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Cronicas-->PROJEÇÕES -- 04/09/2006 - 17:47 (Délcio Vieira Salomon) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PROJEÇÕES

Délcio Vieira Salomon


O tempo passa - dizemos com frequência, mas na realidade quem passa somos nós. O tempo é eterno. Aliás, há duas espécies de tempo e ambas desembocam na eternidade: o tempo sem começo, nem fim e o tempo com começo e sem fim. Nesta segunda espécie todos nos encaixamos, porque nossa vã filosofia não quer admitir senão a eternidade de nós mesmos.

O tempo com começo e que termina, portanto o tempo que passa, é pura ilusão de nosso egoísmo.

O tempo é processo e como tal tem sempre um antes e um depois e entre os dois se move. Em síntese: o tempo é esse eterno movimento entre um antes e um depois, como já dizia o velho Tomás de Aquino. Um eterno presente entre dois inexistentes: o passado que já não é, uma vez que continua no presente e o futuro que ainda não é e, por isso, se situa também no presente como projeto, esperança e expectativa.

Querer reservar para nós fração desse processo e imaginar que essa fração teve início e terá fim é pura projeção de nossa própria limitação. Esta sim tem início, meio e fim. Impotente para alcançar a eternidade, passa e não volta mais.

*

Mais vale um pássaro na mão que dois voando - reza o aforismo popular. De fato preferimos os dois na mão e invejamos quem os tem.

Os italianos dizem: il mondo é di chi se lo piglia (o mundo é de quem o arrebata primeiro). Os que sempre querem levar vantagem proclamam aos quatro ventos: o mundo é dos espertos.
No fundo, ninguém está contente com o que tem, inveja a sorte alheia. O poeta latino já o declarara : "nemo contentus sortis suae" (ninguém está satisfeito com sua sorte). Não sem razão, Malpique define o ser humano como anfíbio. De dupla vida: a que vive realmente, mas sempre invejando a outra, em que poderia estar, mas nunca está.

Daí projetarmos nossa insatisfação na condenação da mediocridade que contenta com o pouco e na exaltação do aventureiro que sabe ousar.

*

Água mole em pedra dura tanto dá até que fura - mal observador da realidade é o inventor deste dito.

O que todos observamos é: água que bate em pedra dura, sempre espirra. Por mais que insista em desafiar a pedra.

A verdade oculta cinicamente na frase é bem outra: não suportamos a demora, a longa espera. O que queremos é resolver tudo o mais rápido possível e reprovamos os pacientes, os estóicos que não se incomodam com o tempo que perdem em aguardar.

Neste mecanismo de projeção identificamo-nos inconscientemente com a água e não com a pedra. Para não nos projetarmos na pedra dura, preferimos a água mole.

*

A quem cedo madruga, Deus ajuda - não seria o caso de perguntar a quem inventou este dito popular, que prova testemunhal ou fática teria ele de que Deus prometeu ajuda ao madrugador?

E quem trabalha no turno da noite, acaso já está de antemão excluído?

E este autor, por ser tão religioso, pois logo lembrou de Deus para elogiar o trabalho matutino, acaso se esqueceu, naquele momento, de seu livro sagrado e predileto, o Evangelho? Não está lá escrito: - "os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz"? (Jo:12,36)

Mas, de certo modo, tem razão. Justo por ser religioso. Notadamente religioso pregador. Faz parte da pastoral. Pregar a resignação para os outros. Assim andam torcendo as frases da Bíblia para continuarem exercendo liderança sobre os pobres, os humildes, os miseráveis. Não vivem repetindo, pouco se lhes importando o contexto: "Pobres, sempre os tereis entre vós"? "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus"?

Enquanto a grande massa passiva aceita a pobreza, o sacrifício, a fome, os pastores se enriquecem. Enquanto essa massa conformada se multiplica e constitui nações, outros povos, por acreditarem em mensagens bíblicas opostas, acumulam riquezas e constituem impérios.

Está aí o exemplo dos países ricos do Norte. Ao contrário dos paises do Sul, como o Brasil. Estes aprenderam dos catequistas, jesuítas e franciscanos, que o trabalho foi imposto por Deus como castigo, para purgarmos os pecados, incluindo o original. Os do Norte, civilizados por protestantes, acreditam na força do trabalho e na locupletação. E encontram nas Escrituras Sagradas fundamento e apoio para assim continuarem pensando e agindo. Não aceitam jamais que o "comerás o pão com o suor do teu rosto" seja libelo de condenação. Antes, pelo contrário, o código do sucesso é a exaltação do trabalho, fonte de tudo, da alimentação à riqueza.

*
Lugar ao sol - mentira; entre sol e sombra, todos preferem a sombra.
Importa não fazermos do sol nosso referencial de projeção, pois corremos o risco de ficarmos cegos. Ainda que estejamos à sombra da boa vida, a reclamar da luz exterior ou do excesso de frescura interior.

*

O sol nasceu para todos e a sombra para quem merece - outra deslavada mentira.

Ninguém suporta pensar que há merecedores de sombra em detrimento da maioria a se queimar, sob o sol causticante.

No fundo, achamos que todos nascemos iguais, com os mesmos direitos ao sol e à sombra, ou seja, aos mesmos postos da vida.

Tanto assim que a Declaração de Independência dos Estados Unidos, fundamento dos ordenamentos da democracia moderna, já estabelecia: "Todos os homens são nascidos iguais". Declaração encampada pela ONU e por todas as Constituições democráticas.

Mas dizer que "todos somos iguais" passou a ser outro lugar comum da escrita e do discurso, apesar da hipocrisia nele contida. Uma projeção ao contrário. Espécie de racionalização invertida. No fundo, temos consciência da desigualdade entre os homens. Basta observarmos em nosso redor, para constatarmos que os homens não são iguais.

Aliás, ONU e Constituições ditas democráticas encamparam o princípio da igualdade entre os homens, em termos. Pois acrescentaram a ressalva: "perante a lei". E como lei só existe quando sancionada, regulamentada e interpretada, até hoje estamos aguardando a sanção, a regulamentação e a interpretação que nunca vieram.

O dia que esta fantástica epifania acontecer, então sim poderemos dizer com toda a liberdade e todos com a mesma igualdade da convicção igualmente distribuída na face da Terra: - somos todos iguais, porque somos todos livres e somos todos livres, porque somos todos iguais.

Até o pai da democracia americana, Thomas Jefferson, chegou a escrever: "Há uma aristocracia natural entre os homens. Os fundamentos desta são a virtude e o talento. Considero a aristocracia natural como a dádiva mais preciosa da natureza".

Outro responsável pela democracia americana, John Adams, também comungava das mesmas idéias, a ponto de indagar ironicamente em um de seus discursos:

Mas o que entendemos nós aqui por igualdade? São os cidadãos todos da mesma idade, sexo, peso, força, estatura, atividade, coragem, firmeza, assiduidade, paciência, ingenuidade, riqueza, conhecimento, fama, habilidade, temperança, constància e sabedoria? Houve ou haverá uma nação, cujos indivíduos foram ou serão todos iguais em qualidades naturais e adquiridas, em virtudes, talentos e riquezas? A resposta de toda a humanidade haverá de ser sempre negativa".

*

Assim dezenas de aforismos, provérbios, frases de efeito a fazer história e engrossar o volume do imenso banco de dados da tradição e do folclore, poderiam ser lembrados.

Com pouco esforço analítico verificaríamos que não passam do resultado do uso do mecanismo de projeção.

Tenho para mim que, depois de Freud e Marx, o mundo deixou de ser o que era. Não é mais o mesmo.

Por isso há necessidade de um grande projeto ao mesmo tempo psicanalítico, sociológico e filosófico, que todos os admiradores de Freud e/ou Marx, deveriam construir: rever para desmascarar toda a "falsa sabedoria" contida nos dogmas, nos provérbios, nos aforismos, nas sentenças de toda ordem.

Projeções da falsidade que existe no àmago de todos nós e só a revelamos em forma da verdade aparente na tela que a humanidade tem erguido sobre a face desta terra devastada por tanta hipocrisia.

Daí a convicção a fundamentar minha grande esperança, assim traduzida: sobre esta desértica esfera denominada Terra, um dia existiu Freud, um dos maiores gênios de toda a humanidade para desvendar nossos segredos embutidos atrás de montanhas de cinismo. E junto com ele, seu contemporàneo e patrício, o grande, o velho e o jovem Marx, que apontou a impostura dos ricos que exploram os pobres. Tal qual fizera mais um patrício dos dois, dois mil anos antes: Jesus Cristo.

Sei que a coisa é complicada. Inclusive, ao recorrer a Freud para justificar minha reflexão, devo estar me projetando, pois ninguém recorre ao argumento de autoridade, a não ser para justificar as próprias falhas e carências que julga estar nos outros.

Citação é feita justamente para mostrar que a conhecemos e aos outros que eles ainda a ignoram.

Apesar da utopia que este propósito encerra, continuarei assim a pensar. Tenho consciência de que não estou pensando muito diferente de Nietzsche. E isso é um bruto dum consolo.





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