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Contos-->A inspiração natalina -- 03/04/2010 - 13:57 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A inspiração natalina

Por Fabrício Sousa Costa


Uma folhinha colorida repleta de imagens atraentes. Cada imagem representa uma maneira de sedução. Mas, Sulene não sabia bem que sensação desfrutava. Quantos produtos eram desejados. Não apenas por todos. Ela mesma desejava obter uma par de produtos. Talvez não concordasse com a única frase que verdadeiramente lhe chamou atenção. “Venha abraçar o natal mais feliz de sua vida!”. Foi como uma paralisia cerebral. Não conseguiria pensar em mais nada. A palavra feliz paraelalisou até o canto mais opaco da alma atribulada com questões existenciais. Procurou um assento na Praça do Relógio. “Que lugar maravilhoso para se pensar!”, refletiu admirada pela mudança que a praça sofrera. Foi a única possibilidade de desvio de pensamento. Posso, na qualidade de narrador, relatar que talvez Sulene quisesse mesmo era desviar a questão por alguns instantes. Pouco. Claro! Para uma mente existencial era muito pouco. A palavra felicidade atrelada ao consumo. Justamente na época do natal. “Qual seria mesmo a procedência etimológica dessa palavra?” Natal ligado a Cristo, grande nome da maior corrente religiosa do Ocidente. Data convencionalmente instituída para se comemorar o nascimento do Deus-Filho, segunda pessoa da Trindade, do cristianismo. A prática de presente foi um ritual adotado pelos Reis Magos ao nascimento de Cristo. “Será que os presentes doados a Cristo foram a consecução da felicidade dele?”, pensou por alguns curtos minutos. “Tenho certeza de que, quando recebo presente, fico contente”. Mas, se realmente era Deus, por que tanta dependência por algo externo a Ele? Depederia ele de algo material para a busca da satisfação? Mesmo na condição de Deus? Ora, se Deus dependesse de algo material... não seria Deus. Quem proporcionou sua satisfação passaria a exercer superioridade absoluta”, filosofou acerca da causa primeira. O que seria a vida sem o exercício da capacidade humana de raciocinar?

Sulene achou por bem buscar um contato mais próximo da causa da felicidade, ou melhor, o local onde se encontrava. Rumou ao Taguatinga Shopping. Quedou-se bestificada com a maravilhosa decoração do prédio. “Quantas cores, quantas luzes, quantas pessoas!” A admiração tomou de conta de sua existência por alguns longos minutos. Estava quase tentada a reconhecer que aquele lugar era simplesmente o local da felicidade. Por outro lado, pensava, a felicidade vista dessa maneira seria muito tênue. Então, Sulene buscou mais lenha para sua reflexão fogosa: “o que é felicidade? Será que é algo de fundamental importância para a existência?” Observou bastante atenta às vitrines das lojas do centro comercial. Veio de súbito um pensamento à sua mente. Intensidade. Foi tanta que não conteve a necessidade de vomitá-la: “Vejam quantas coisas o homem precisa para viver!” A afirmativa veio à mente como um Martelo. Pronto a desconstruir todo o senso comum que a envolveu desde o momento em que ela entrou naquele Santuário. “Meu deus!” Santo mesmo eram os seres antropomórficos. O pensamento moderno não foi complacente com figura teomórfica. O ser humano agora é Deus. O verdadeiro Deus consegue produzir sua felicidade. Tudo o que estava à frente de Sulene fora produzido pelo homem. Toda felicidade humana fora produzida pelo próprio homem. E o velho deus tradicional? Pobre ignomia impotente. Depende daquilo que afirmara ser sua criatura. Não passa de uma farsa. O D(d)eus tradicional morreu. Não existe mais. Sulene angustiada saiu correndo à procura de D(d)eus. ”Procuro Deus! Procuro Deus!” Mas como naquele ambiente estavam reunidos justamente muitos daqueles que não acreditavam em Deus, provocou um grande riso. Será que se perdeu? Dizia um. Perdeu-se como uma criança? Dizia outro. Ou está escondido? Tem medo de nós? Embarcou? Emigrou? – Assim gritavam e riam uns para os outros. Suelene saltou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. “Para onde foi Deus?”, exclamou, “Vou dizer-vos! Matamo-lo – vós e eu! Todos nós somos seus assassinos! Mas como fizemos isto? Como conseguimos esvaziar o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte inteiro? Que fizemos quando desligamos esta Terra de seu Sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Longe de todos os sóis? Não caímos constantemente? Não ouvimos ainda nada do barulho dos coveiros que sepultam deus? Não cheiramos nada da decomposição divina? – também os deuses se decompõem! Deus morreu! Deus permanece morto! E nós matamo-lo! Como nos consolamos, os assassinos de todos os assassinos? Aquilo que de mais sagrado e mais poderoso o mundo até agora possuía sangrou sob nossos punhais – quem nos limpa deste sangue? Com que água nos poderíamos purificar? Que festas expiatórias, que jogos sagrados teremos de inventar? Não é a grandeza deste ato demasiado grande para nós? Não teremos nós mesmos de nos tornar deuses, para apenas aparecermos como dignos dele?” Esta última questão a paralisava novamente. “Nós Deuses!”

Com a morte de Deus, Sulene poderia deixar de se preocupar com as cobranças da religião. Pecado. Teria de se acostumar a viver sem a idéia do pecado. Diante de qualquer manifestação de impotência frente ao mundo, ela clamava por Deus. Agora ela mesma teria de exercer a função de Deus. Sulene era então como Deus. A certeza que tinha, naquele momento, foi que as igrejas representavam o túmulo e o mausoléu de Deus. Definitivamente sepultado. “Ora, pensou ela, não podem mais usá-Lo para dominar as pessoas, para desautorizar os seres a buscarem a inteligência. O povo agora passaria a andar armado. A reflexão. Poderia refletir sem sentir-se culpada de mais nada. Sentia-se um Super-Homem. Além do homem. O ser liberto de qualquer superstição de ordem metafísica. O ser assumindo as funções divinas. Iniciou a caminhada à vontade de potência. Conseqüência da morte de Deus. As concepções morais criadas pela hegemonia tradicional desmoronaram. Niilisticamente restou um grande vazio causado por uma bomba atômica lançada sobre a moral tradicional. Ativo. O sujeito tem de ser ativo a fim de criar outro tipo de moral. Não resgatar a mesma moral opressora; algo afirmado no bom senso universal. Ativo, não reativo. Agora é preciso superar a si mesmo. Resgatar a potência internalizada. Superar a si mesmo. Livrar-se dos preceitos estabelecidos pelo bem e pelo mal.

Entretanto, Sulene notou que o ser não conseguiu inserir-se no lugar de Deus. Dentro daquele santuário. Observou. Refletiu. Constatou que realmente o super-homem nunca existiu após a morte de Deus. Voltou a olhar profundamente o panfleto que possuía em mãos. Um pensamento cronologicamente ordenado apoderou-se como um Eterno Retorno de Si próprio. Felicidade. Uma única palavra capaz de ajudá-la a transcender-se a si mesma. Um senhor a atrapalhou com um esbarrão. Perdeu-se em seus pensamentos. Agora associava o senhor à metafísica tradicional que insistia em deixá-la inerte. Entretanto, A Vontade de Poder surgiu como a maior de suas forças para resgatar a linha de pensamento perdida. “Felicidade...”, voltara a tempo. O ser inanimado surgiu à luz. Pôde visualizar o poder sem vontade exercido pelo consumo. “Quantas pessoas neste lugar. Submetidas à procura daquilo que não é essencial para a existência. Tampouco para aquisição de uma posição de vontade.” Mudança na raiz etimológica da palavra “natal”. Não poderia ser nascimento; teria de ser morte. A celebração da morte de Deus. Ou melhor, poder-se-ia realmente relacioná-la ao nascimento, porém não o de Deus. Nascimento do substituto de Deus. A morte de Deus não deveria simbolizar o fim da felicidade humana. Algo teria de assumir seu divino lugar. “Talvez por isso se possa perceber a felicidade na expressão facial das pessoas presentes aqui. Realmente este cartaz de propaganda não estava mentindo. Exerce a finalidade de divulgar a felicidade. A substituta de Deus. Sujeito ativo o homem não pôde ser. Talvez ainda possa. Se houvesse um Eterno Retorno da Vontade de Poder, o ser poderia acordar a tempo. A posição ativa da existência. O destronamento do inanimado. Como Nietzsche poderia acreditar em um Deus, se os próprios crentes O mataram. Paradoxalmente complexo para Sulene. Tudo aquilo a havia deixado estressada. Desejava apenas a oportunidade de transfigurar-se. Relaxar. Quiçá um banho seria o início do despojamento do ser para o surgimento do além-homem?

Após o banho, Sulene procurou a Marilene Chauí em sua estante. Fazia questão de não deixar para depois aquele debate. Não havia tempo naquela noite. O tempo estaria na contra-mão da Vontade de Poder. Leu Marilena livre de qualquer obrigação. Apoderou-se da vontade de conhecer. Filosofia. Sua fonte de exercício. Bebeu bastante. Saciou a sede até cometer um assassínio da dúvida. A sensibilidade filosófica apoderou-se de sua existência. Sulene obteve a certeza de que a filosofia exerce um poder transformador. Não apenas especulativo. Fortaleceu-se dessa convicção e ligou a tv. Refletiu que a felicidade adquirida nos centros comerciais não estaria ao alcance de todos. Sobretudo os miseráveis existentes neste mundo. “Qual a finalidade de minha existência diante de tanta guerra, fome, injustiça? Qual meu verdadeiro valor no mundo?” Foi-se apoderada da idéia de que existir é escutar a voz da consciência que nos clama a viver uma vida autêntica. A diferença é autenticidade. Conhecer o que se encontra velado. Desvelá-lo. Fazê-lo conhecido pelos outros. Sofreria a incompreensão dos semelhantes. Conforme Platão narrou em seu extraordinário Mito da Caverna. “Poderia morrer espancado pela hipocrisia dos meus semelhantes”. Renato Russo morreu com tal tentativa: “Já não me preocupo se eu não sei porquê/Às vezes o que vejo quase ninguém vê/eu sei que você sabe/quase sem querer/que vejo o mesmo que você”. “Não pude compreender o porquê da felicidade está contida em inúmeras coisas. O homem não necessita daquilo para sobreviver”, cedeu sua voz a Sócrates. Talvez a verdadeira felicidade esteja realmente dentre de si.
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