Na véspera de completar vinte e dois anos, Rosalinda conheceu Heitor. Deveria tê-lo encontrado antes, porque era filho do dentista que cuidara de sua dentição desde a infância. Talvez por ser mais velho dez anos, somente quando ela resolveu ceder à recomendação de colocar um aparelho nos dentes é que um prestou atenção no outro.
— Você é a irmã do Rodrigo?
— Sim.
— Jogamos futebol juntos. Ele é bem mais novo. Aposto que continua jogando.
— Que eu saiba, foi convidado para participar da seleção estadual.
— Futebol de campo?
— Futebol de salão, eu acho.
— Eu parei. Agora, só nos fins de semana, no clube, entre os pernetas.
— Futebol de salão?
— Futebol na areia. Agora eu vou pedir que fique com a boca aberta para colocar a massa do molde. Vai demorar um pouco. Mas não se incomode com a saliva que eu vou sugar com o aspirador.
Enquanto tratava da boca, Heitor ia admirando todo o belo conjunto do corpo harmonioso da moça.
— Meu pai me pediu para cuidar bem de seus dentes, porque você deu muito trabalho a ele a vida toda. Você deveria ter colocado o aparelho há uns dez anos ou mais. Agora sua boca estaria uma maravilha. Mas nunca é tarde para ficar ainda mais bonita.
Hesitava em introduzir um tema mais íntimo, mas criou coragem:
— Ele me disse que você tem cuidado bem dos dentinhos de leite de sua filha, bem diferente dos seus, pelas jaquetas e obturações.
Julgou que fora crítico demais e quis remendar:
— Para o futuro, vamos ver se, nas próximas vezes que engravidar, a perda do cálcio seja compensada.
Rosalinda quase não estava prestando atenção na conversa fiada, preocupada com a saliva que lhe enchia o fundo da boca.
— Pronto! Vou retirar o molde. Você poderá descansar um pouco.
De fato, enquanto Heitor limpava os excessos de massa, a paciente pôde reparar melhor na forma pela qual o jovem senhor cuidava do molde. Admirou, sobretudo, a concentração que demonstrava no serviço, achando que era uma pessoa de confiança.
Foi quando ela perguntou de chofre:
— Quantos filhos você tem?
— Não tenho filhos, mesmo porque sou solteiro.
— Não casou porque não deu certo ou já tem alguma história de separação, de divórcio?
Heitor não respondeu de imediato. Não queria fazer confidências mas também não podia deixar a moça iludida. Então, confessou:
— Eu nunca me interessei muito pelas mulheres. Elas são boas colegas. São pessoas que me inspiram muito amor, mas não me atraem. Sou capaz de admirar um belo corpo, como o seu, se me permitir elogiá-la, mas não vou além disso, se é que você me entende.
— Você é gay!...
— Gay, propriamente, não. Tive uns casos mas jamais me apaixonei por ninguém.
Sempre tão despachada, Rosalinda não sabia como prosseguir naquele ritmo franco e leal.
Foi Heitor quem adiantou a conversa:
— Eu acho que, se encontrasse alguém com a mente aberta, homem ou mulher, seria capaz até de constituir família. Quais são as suas opções sexuais?
— Eu sou feminina, heterossexual, e nunca olhei para as mulheres de maneira erótica. Tenho amizades sinceras mas nunca me passou pela cabeça transformar isso em algo mais sério, no sentido dos relacionamentos íntimos.
— Eu gostaria de conhecê-la melhor. Gostei do seu modo de encarar os fatos da realidade. Eu acho que a gente pode desenvolver mais estes assuntos, se é que você não vai ficar constrangida que a vejam comigo.
— Quando eu lhe contar a história dos meus relacionamentos, talvez você é que vai sentir vergonha.
— Já sei que o pai de sua filha é casado e que você cortou um doze para se livrar de um cafajeste que acabou falecendo.
— Quem lhe contou tudo isso?
— Alguém que sentou nesta mesma cadeira.
— Você não vai me dizer quem foi?
— Eu não acho importante.
— Mas como é que o meu nome surgiu na conversa?
— Se você sair comigo, eu posso contar-lhe, desde que você me prometa discrição.
— Vamos fazer o seguinte: como seu pai vai à festa que minha mãe vai promover domingo que vem, você vai junto. Finalmente, ela conseguiu batizar a neta. Aliás, os netos, porque o filhinho do Rodrigo também vai ser batizado.
— Mas é uma reunião familiar.
— Para minha mãe, não. Ela está querendo mostrar para as carolas da paróquia que conseguiu vergar a filha.
— Você é contrária à religião?
— Até que não. Eu só acho que as pessoas devem decidir a respeito das coisas que lhes concernem.
— Você vai me desculpar, mas tem gente esperando a vez.
— Até domingo, às onze da manhã. Você vai almoçar conosco.
— Eu não prometo. Talvez, eu passe à tarde. Vamos ver. Marque uma hora para a semana que vem, para ajustarmos o aparelho.
Quando trocaram um aperto de mão, Rosalinda fez questão de beijar as faces do rapaz.