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Contos-->Pecado -- 24/03/2000 - 23:12 (Pedro Wilson Carrano Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PECADO

E lá ia Henrique, leve como uma andorinha, pelas ruas de sua tranqüila cidadezinha. Caminhava entre casas que se perdiam nos arvoredos dos quintais.
Persignou-se quando chegou à igreja, situada na parte mais alta de Paraíso. O menino entrou no templo pisando sobre ovos. O silêncio era total. Os bancos eram compridos. Sentou-se em um deles.
Ao olhar para cima, viu no teto alguns pontos negros. Eram os morcegos, hóspedes perpétuos da torre da igreja.
Arrastou um banco ao ajoelhar-se para rezar. O pequeno ruído provocado pelo incidente tornou-se enorme dentro do silêncio reinante. Foi quando o Padre Hildebrando apareceu, procurando ver quem era o intruso. Reconheceu no garoto o sossegado e sonhador filho do Sr. Antônio, o prefeito municipal.
Henrique levantou-se e dirigiu-se até o padre - um alemão alto, de olhos azuis e cabelos amarelos -, sussurrando:
- A benção, seu padre.
- Deus o abençoe, meu filho. O que você quer?
- Vim confessar para a missa de amanhã... A das oito horas.
- Está bem.
O menino dirigiu-se ao confessionário ao lado do padre. Enquanto o sacerdote penetrava no cubículo de madeira, atravessando a cortina preta que cobria a sua porta, Henrique ajoelhou-se do lado de fora, levantando a cabeça até uns buraquinhos por onde deveria passar a voz do pecador.
- Há quanto tempo você não confessa? - perguntou o padre.
O jovenzinho achou um pouco sem sentido a pergunta, uma vez que ele tinha confessado no domingo último. O sacerdote deveria saber disso.
- Há seis dias, seu padre.
- Quais os seus pecados, meu filho?
Henrique já tinha pensado nisso, procurando decorar o que iria dizer na ocasião. Ele não podia esquecer um só de seus pecados para não ser queimado pelo fogo do inferno. O "Confessai-vos Bem", do Padre Chiavarino, citava vários castigos a que se sujeitavam os pecadores que se confessassem mal. A leitura do livro havia impressionado o garoto.
- Desobedeci meus pais, dei um chute na empregada, briguei com meus irmãos, peguei mentiras, apanhei umas moedas na gaveta do papai, impliquei com a Dona Rolinha, disse nome feio e...
- E...?
- Dei um beijo na boca de uma menina.
O padre era famoso por seu semblante sempre carregado. Ninguém havia visto o alemão de bom humor. Entretanto, o sem jeito do guri ao mencionar o ocorrido fez o padre sorrir.
- É só?
- Sim, senhor.
- Então reze o Ato de Contrição.
- Senhor meu Jesus Cristo, que morreu na Cruz para me salvar, tenha dó de mim, não quero mais pecar.
Perdoando os pecados, Padre Hildebrando recomendou, como penitência, três Padres Nossos e seis Ave-Marias.
Henrique cumpriu suas obrigações e saiu da igreja, descendo, de dois em dois degraus, a longa escadaria que dava acesso ao templo.
Resolveu dar uma volta antes de ir para casa. Eram quatro horas da tarde e o jantar só seria servido às seis.
Vez ou outra chegavam à sua cabeça os abraços e beijos de Cecília, iguais àqueles que tinha visto no pequeno e único cinema da cidade. E esses pensamentos perturbavam a sua paz.
Talvez ele devesse confessar-se na hora da missa. Era muito difícil ficar sem pecado até o dia seguinte. E os beijos de Cecília, dados no interior do velho Ford 1929 de seu pai, vinham outra vez à sua memória. Seria obra do demônio?
Resolveu continuar sua caminhada, olhando para tudo o que encontrava para desviar a atenção de seus pensamentos pecaminosos.
As ruas por onde andava não eram calçadas. Muitas eram ladeadas por casas velhas, muros carcomidos, arame farpado ou cerca de bambu, por onde subiam pés de chuchu, buchas ou melões de são caetano, cujo interior era vermelho... Como os lábios de Cecília.
De soslaio, dirigiu os olhos para um quintal em que apareciam cachos de banana, jambeiros carregados de frutas e pés de milho verde. Resolveu catar palha de milho para fazer uma peteca. Arranjando, depois, umas penas de galinhas, ele teria as matérias-primas necessárias à fabricação do divertido brinquedo.
Aproximou-se de sua casa, alta e espaçosa, cujo acesso se dava por meio de duas calçadas: uma mais alta e outra quase ao nível da rua. Chegou à primeira através de uma escada, entrando, correndo, pela porta da frente.
Atravessou o longo corredor sobre o assoalho de largas tábuas, fazendo reboar os ruídos de seus passos, e chegou ao quintal, onde se espalhavam galos, galinhas, frangos e pintainhos, convivendo, tranqüilamente, com patos, gatos e o Príncipe, um pequeno cão branco e peludo que adorava uma confusão.
Catou algumas penas, todas castanhas..., como os olhos de Cecília, e tentou desviar novamente seus pensamentos para outra coisa qualquer. Não conseguiu.
Resolveu então entregar os pontos, sentando-se ao pé de uma mangueira. Podia confessar novamente no dia seguinte. E ficou gostosamente a pensar nos abraços, nas carícias e nos lábios doces da amiguinha. Não imaginara antes que um beijo fosse tão bom. Melhor mesmo que sorvete de coco.



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