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Artigos-->A REPÚBLICA DA PANÁKIA -- 08/02/2003 - 14:56 (Walter Del Picchia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A REPÚBLICA DA PANÁKIA

Walter Del Picchia







Há pouco esteve entre nós um dos mais destacados membros da oligarquia panaka, o Dr. Yakobis, mentor intelectual — ou eminência parda, segundo seus detratores — da original experiência modernizadora vivida por seu país. O Dr. Yakobis, certamente o mais ilustre dos panakas, concedeu-nos uma entrevista histórica, não só pela inédita simplicidade com a qual a Panákia está resolvendo seus problemas, como principalmente pela semelhança existente entre os nossos e os problemas daquela importante nação. É com a esperança de nossos líderes se inspirarem nas sábias palavras de nosso entrevistado que transcrevemos, ipsis litteris, a entrevista concedida.



Entrevistador — Sinto-me gratificado por estar na presença do já chamado “O Grande Experimentador”, em face das bem sucedidas aplicações de sua filosofia político-social, causa do despertar panakiano. Gostaria que o senhor resumisse para nossos leitores suas principais idéias.



Dr. Yakobis — Fico feliz em poder descrever para os habitantes desse carnavalesco país os resultados de meus trabalhos. Evidentemente, em uma única entrevista será possível fazer apenas uma breve introdução à teoria panakiana. Os interessados encontrarão detalhes em meus livros “O Princípio da Complicação Mínima e suas Complicações” e “A Lei da Unicidade”.



O Princípio da Complicação Mínima (conhecido por “O Princípio”), estabelece que, para cada questão, a melhor solução é aquela que consome menos energia para ser obtida; é aquela que exige que pensemos menos (melhor, até, que nem pensemos). As soluções ditas racionais são enganosas, quase sempre agravando os problemas. Nossos sábios desenvolveram uma teoria política baseada no Princípio e, gradativamente, os problemas da Panákia foram sendo resolvidos. Variações do Princípio já foram apresentadas no passado pelos físicos, mas sua atual importância transcende em muito aquelas aplicações, as quais se tornaram meros casos particulares sem interesse algum.



A Lei da Unicidade é conseqüência do Princípio e estabelece: “O que for passível de ser único, deve sê-lo”. Afora algumas exceções, que só confirmam a regra, o único é mais confiável, mais eficiente. O Princípio e a Lei, acrescidos de outros dois resultados, o Lema Selassiê e o Dogma da Separação, formam a base da monumental filosofia panakiana, vetor de retumbantes sucessos. Se ousamos sugerir a aplicação das nossas soluções aos problemas de seu país, é porque notamos uma admirável similaridade entre as nossas duas histórias.



Entrevistador — O senhor poderia nos falar das aplicações do Princípio da Complicação Mínima?



Dr. Yakobis — É claro. Nada entusiasma mais um tecnocrata-político do que descrever a comprovação prática de suas idéias. Antes, porém, lembro que outros países têm utilizado esporadicamente o Princípio – fomos nós, contudo, que sistematizamos seu uso. Por exemplo, o problema indígena, em vários países, tem sido resolvido do modo mais simples possível, eliminando-se os causadores dos problemas, os indígenas. Esta solução, também conhecida por “Opção Zero” (ela diz: “Se algo te incomoda, suprima-o”), foi ensaiada pelos nazistas contra os judeus, e os israelenses a têm habitualmente utilizado contra os palestinos. Outra aplicação notável ocorreu na construção da capital de seu país. Como obter uma cidade com o mínimo de pobreza? Muito simples: a pobreza foi exilada para as cidades satélites, e a capital foi preservada.



Quanto a nós, aplicamos o Princípio a um grande número de casos. Eliminamos a luta de classes: já que, existindo classes, não conseguíamos evitar o confronto entre elas, acabamos com as classes. Na Panákia só existe a classe pobre – a propósito, seu país há tempos vem perseguindo o mesmo objetivo, e com perceptível sucesso. O alto índice de desemprego foi resolvido facilmente: decretamos o desemprego como crime, sujeito a rito sumário. Os desempregados foram condenados a trabalhos forçados, e no dia seguinte o índice caiu a zero. O problema da inflação também foi enfrentado: nossa casa da moeda emite livremente uma moeda auxiliar chamada dólar; todos recebem e pagam com ela. O valor do dólar é constantemente reajustado, mas os preços e ordenados, em dólar, permanecem quase inalterados. Já as questões políticas, com seus intermináveis debates e pouco proveitosas discussões, necessitaram decisões de pulso, que sugiro a todos os governantes responsáveis. Proibimos a oposição de se opor! Finalmente, percebemos sua insistência em se opor, uma atitude bastante desagradável e de difícil aceitação. Bem que tentamos o entendimento nacional, decretando que as decisões deveriam ser tomadas por unanimidade, como demonstração de nossa união e da pujança de nossa democracia. Quando notamos que a maioria total raramente era alcançada, devido à intransigência de alguns opositores, não nos restou outra alternativa...



Mais alguns exemplos: nosso imposto de renda é simples, ninguém está isento e a taxação é de cem por cento para todos, pois, já que não pudemos proporcionar uma melhor renda, resolvemos distribuir eqüitativamente nossa falta de renda. Trocamos o nome do salário mínimo para “salário máximo”. Todos que recebiam o salário mínimo — e por isso estavam descontentes — passaram a ganhar o salário máximo — e ficaram felizes. O resultado foi tão bom que estamos pensando em trocar o nome da classe pobre para “classe rica”. Ia me esquecendo do trânsito: na Panákia, quando uma rua apresenta congestionamentos, nós a proibimos para o tráfego, e os congestionamentos terminam. Também, para evitar injustiças, temos cogitado suprimir a Justiça (apesar de caríssima, ela funciona tão mal que a maioria não vai nem notar a supressão). E, na mesma linha ideológica, para diminuir os sofrimentos da pobreza e as incertezas da velhice, nossa autoridade maior elaborou um eficiente plano de vacinação para eliminar os descapitalizados e os aposentados.



Para evitar os percalços que ocorrem na indústria, nas ciências e nas artes, resolvemos de vez. Não temos mais manifestações culturais, nem científicas, nem parque industrial. Hoje orgulho-me de dizer que não precisamos produzir nada, pois a Panákia importa tudo: produtos científicos, artísticos e industriais. Nossa meta agora é extinguir a educação, pois ela se tornou inútil e antieconômica.



Minimizamos nossa produção agrícola ensinando nosso povo a não comer, e ninguém tem reclamado. Dizem que já estão sem forças para tanto, mas eu discordo. Isto é um bom indício de que já se acostumaram.



Quanto à corrupção, que, na maioria dos países, é mal vista (quantos traumas desnecessários!), foi regulamentada e serve como estímulo, dentro de nossa filosofia neoliberal, para a vitalidade da economia e a felicidade dos dirigentes. Hoje, apropria-se mais quem tem maior capacidade, e ponto final.



Entrevistador — Estou surpreso com a sabedoria panakiana. O senhor tem alguma aplicação da Lei da Unicidade?



Dr. Yakobis — Pois não. Na Panákia temos, por decreto: uma só classe, a pobre; um só partido, o do governo; um só ministro, o da Economia (para que outros?); uma só estação de rádio, um só canal de TV (por isso nossos aparelhos de rádio e TV são mais simples e baratos — e depois, se uma só emissora de TV já apresenta idiotices suficientes, para que reproduzi-las em várias estações?), um só jornal, uma só língua (para que aprender o panakês e o inglês? — optamos pelo inglês somente); uma só moeda efetiva, o dólar (solução esta parcialmente copiada pelo seu vizinho, a Argentina, que não teve porém a coragem de completar a solução, emitindo livremente esta moeda).



Entrevistador — E o Lema Selassiê?



Dr. Yakobis — O ex-imperador Selassiê, da Abissínia, dizia que a felicidade é a diferença entre o realizado e a expectativa; por isso ele prometia pouco, para poder fazer um tanto mais. Nós modificamos ligeiramente esta assertiva, estabelecendo que “São as expectativas não cumpridas que acarretam a infelicidade”. Por isso, nosso governo não promete nada e não faz nada e, assim, ninguém tem do que reclamar.



Entrevistador — Brilhante! E quanto ao Dogma da Separação?



Dr. Yacobis — Este é o mais fundamental. Ele afirma: “Os interesses do Estado e os do povo são, não só distintos, como conflitantes”. Nossas bem-intencionadas tentativas para resolver os problemas da Panákia foram frustradas todas as vezes que tentamos satisfazer também aos interesses dos panakas. O Dogma veio resolver o impasse, pois, ao percebermos que os panakas são muito menos importantes do que a Panákia, dissociamos completamente o povo do Estado. Agora tratamos dos interesses da Panákia, e os panakas que se arrumem. Deus meu, como tudo seria mais simples para os governos se o povo não existisse! Aliás, como não concordamos com a idéia da alternância no poder, estamos pensando em trocar o povo de quatro em quatro anos. Já não disseram: “Se o povo não está contente com o governo, demita-se o povo e eleja-se outro”?



Na Panákia estamos plenamente convictos da nossa legitimidade, e é fácil entender porque. Não é legítimo governos de salvação nacional assumirem o poder quando o país está em crise? Pois o que nossa oligarquia tem feito é apenas manter a nação em crise permanente para, assim, continuar legitimamente no poder. Aos nossos poucos detratores, que sempre os há, temos a responder que lutamos por princípios. Temos uma posição ética perante a sociedade — embora nossa ética, por ser um tanto diferente, às vezes seja incompreendida por indivíduos de má vontade. O princípio fundamental da oligarquia panaka é manter-se no poder a qualquer custo. Ele estabelece: “Se você conquistou o poder, jamais o perca; use-o para mantê-lo” ou “Todo poder emana do poder e em seu nome será exercido”. Ética mais clara, impossível.



Aposentamos Maquiavel, mero aprendiz, e adotamos Alice no País das Maravilhas como nosso ideário político: temos bebido muito da sabedoria de Humpty Dumpty — ele nos ensinou que as palavras devem dizer apenas aquilo que queremos que elas digam, e não o que elas teimam em querer dizer. Para nós, os meios justificam os fins; quando se dispõe dos meios, sempre poderemos encontrar algum fim adequado aos meios disponíveis.



Entrevistador — Dr. Yakobis, nossos leitores ficarão encantados com tanto bom senso e pragmatismo. Só nos resta agradecer, congratulando-nos com o povo da Panákia por possuir dirigentes tão lúcidos e capazes de conduzi-la ao seu merecido destino.



Dr. Yakobis — Agradeço igualmente as atenções a mim dispensadas e espero que nossas experiências sirvam como exemplo para os experimentadores desse promissor país. Lembrem-se sempre das palavras finais do hino-canção de meu país: “Povo bom não tem memória; sabe mais quem tem poder, quem pode faz a história, não deixa ninguém mais fazer.”



___________________________

Nota: Este texto, redigido no final do período autoritário, ilustra o fato de o Brasil, desde tempos imemoriais, nunca ter experimentado variações relevantes em seu comando: as oligarquias dominantes sempre encontraram um modo de continuar dominando... Com a utilização da urna eletrônica, então, qualquer veleidade de mudanças fica mais problemática ainda.



















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