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Cronicas-->OS DOIS ECLIPSES -- 07/02/2007 - 11:37 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

OS DOIS ECLIPSES

Francisco Miguel de Moura*

Era 1940. O menino já levava nos couros sete janeiros e ainda não aprendera a ler. Se sabia, onde, como e quando fora? Livros? Letras, sílabas, alguns nomes, nada mais ficou daquelas lições de seu pai, mestre Miguel, na vasante, debaixo das árvores.
Agora, moravam na "Sussuapara", numa casa que estava abandonada. Com ordem do dono, mestre Miguel e D. Zefinha tomaram conta dela, limpando-a, inclusive os terreiros. Era grande e feia. Um quarto escuro, uma sala muito espaçosa com um banco de madeira para sentar. E outro quarto com depósitos de cereais: farinha, milho, feijão.
Um dia o céu amanheceu estranho. O sol não abriu, embora sem a presença de nuvens; ao invés, começa a esfriar como se fosse uma tarde de chuva, tudo escurecendo. As galinhas subiam aos poleiros para dormir, galos começaram a cantar. Os pássaros pipilavam por sobre as árvores. Os bacorinhos e porcos maiores grunhiam, deitando-se no chão, procurando a lama da lavagem dos pratos para se espojarem.
O menino com medo, a mãe explicou:
- É a lua que vai passando na frente do sol. Um eclipse, meu filho.
Os grandes já estavam avisados. Depois de alguns minutos, quem sabe até horas, tudo voltaria ao normal. Algumas pessoas, entretanto, não acreditavam que fosse um fenómeno natural, passageiro. Era o fim do mundo... Castigo de Deus.
As crianças receberam como um choque, nada sabiam de eclipse, se era como nos contos de fadas.
No meio da aflição, Chico corre do terreiro para dentro, se deita na rede, enrola em panos e varandas o corpo todo, dos pés à cabeça. Pronto para esperar o fim de tudo, sem olhar. Pronto para morrer. Já lhe haviam dito que o mundo acabara uma vez. Ele não sabia nada do mundo, do que tinha acabado nem daquele que agora ia ter fim.
- A primeira vez foi com água - dizia a mãe. - Foi o dilúvio.
- E este, mãezinha, como vai ser?
- Agora é diferente, vai ser com fogo.
- Como, se está esfriando? E a gente volta de novo?
Ninguém sabia dizer nada. Determinação de Deus. E pronto. Talvez porque as pessoas ficaram muito más, pecadoras, desumanas.
João e Maria, meninos que iam ser queimados pela bruxa da floresta, na sua cabana, era a história que lhe passava pela mente. Só que eles se salvavam. Para tudo há uma salvação. Qual seria a do menino Chico? Sequer pensava nos outros. Queria salvar-se junto com a mãe.
Quieto, deitado, esperava que esperava o fogo, as labaredas, e elas não vinham. As pernas já esquentando, para em seguida vir aquele frio danado que ninguém se segurava. Por dentro dele, só gelo e escuro. Transido de medo. E o pavor corria corpo acima, para dentro do estómago, um raio friorento fazendo encolher-se todo, doer a barriga. Minutos de sofrimento, quase desespero, que pareciam não ter fim.
Depois, a terra voltaria a sua normalidade. Quis ver o sol brilhar com força. Que beleza! Levantou-se da rede correndo e encontra a mamãe ocupada, na beira das trempes, preparando o magro almoço. Pirão de farinha e uns pequenos pedaços de carne. Só. Como se a vida voltasse ao normal. Precisava esquecer os momentos de aflição.
Deixe que nem tudo se normalizou. A vida não estava cor de rosa para a família. Há tempos que a situação financeira de mestre Miguel se apertava. Havia estremecimentos em casa, brigas no casal, desacordo, desde aquele episódio em que o menino era pra ser dado ao sr. Moura Fé, quando moravam naquela casa isolada, mais acima da ribeira do Guaribas, também perto-longe de seu Quinca Marinheiro. Os dois já caminhavam para uma separação temporária, por birra da mãe. O pai inventou de mudar-se para a Bocaina; Zefa cismou pra não ir. Estava se dando bem com a vizinhança. Pra que arribar de novo? Por que viver feito cigano? Lá não seria melhor do que onde estavam.
- Eu fico aqui, perto de meus amigos e amigas.
Tudo foi muito rápido para o menino. O velho não quis tempo de pensar nem ouvir explicações ou argumentos. Pegou os trapos de roupas, redes, lençóis, chinelos, chapéus, os poucos pratos, colheres e panelas, e arrumou-os numa carga, encarapitando as crianças - Chico, Teresa e Mariinha - tudo num único animal. E seguiu o seu destino. Não é preciso dizer que foram tristes, à força. Se choravam baixinho era pra não apanhar.
- Eu quero mamãe, eu quero mamãe! - reclama Mariinha, a menor. Teresinha e Chico, assustados e perplexos, apenas perguntavam.
O velho não respondia e ainda mandava que se calassem.
A separação do casal durou pouco tempo, um mês, dois, no máximo. Mas, para os filhos, foi um século. A casa oca. Uma mulher estranha, a quem mestre Miguel pagava com um pouquinho de dinheiro, vinha fazer a comida, lavar as roupas, e ia dormir na sua casa. A noite baixava uma terrível solidão. Ouviam só os grilos a cricrilarem, no escuro. Aqui e acolá um vagalume acendia a lanterna. O resto silenciava. O velho só vinha muito tarde; de mahã é que tomavam conhecimento de que voltara.
Uma lembrança boa daquela época e da casa na Sussuapara, antes da separação, foi que Jerusa esteve morando uns tempos com a família. Era a afilhada de D. Zefinha, filha da tia Rosa, naquela fase em que tudo é risonho, tudo é vida, viço e beleza Menina-moça. As brincadeiras eram demais.
Entretanto, foi uma pequena temporada, só. Jerusa foi embora. Os meninos se separaram da mãe, seguindo o pai, também cabeçudo. Por muito tempo, Chico não imaginou o que o velho fora fazer na Bocaina. Lembra que ele pescava no rio, fazia tarrafas. Saía muitas vezes de casa. Mestre Miguel talvez estivesse sem escola, sem alunos, sem ganhar nada da sua profissão, com necessidade de tudo. Distante um pouco do povoado, precisava buscar os mantimentos a pé, serviço que antes era feito por Zefa.
Um dia, que para as criança demorou tanto, a mamãe chega, levada por alguns parentes de lado a lado, por conselho de Sinhó do Diogo, avó do menino e pai de Miguel. Houve um acordo. Convenceram-na de que era errado não acompanhar o marido, conforme mandavam os costumes daquele tempo. Por uma simples briga, um simples dizer «não vou», sem razão, deixar os filhinhos como se fossem órfãos? Coitados!
Dai, então, a vida do menino melhorou, mas a tristeza se tornaria parte dela. A separação foi o outro eclipse, mais demorado, o medo se estendia a outras regiões da mente, ele ainda não póde entender. Uma dor muito profunda. Pensativo, quer descobrir o mistério das pessoas, os sentimentos e as intenções. Bem gostaria de saber, de ter certeza. Quem sabe o que a vida reserva a cada um? Quantos eclipses? Quantos clarões? Quantas voltas? Quem adivinha como e em que se transformará a criança?
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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, reside em Teresina, PI, tem e-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br
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