PALAVRAS ! ...
José Eurípedes de Oliveira Ramos
No silêncio dos pensamentos, apagado para o mundo, meditava sobre a sonoridade das palavras. Algumas têm musicalidade deleitável. Deleitável é dose. Macias, envolventes, despertam sentimentos e emoções agradáveis; levam ao devaneio. Outras agridem, chocam, incomodam. O gerúndio incomoda. A linguagem coloquial, económica, simplista, carrega-o para o papel sem que se perceba.
Certas palavras têm significado evidente; outras são incompreensíveis. Estalo é estalo mesmo, por exemplo. A pronúncia linguodental reproduz o som do estalo. É uma palavra onomatopéica. Onomatopéica é um desaforo. Feia!...
Luar e mar estão entre as que aprecio, pela sonoridade e pelo que evocam. Luar é uma das preferidas de Sónia Machiavelli Corrêa Neves, dileta amiga que com seu iluminado talento escreveu adorável crónica no "Comércio da Franca".
Para mim, luar tem a graça gratuita dos sonhos. Lembra as leves e romànticas serenatas da mocidade. Pelas ruas da Franca, aninhadas nas colinas cintadas pelos ribeirões dos Bagres e do Cubatão, noites e noites vivi seresteiro, banhado pela derramada luz do luar, sob janelas apagadas de meninas da cidade. No silêncio da madrugada, o sopro da brisa levava longe o trinar do violão, ecoando nas casas adormecidas. Iniciava solitário e, com a chegada dos amigos da noite, um a um, a pouco e pouco um cortejo se formava, em passos perdidos pelas ruas vazias. E o mundo lá fora, esquecido e quieto, parecia escutar as notas que soavam nostálgicas, romànticas, alegres...
Mar é palavra bonita. Gostosa de ouvir. Nada de "fúria dos escarcéus", de "pélago profundo". Bobagem! Mar é movimento, vida, bater incessante de ondas a cachoeirar, tombando para o descanso da praia. Perenidade! É onda mole, lenta, preguiçosa. É marulhar refrescante, quase silencioso. É visão serena da vida. É estar diante da imensidão e ao mesmo tempo sentir-se pequenino fruto da criação. É embeber-se de e na natureza... Soltar a alma e o corpo para o balanço que vai e vem. Aceitar a dormência envolvente e o ir e vir, o morrer e renascer das ondas, como a vida mesma é.
Mar é imagem do infinito; horizonte que não se acaba; céu de claridades sem fim; de pontinhos de luz a faiscarem no painel, no fascinante painel noturno. É areia macia, andar descalço. É o frescor de brisa correndo o corpo. É água que ilumina e enche os olhos e a alma; é imergir no silêncio universal; fundir-se em mergulho profundo na fonte da vida. É despir-se, lá adiante, bem longe de terra à vista, das asperezas do mundo. Mar, marear, marulhar, nadar, boiar, mergulhar, remar, pescar, marujar... Marujar é esquisita. Parece coisa errada.
Mar é enorme e feliz vagabundagem.
Ah, se eu fosse poeta!
Mas, é hora de encurtar esse destropelo.
Destropelo!?
Amanhã, bem cedinho, vou comprar o Houaiss.
José Eurípedes de Oliveira Ramos
Da Academia Francana de Letras
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