Mas ele já não sofreu o suficiente?

— Sofreu mas não o suficiente. Sua quota de sofrimento estará conforme à justiça de Deus, pode ter a certeza disso.

— Ele precisará reencarnar?

— Provavelmente, por ter falhado numa tentativa de realizar algo positivo em favor de seu crescimento moral, ele mesmo vai julgar que deve retornar.

Depois de refletir um pouco sobre tudo o que ouvira, Rosalinda ainda se mantinha na defensiva. Não sendo este seu modo de ser, buscou um ponto diferente para atacar:

— Engrácia, eu fiquei sabendo que vocês não iam mais ao centro espírita. Por isso, eu pensei que tivessem mudado de religião.

— Eu trabalhei por mais de quarenta anos pelos assistidos de diversos centros. Agora nós ficamos cansados. Temos de ceder a vez aos mais novos. Mas não é verdade que abandonamos o Espiritismo. Uma coisa é o Movimento Espírita, ou seja, os centros, uniões e federações espíritas, que trabalham pela divulgação da doutrina e pela população em geral. Outra coisa é a fé que adquirimos e que nos impõe uma conduta compatível com o lema deixado por Kardec para a humanidade: Fora da caridade não existe salvação.

— Mas se vocês deixaram de atender às necessidades dos pobres...

— Deixamos de trabalhar, de desempenhar atividades em prol da formação doutrinária das pessoas e do bem-estar das famílias. A nossa idade nos permitiu, por outro lado, proporcionar aos que servem a Jesus naquelas casas de benemerência que ficassem com a consciência aliviada, por nos auxiliarem a vencer dificuldades. Passamos de assistentes a assistidos. Eis tudo. Você tem o exemplo mais vivo disto na pessoa do seu avô, que está sob os cuidados de um corpo médico e de enfermeiros, dando emprego a muita gente.

— Desculpe ter provocado a senhora. Vejo que está lúcida e consciente dos atos de toda uma vida dedicada a um ideal.

— Que os nossos guias e mentores espirituais consigam enxergar a nossa existência por esse prisma. Com certeza, irão facilitar-nos o reingresso no círculo mais adequado do umbral para darmos prosseguimento à nossa evolução.

— Se bem estou entendendo, quando meu avô falecer, a senhora não irá derramar uma única lágrima, consagrando o pensamento e as emoções às superiores teses filosóficas de que está impregnada.

Engrácia olhou muito séria para a jovem, querendo perceber algo além da simples consideração tão bem ponderada. Veio-lhe à mente uma inspiração, logo transformada em palavras:

— Você está falando sob impulso, sem um momento de reflexão, ou seja, não está reproduzindo idéias que amadureceram em seu cérebro. Isto caracteriza a mediunidade. Sugiro-lhe que assista às aulas de desenvolvimento mediúnico, para ter a certeza de que pode tornar-se uma trabalhadora a serviço das comunicações dos amigos da espiritualidade que desejarem trazer recados para o mundo dos vivos. Quanto a chorar pela morte de seu avô, saiba que já verti muitas lágrimas agradecidas pela vida feliz de alguns poucos anos que estivemos juntos. Foi uma verdadeira bênção este matrimônio. Aliás, eu o devo a você.

— Como assim?

— Um dia você descobriu os seios na frente dele e ele voltou a se entusiasmar pela vida. Eu estava no caminho...

Naquele instante, o aparelho denunciou uma parada cardíaca. Correram os enfermeiros de plantão, chegando em seguida o médico do atendimento à unidade de terapia intensiva.

Rosalinda pensou que se projetariam sobre o corpo do velho, fazendo massagens torácicas ou utilizando o desfibrilador. Ao contrário, o médico desligou os aparelhos, recomendando que liberassem o leito o mais depressa possível, que havia outro paciente à espera da vaga.

A jovem sentiu faltar-lhe o chão, pela primeira vez perante o fenômeno da morte. Coube a Engrácia ampará-la, levando-a para o corredor, dizendo-lhe palavras de conforto e de confiança da misericórdia do Senhor.


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