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Teses_Monologos-->PROFESSOR X ALUNO (episódios de um conflito) -- 29/06/2001 - 20:20 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Parto da leitura de "Teoria e Prática", do nosso colega J. B. Xavier. Ao relembrar uma das tiradas famosas do economista e professor Delfim Netto, me veio à memória uma outra, também bastante engenhosa, por ocasião de uma aula inaugural do Curso de Economia da UNESP, Araraquara. Era o ano de 1999.

Terminada a palestra, abriu-se o microfone para as perguntas da platéia. E veio aquela que todos sabíamos inevitável, sobre o envolvimento do palestrante com a ditadura militar e com políticos como Paulo Salim Maluf. E ela foi levantada por um aluno de do Curso de Ciências Sociais. E ele falava em nome de um grupo ruidoso, a ocupar, com suas faixas e cartazes, as laterais e o fundo do anfiteatro, e a interromper constantemente a fala do professor-palestrante.

Os dizeres, é claro, atualizavam, na memória dos presentes (boa parte, é preciso que se diga, mesmo entre os manifestantes, donos tão-somente de uma vaga lembrança) os "maus" papéis políticos por ele já representados, e as graves conseqüências de seus atos para a situação brasileira que vivemos.

Na mesma direção ía a pergunta do aluno, evidentemente preocupado em demonstrar seu conhecimento dos fatos, mas sobretudo sua coragem em desafiar em público aquele "figuraça" ali à frente. Digamos que ela tivesse também a intenção de provocar o debate político, puxando o palestrante para longe um pouco do papel de professor de economia que ele ali viera representar.

Antes de passar à resposta, onde trataria de organizar e esclarecer os dados daquela tentativa de desafio - mal costurada, diga-se, pela ousadia do aluno -, Delfim Netto fez o seguinte preâmbulo: "A sua pergunta só faz reforçar a verdade incontestável de que, no Brasil de hoje, a ignorância é mesmo ampla, geral e irrestrita."

[Não seria preciso dizer que o grupo representado pelo aluno prorrompeu em vaias sonoras, dando, na verdade, seqüência ao alarido que já vinha promovendo ao longo de toda a fala do convidado. Digamos que o ousado perguntador nem tenha tido tempo de entender muito bem o alcance da afirmação, pois já se deslocava para um outro ponto do anfiteatro, onde pensava dividir com os fogosos correligionários o grande feito que perpetrara.]

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Já no ano de 2000, a aula inaugural foi proferida pelo lider do MST João Pedro Stedille, cuja presença no campus serviu para acirrar ainda mais as divisões existentes dentro do Curso de Economia. Dos professores, só três deram o ar de sua desgraça. Dois deles, coincidentemente tomaram lugar à mesa, juntamente com o diretor e o palestrante. O outro, perdido em meio à enorme platéia, só fazia demonstrar o seu desagrado, a cada afirmação do convidado, a quem se negava tanto o status de economista como o de professor, com autoridade para assumir tal papel numa solenidade desse porte.

Assim como a maioria dos professores não se fez presente, grande parte dos alunos houve por bem igualmente se fazer ausente, ficando o anfiteatro entregue a uma espécie de culto, com a presença avassaladora dos alunos do Curso de Ciências Sociais e dos alunos de Economia simpatizantes das causas populares e democráticas, coincidentemente liderados pelos dois professores à mesa. E eu ali, perdido em meio ao consenso, a dividir com mais alguns gatos pingados a incômoda situação de quem só veio ouvir uma aula inaugural.

E o palestrante quebrou a unanimidade que ali se manifestava em torno ao seu nome e às coisas que se esperava que dissesse. Contrariamente à pergunta que lhe dirigiram, com a intenção visível de levá-lo a posicionar-se pela luta armada, declarou serem a leitura e a escrita armas poderosas, mais até do que as armas de fogo. Lamentou que as pessoas, os estudantes em especial, leiam tão pouco, continuem a querer lutar sem o domínio dos seus instrumentos, do aparato necessário.

[A princípio, um silêncio cheio de desconforto. Depois, alguns aplausos esparsos, porém desenxabidos. Ficou a impressão de que ninguém sabia mais de que lado estaria em relação àquela fala absolutamente inesperada.]

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Na Folha de São Paulo, por ocasião da morte do geógrafo Milton Santos, a colunista Marilene Felinto relembrou uma das palestras que ela o vira proferir na USP. Na ocasião, um ativista negro o desafiara, à guisa de pergunta, a tomar posição sobre a situação de desigualdade vivida pelo negro na sociedade brasileira. O geógrafo respondeu, conforme ela nos relata, que o negro brasileiro deveria seguir trabalhando, estudando e se esforçando por superar suas limitações e sua condição social, sem dúvida amplamente desfavorável. Esse seria o único caminho. Acrescentou nunca ter aprovado um certo comportamento que só faz lamentar e reiterar a existência do problema, como se ele só existisse fora do próprio negro, como se também não dependesse do próprio negro fazer com que ele fosse superado.

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Num curso de Letras como este em que leciono, no qual as línguas estrangeiras acabam assumindo, indevidamente, o centro de todos os esforços, é comum o aluno querer saber, no primeiro dia de aula, se, em quatro anos, vai sair falando este ou aquele idioma estrangeiro. E a resposta que inventei para o professor-personagem de um conto que a situação me levou a escrever (cf. "Mais uma do Sr. Keuner"): "Depende do que você tem a dizer."

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Termino este apanhado de relatos sobre a relação professor-aluno, com um breve poema. O mais breve de todos os que o poeta alemão Bertolt Brecht nos legou. Pois esse poema me vem constantemente à memória quando estou em sala de aula, mas, em especial, ao constatar que já vai se tornando uma triste rotina universitária a lamentação pelas precárias condições de ensino e de aprendizagem, com professores e alunos a lançarem, uns sobre os outros, as culpas pelas vicissitudes que, na verdade, deveríamos começar a enfrentar juntos, e com urgência:

"Tive maus professores.
Foi uma boa escola."
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