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Artigos-->O sonho de Karl Marx -- 29/01/2003 - 11:56 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A primeira vez que li “O Manifesto Comunista” foi em 1993, quando ainda insistia em cursar Ciências Sociais na UFPª. Eu e minha equipe tínhamos que fazer uma resenha do livro. Confesso que o pouco daquilo que consegui compreender dos pressupostos marxistas, pelo fato de ter lido uma única vez, deixou fortes impressões em minha consciência, à época me fazendo entender como a economia, especialmente a posse dos meios de produção e a posterior acumulação da riqueza, determinavam no decurso da História diferenças no modo e qualidade de vida entre as classes sociais, levando-as a viver numa eterna “luta de classes”.



E jamais conclui, como seguidamente têm afirmado os inimigos do comunismo, que naquele pequeno livro estavam as sementes de um fruto que cresceria à medida em que crescessem também as injustiças sociais no mundo: o ódio contra os ricos. Nem que Marx e Engels afirmavam que a revolução do proletariado fosse essencialmente bélica.



Será que me equivoquei nessa análise? Seria possível uma revolução, no sentido em que O Manifesto... prega, sem o concurso das armas e de milhões de mortos?



Mesmo que o pensamento de Marx não fosse exatamente esse, a História dá conta que aqueles que tentaram implantar o comunismo nos países onde a revolução ocorreu lançaram mão das armas e milhões de vidas foram eliminadas.



Será que por terem optado os revolucionários bolcheviques pela imposição do regime à força, culminando na morte dos que a ele se opuseram, pode-se concluir que o comunismo é a raiz do ódio que os seguidores de Karl Marx nutrem contra o capitalismo, e em especial contra os Estados Unidos em nossos dias?



Tais questionamentos se devem ao fato de os defensores do capitalismo, e por tabela dos EUA, afirmarem que o fundamento do ataque terrorista às Torres do WTC e ao Pentágono ser o ódio contra os americanos suscitado e alimentado em nível global por grupos “monopolistas”, meia dúzia de fortunas que atentam contra o liberalismo, os quais financiam a propaganda comunista no mundo. Segundo ainda os apologetas do capitalismo, os EUA são a maior vítima da Nova Ordem Mundial, que nada tem de injusta no sentido da exclusão ou opressão contra os países pobres, senão que, de forma insidiosa, ruma para uma forma de ampliação do conflito entre a liberdade que caracteriza o capitalismo e a barbárie antidemocrática do comunismo.



Como notam os leitores, por essa análise o comportamento dos EUA é totalmente inócuo, ou melhor, imparcial e desinteressado na configuração sócio-política-econômica que toma curso no mundo, e todos os conflitos que a partir dessa Nova Ordem Mundial são gerados nada têm a ver com a ingerência norte-americana nos assuntos dos demais países. A disputa por território entre Israel e a Autoridade Palestina, na qual os EUA apoiam umbilicalmente a Israel, são uma prova incontestável de que alguém anda mentindo, e muito.



Pois bem, essa introdução é para questionar o seguinte: se Karl Marx não tivesse existido, e portanto não tivesse sistematizado a doutrina socialista, o mundo hoje seria diferente? A sociedade estaria menos caracterizada por fossos intransponíveis entre ricos e pobres? Entre nações poderosas que ditam o destino das demais, que nada podem fazer senão obedecer aos ditames impostos pelo poderio econômico e militar das potências mundiais? No caso específico do Brasil, o FMI estabeleceria metas para o Governo Soberano de uma Nação Livre atingir, sob o risco de, em não atingindo, deixar de receber “ajudas” financeiras para o combate à miséria e às desigualdades sociais?



Se Karl Marx não tivesse, sob fortes doses de ilusão, como dizem seus críticos, sugerido a bobagem que a História é um palco no qual, em todo o decurso do tempo, as classes sociais vivem disputando espaço para estabelecer, impor e defender hegemonicamente seus interesses, nenhum outro homem pensaria na impossibilidade de esses conflitos resultarem da existência de miseráveis, num extremo, e de ricos, no outro?



Certamente nada seria diferente na economia mundial de hoje se Karl Marx não tivesse verificado que à época de suas análises havia enormes contradições entre a forma excludente como o sistema produtivo se configurou e os homens cuja vida eram diretamente afetadas por ele. Quer dizer, a despeito de haver quem antes dele já tivesse elaborado teorias sobre como os trabalhadores vendiam sua força de trabalho em troca de salário, mesmo que Marx não houvesse afirmado que esse salário nas mais das vezes era muito inferior ao bem produzido, servindo malmente à compra dos insumos essenciais à existência, ainda assim em pleno século XX as mesmas condições seriam verificadas.



E mesmo a existência de opositores que refutam as teorias de Marx de forma incisiva -- o que pode muito bem se configurar numa luta desigual, visto que à réplica daqueles, fruto de privilegiado estudo das teorias marxistas, o seu autor nada pode responder em tréplica, -- haverá de induzir-nos a concluir que as teorias socialistas prejudicam a configuração moderna da economia do mundo pelas aplicações práticas, ainda que sob os auspícios de supostas conquistas trabalhistas, daquilo que Marx sugeriu em relação à exploração do trabalho pelo capital.



Por quê? Porque a economia mundial, o mercado, forma-se a partir da conjugação de dois simples fatores: o investimento de certo capital em um empreendimento qualquer, visando o lucro, e os meios pelos quais tal empresa terá êxito. Não se pode imaginar que alguém queira socializar o bem estar dos homens a partir de grandes empreendimentos industriais.



Não seria mais fácil e lógico, diante da ilusão de que o bem comum pode ser atingido, lançar-se mão de mirabolantes teorias socialistas ou de práticas decisivas de doação altruísta de roupas, comidas e bebidas aos pobres por partes de quem detém enormes fortunas?



Pois bem, Marx escolheu a teoria. Foi infeliz por não considerar no seu bojo um único fator: a natureza humana. Como assim?



Ora, o homem foi criado com necessidades e condições de prover meios para se sustentar. E cada qual é responsável por sua própria sobrevivência. Ninguém pode ser responsável pelo sustento alheio. E do céu não caem alimentos para homens que nada mais precisam fazer senão abrir a boca e comer até se fartar. A terra só produz alimentos se a semente for lançada, regada e dê frutos. Os peixes estão nos rios e mares, contudo não saltam para as brasas e panelas à medida em que os homens sentem fome. O corpo humano precisa se proteger, contudo as roupas necessárias a essa proteção não se fabricam sozinhas. Os fios precisam ser produzidos e, depois, que as mãos dos homens os entrelacem, fabriquem tecidos e dêem formas à matéria-prima. O homem precisa trabalhar para sobreviver.



Eis aí o ponto fundamental: o trabalho. Em primeiro lugar, precisamos estabelecer o que é o trabalho. Conceituaremos trabalho como todo tipo de esforço levado a cabo para a obtenção de determinado bem. Nem sempre o bem conseguido tinha a forma de salário. A partir de que momento histórico, então, a relação trabalho versus salário se impôs?



Nos tempos adâmicos, Deus estabeleceu que homem retiraria da terra, com o suor do rosto, o necessário à sua sobrevivência. Havia coisas que a natureza ofertava prontas ao homem, como os frutos. O seu único trabalho era esticar os braços, tirá-los de seu cacho e levar à boca. E isso demandava um certo esforço.



A terra e seus frutos não eram propriedades privadas de uns poucos privilegiados. Porém, como logo os homens descobriram que o que pertence a todos no fim acaba não pertencendo a ninguém, as terras, bem como tudo o que nelas havia, foram se constituindo no maior patrimônio de qualquer um que dela se apossasse. Exatamente aí se inicia a relação entre trabalho e salário, empregados e patrões. Na medida em que a terra se reparte, quem não tem uma porção, submete-se ao senhorio de quem tem, uma vez que precisa sobreviver. O homem paga pela sobrevivência trabalhando para os donos da terra: os reis, os imperadores, os senhores feudais. Enquanto os donos da terra viviam, digamos, fruindo a vida sem maiores preocupações, a não ser as corriqueiras artimanhas dos falsos amigos em busca do prestígio oriundo do poder, seus súditos, servos, empregados, trabalhavam para sustentar seus patrões e a si mesmos. Enquanto uns vivam afeitos aos labores do intelecto ou presos à pura vadiagem, outros esgotavam as energias do corpo em busca do pão de cada dia.



A outra questão que se levanta é: por que o trabalho físico, manual, aquele ligado às necessidades mais imediatas e orgânicas do homem, é considerado inferior e indigno em relação ao dos “pensadores” filósofos, dos reis, dos nobres, protótipos dos milionários modernos, homens que se recusam a lavar um prato por julgar que tal fato os humilharia? De onde vem tamanha distinção de valor entre o trabalho físico e o intelectual?



Na antigüidade clássica o labor manual era desprezado, atribuído que era a quem o praticava o caráter de indigno, de menor, não próprio a homens de intelecto superior, que se punham a “trabalhar” apenas no nível das abstrações.



Quais os limites, então, entre o trabalho físico e o intelectual? É possível essa distinção tão exata, sem que um necessariamente dependa do outro, revelando-se duas etapas de um mesmo ato? O agricultor, antes de lançar a semente ao solo, certamente elaborará sua ação de acordo com os conhecimentos prévios sobre as melhores condições em que deve plantar, tipo de solo, profundidade do buraco onde a semente será colocada, distância entre uma e outra, escolha das melhores sementes. Depois, o agricultor saberá como cuidar das tenras plantas que brotarem, protegendo-as do sol, se as características delas assim o exigirem, regando-as com a quantidade certa de água e em tempo regular se a chuva for escassa, como a mãe que sabe exatamente a hora de alimentar o filho. Como o agricultor tem pleno conhecimento dos meandros de uma plantação? Por ter ele, antes de tudo, pensado, refletido, e concluído que esta e não aquela semente, que este e não aquele tipo de solo, que uma porção e não outra maior de água, são a melhor escolha para o sucesso de uma safra. E não se pode afirmar, por falta de base histórica, que os primeiros agricultores tenham se aproveitado de informações comuns a todos a partir de estudos dos filósofos sobre as propriedades dos elementos da natureza.



Os homens se organizaram em sociedade. E nela o trabalho seria, ou deveria ser, já neste começo histórico, fruto da observação da realidade por criaturas que logo tomaram consciência de suas necessidades, expostas duramente nas fragilidades de seu corpo, sujeito às deteriorações inexoráveis se os cuidados para sua proteção, alimentação e sustentação não fossem observados. Por esta consciência comum a cada indivíduo, estabelecer o limite entre a justa luta pela sobrevivência em sociedade e a transformação de sua legitimidade inquestionável em ações egoístas que não admitem o compartilhar, o doar, torna-se impossível sem a honestidade de admitir que o capitalismo é o apogeu, a culminância dessa transformação.



Ora, sociedade deveria pressupor igualdade de aspirações e de oportunidades para as suas respectivas conquistas. E tal igualdade deveria se estabelecer no trabalho. Todos deveriam ter as mesmas condições de prover os meios materiais que prolongam a existência. Todos os homens não são exatamente iguais em suas necessidades? Sejam elas afetivas, psíquicas, espirituais, materiais?



Estou falando de natureza humana. Em que sou diferente de qualquer outro homem em qualquer parte desse imenso globo? Essencialmente em nada!

Talvez tenha sido essa a grande conclusão que encaminhou Karl Marx à construção de sua ideologia socialista.



A utopia da igualdade entre os homens, de um mundo sem injustiças, onde reine a paz entre todos, sem fome e os crimes dela derivados, sempre embalou os sonhos e seduziu algumas consciências. Contraditoriamente, aqueles que orientam suas ações e pensamentos por esse sonho distante, sabem que a esperança da chegada de um mundo com essas características é impossível, porque ele é resultado não apenas do comportamento de homens de bem, mas também daqueles que sentem prazer em tudo o que é deletério, contaminoso à harmonia da vida, da alegria do existir pela ausência de conflitos, frutos do grande mal de todos nós: o egoísmo.



O viver em sociedade deveria servir de fato para que os homens fossem “sócios” na luta pelo fim das injustiças, das desigualdades entre as pessoas, das guerras individuais entre um homem e outro, que se estende às Nações quando os interesses de um povo querem se sobrepor aos de outro. As grandes guerras mundiais nada mais são do que o superdimensionamento dos conflitos pessoais de homens que não abrem mão de seus “direitos”, numa sociedade em que a “tua liberdade termina quando começa a minha”, dentre outros jargões que bem revelam o quanto o viver para si, e tão somente para si, é a principal causa dos flagelos que tornam o cenário social deste mundo uma tormenta aos espíritos sensíveis.



Por que então, mesmo sabendo que o egoísmo humano impede que todos tenham as mesmas condições históricas de se sustentar materialmente, Karl Marx não abriu mão de seu sonho comunista?



Uma resposta simples para um simples pergunta: porque a ninguém é proibido o sonho. Esta sim seria a pior ditadura jamais imposta aos homens em todos os tempos. E finalmente, qual é o seu sonho para esse mundo prestes a entrar numa guerra que seria fatal?

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