Pouco tempo depois de falecer a esposa, Sílvia, Honório foi visitar o filho, desejoso de ter uma conversa com a neta. Assim que a pilhou sozinha, trocando a criança, logo introduziu o assunto que o vinha preocupando:
— Lindinha — só ele a chamava assim —, o que é que tanto você conversava ultimamente com sua avó?
— Ela me ajudava a entender todo o processo de crescimento do feto e quais deveriam ser os cuidados para prevenir futuras doenças. Foi ela quem me esclareceu de uma vez por todas que eu devo amamentar até os dois anos de idade.
— Ela não lhe falou nada a respeito da doença que sofria?
— A vó não era de se lastimar.
— Isso eu sei. Só no fim é que a família ficou sabendo da gravidade do câncer. Mas fazia dois anos que ela estava tomando remédios fortíssimos contra a dor, até que, nos últimos seis meses, precisou tomar morfina.
— Eu só fiquei sabendo disso depois que ela morreu. Foi minha mãe quem me disse.
— Eu é que contei a ela. E sobre ter freqüentado um centro espírita, ela lhe disse alguma coisa?
— Ela me dava só bons conselhos. Às vezes, falava que o mundo servia para as pessoas melhorarem o procedimento e me dizia para nunca causar um mal a ninguém. Eu acho que ela tinha medo que eu abortasse ou repudiasse a minha filha.
— Ela nunca me revelou se estava preocupada com você. Eu acho que ela confiava em seu discernimento.
Rosalinda deixou a filha trocada no colo do avô e, sem cerimônias, passou a cuidar dos bicos dos seios descobertos. Honório disfarçou, carregou a bisneta até a janela mostrando as árvores do jardim. Lembrava-se dos seios da falecida, que feneceram com o tempo, enquanto os da neta estavam na plenitude da tumescência materna.
— Vô, me passe a menina. Por que você está me perguntando a respeito de religião?
— Depois que ela morreu é que percebi que vinha lendo uns livros escondida.
— Por que faria isso?
— É que sempre foi muito positiva, achando que nada existia fora da matéria. Se eu soubesse que estava interessada nos espíritos, talvez ficasse envergonhada.
— Bobagem, vô! A vó não ia...
— Eu é que ia estranhar. Acho que ela não queria mudar minha crença católica. Ela sempre foi com muito má vontade à missa. Ia para não ter de me ouvir depois.
— Então, para você, ela está no céu, de braços dados com os anjos.
Ficaram ambos um longo tempo a observar a criança sugando alegremente o leite. Quando Laura Beatriz parou de mamar, adormeceu.
— Você segura a menina até ela arrotar? Eu vou pôr uma fralda no seu ombro.
Honório pegou a netinha com todo o cuidado, sentindo-lhe o peso, achando que estava bastante desenvolvida para os cinco meses de idade. Aí lhe veio à mente uma dúvida antiga:
— Esse nome, Laura Beatriz, como é mesmo a história dele?
— A vó não contou?
— Ela disse que foi o pai quem fez o registro e que você não gostou do nome.
— Eu pedi que ele registrasse com o nome de Beatriz. O parvo, querendo deixar uma lembrança na minha cabeça, colocou o nome dele: Lauro. Daí o Laura Beatriz.
— Pelo menos ele assumiu a paternidade.
— Depois que a mulher largou dele, o tonto achou que podia fazer o que bem entendesse na vida. Agora tem de dar aula manhã, tarde e noite, pra pagar a pensão e sustentar outra mulher.
— Você não está exigindo nada, pelo que seu pai me disse.
— Ele não tem de onde tirar. Depois, a gente não precisa.
— Não precisa mesmo. Agora que parei de comprar remédios e de pagar médicos e hospitais, tem sobrado algum que estou reservando para quando chegar a minha hora. Se você precisar, está às ordens.
— Não vou precisar, não. Está tudo sob controle. Você sabe que o coitado ainda vem ver a filha e toda vez traz alguma coisa pra ela?
— Está agradecido a você.
— Pelo menos não foi mandado embora da escola.
— E se ele quiser voltar?
— Deus me livre! Ele já fez o que tinha de fazer. Fique em paz onde está, que eu vou levando a minha vida com a cabeça tranqüila. Mas você não me disse se está pensando na minha avó lá com os anjos.
— Lindinha, quem está lendo aqueles livros agora sou eu. Lá diz que a gente, depois que morre, vira espírito, ou melhor, o espírito da gente se liberta da matéria e fica na erraticidade, até voltar a se encarnar. Ela não lhe falou nada nesse sentido?
— O que ela me disse é que a minha filha era um espírito antigo que estava voltando para viver na Terra de novo.
— E você acreditou?
— Não acredito nem desacredito. A verdade é que ela me dá muito trabalho. Se não fosse a minha mãe, eu não ia saber como fazer para continuar estudando. Minha mãe é mais mãe do que eu. Mãe duas vezes. Eu sirvo para produzir leite e trocar as fraldas. Na hora de brincar com ela, os outros é que aproveitam.
— Pode deixar que a menina vai ter de passar por uma doencinhas tristes. Eu me lembro quando Rodolfo era bebê e pegou catapora...
— Aí, minha mãe vai pôr toda a responsabilidade em cima de mim. Já estou vendo: “O filho foi você quem quis. Agora cuide dele.”
— Não seja maldosa. Em todo o caso, a sua língua está bem mais comportada. Mas você não acha que, se ela disser isso, estará carregada de razão?
— Até você, vô? Me deixe desabafar um pouco.
— E pensar que meninas bem mais novas estão brincando de boneca com suas crianças. Ao menos você já completou dezoito anos...
— Não me venha com essa. Está querendo dizer que tenho de proceder como uma adulta? Vai passar ainda muita água debaixo da ponte...
— Ninguém está proibido de sonhar. Você, com um novo príncipe encantado...
— Vire essa boca pra lá!...
— ... eu, com o dia em que vou receber uma comunicação de sua avó através de um médium.
— As coisas estão nesse pé? O que o seu confessor diz disso?
— Eu não acho que seja pecado. Quem me diz se Deus não criou o mundo para a gente poder aprender as coisas como elas são e não conforme o que ensinam os padres?
— Vô, me passe a menina, que eu vou colocar no berço.
Ambos saíram do quarto pé ante pé, sem fazer barulho, e logo se congraçaram com os demais membros da família.