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Contos-->Um caso adolescente -- 03/04/2010 - 13:51 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Um caso adolescente
Por Fabrício Sousa Costa


A garota mais formosa da escola. Quase unânime era a visão do contista. Todos lhe transmitiam admiração. O rosto era angelical. O rosto da Angélica. Trazia consigo uma expressão facial própria de um ser ingênuo, sem maldade. Não sabia que a maldade a encontraria. A ingenuidade não perceberia a maldade. A vida reservara-lhe uma maldade nada ingênua. Nunca imaginaria como aquela adolescente de cristal teria a vida marcada para sempre. O pior não era ter a vida marcada, era ter a alma marcada, como diria Freud. Adolescente. Necessidade de auto-afirmação. Questionar o mundo. Questionar os país. Aprender a se questionar ainda não era tempo. Por isso, não suportaria a repressão em casa. O que é repressão?, perguntou seu coração. A resposta somente viria anos depois. De muito sofrimento. Apenas no momento em que o paraíso virasse o inferno. A Angélica mais angélica da escola. Garotos embarcavam no mundo de D. Quixote por causa dela. Ela também. Por causa da imaturidade. Adolescência!!! A independência forçada. Mas não conseguia abrir a casca. Ela simplesmente não enxergava o ovo do qual era revestida. Tampouco ouvia a voz do mundo das idéias. Neoplatonismo mudo-surdo. Nenhum dos Don Quixotes interessavam-lhe. Angélica gostava mesmo era do Sancho Pança. Amigo idiota do cavaleiro sonhador. “Não faça isso Angélica”, o contista tentava interferir a fim de alterar o triste final desta história. Paixão é doença? Angélica estava doente das vistas e da audição. Deus chorava impotente em Seu trono de algodão, entretanto nada poderia fazer por ela. “Meu maior erro foi ter concedido liberdade para o ser humano. Agora ela terá de assumir as conseqüências. Todos têm consciência e, por isso, são responsáveis por aquilo que fazem”, desabafa Deus em forma de tempestade.

Adolescência é um tempo de aprendizagem. Algumas sem conseqüência, outras marcas conseqüentemente doloridas. Angélica teria As veias abertas. Não para a América Latina. Para a amargura do futuro. E um grande urro de dor. “Para que sofrer antes?”, pergunta o contista. Nada. Deixe a história correr naturalmente. Angélica caminhando pela rua. A caminhada preenchia a alma de uma forma tão simplória quanto mágica. Momento de se orgulhar com as cantadas dos garotos. De sorrir dos acontecimentos da escola. Do ator favorito. “Aquele cantor é lindo”. Suspirar por bonitões. Chatear-se com coisas importantes. Alegrar-se com futilidades. O coração de Angélica não distinguia o útil do fútil. A vida era uma confusão para os olhos maduros. A caminhada. Flutuava pela rua na proporção em que se fazia a rainha dela. A rua. É e será sua companheira. Diante de muitos, é filtrada por Um joão. Resistir faz parte do jogo. Mas o que está valendo neste jogo é a vida inteirinha. Pode ser um ato que implicará sofrimento por décadas. “Mesmo na ausência de um mal se sofre”, desabafa Deus em prantos. Um joão e Angélica. O apaixonado casal iniciava ali uma curta história de muitas conseqüências. Conseqüentemente a história continua.

“Mas a vida prepara bastantes armadilhas”. A vida? Ou cada qual deve assumir a responsabilidade pelos atos? Desculpe. Angélica combinou algo com a vida que nem mesmo ela sabia. A grande menina maravilhosamente linda e rebelde, como toda mulher bonita, deixou, um dia, de encantar. O que aconteceu com a rotina? Ou até quando dura um fogo adolescente? Sócrates, Descartes e outros racionalistas já afirmaram: a ação acertada ocorre quando o ser se despe dos sentimentos. Casar-me-ia com o racionalismo filosófico. Nem Um joão nem Angélica os ouviram. Angélica começa a sentir o erro. Agora já era outro capítulo.

Chegava cansada da escola. Fazer almoço. Limpar a casa. Agüentar a dificuldade da primeira gestação. Conciliar barriga com escola. A barriga foi a maior professora. Por um lado a experiência agradava-lhe. Achava fantástica aquela realidade. Ter para si um brinquedinho humano. Duas vidas: uma dentro de si, outra fora. Por outro lado, não imaginaria o trabalho que seria. Tantas noites de sono perdidas. Quanta humilhação que deveria agüentar por ela. Além de, às vezes, não receber o verdadeiro reconhecimento desse sacrifício. Não seria interessante relatar as noites em branco, tampouco muito choro preto, pois seria vergonhoso. Sentir a traição é doido. Relatá-la a outras pessoas é humilhante. Ela agora marcada para sempre. Presa pela dependência afetiva. Familiar. Econômica. Pressão psicológica. Sem cria, sem barriga, tudo poderia ser mais fácil. “Esse filho-da-puta me tira de casa para passar por esta humilhação”, chorava lágrimas ácidas. O estado da alma. Sem forças. Apenas tinha um resto para garantir a submissão. “Missão, não! Sub-missão. Não poderia atribuí-la a nenhum puto”.

O homem, geralmente, tem um razoável poder de argumentação. Embora a maioria dos argumentos sejam idiotamente idiotas. As mulheres fazem-se de idiotas-idiotas. Baixando o nível intelectual, nivelar-se com ele. Tantos anos de luta pela emancipação feminina, e ela ainda busca a derrocada de sua existência. Humilhadas, desprezadas, traídas e submissas. Quem foi o verme que inventou a subestimação feminina? Sem saída, elas prendem-se aos pés deles. A vida não é mais assim. Angélica não compreendia aquilo. Compreenderia anos depois. Bem depois poderia encontrar-se com a libertação. A vida não era apenas Fagner. Ou Fagner em outra perspectiva. O fato é que Fagner contribuía indiretamente tanto para a submissão quanto para a idiotização dela. Quer dizer que a culpa é do Fagner? Não! Ela que o utilizava inadequadamente. O mal das pessoas é que usam certos remédios sem lerem os nocivos efeitos colaterais. No fundo, Angélica sabia. Mais fundo ainda, ela gostava desse sofrimento horrível. Que paradoxo! Tão comum em Hollywood. Virou moda. Importamos desgraça de outra cultura.

Angélica tentava libertar-se da situação na qual se encontrava. Não conseguia. Vários eram os fatores. Entretanto o mais inteligível era o fato de não ter certeza se realmente queria separar-se. Coisas do coração. Não queria ser racionalista. No fundo. A esperança seria sua companheira por anos. “Como pode o coração falar mais alto que a realidade”, indignava-se o contista. O sofrimento é amargo. Não para Angélica. O espinho adocicava sua vida. Mas ela não queria mais vivenciar aquela humilhante experiência. A cicatriz exposta da alma. O antagonismo Barroco habitava a essência. Da vida. O Renascimento. A briga existencial colore uma mente, que deixara de ser ingênua. Mente colorida com a cor do desespero. O senso comum concordava que ela já estava perturbada. O senso crítico discordava. Para este, houve a recuperação da lógica humana. Foi após tomar coragem e dizer não. Querer resolver a situação. Expressar o amor que sentia por si. Como todo rompimento deixa cicatriz, Angélica acordou do impacto tatuada de manchas roxas. A expressão da covardia estava por todo o ser: corpo, alma e espírito. Não bastava somente humilhação. A vida que escolhera para ser seu esposo era seu algoz. Espancador de anjo. Inimigo de Deus. Filho-da-puta-nojento. Angélica já havia perdido a condição de anjo para ganhar a imperceptível realidade. Não sabia mais qual seria sua realidade. O mundo de Don Quixote acabara. Nenhum cavaleiro herói a salvaria da covardia do monstro.

Sem rumo, sem profissão. A estima reduzira-se a pó. O brilho do prestígio estava fosco. O sonho de dona Dulcinéia caiu pelo ralo do tempo. Este deu inúmeras voltas em torno de si até parar na irrealidade sonhada pela Angélica. “Reconstruir a vida é muito mais difícil que construí-la”,pensava com medo da situação. Filhos. Outro problema. “Como criá-los sozinha”. “Como reconstruir a vida acompanhada”. Enquanto Um joão acomodava-se no colo da nova mulher. Nova vida. Facilidade de reconstruir. “Como contista, gostaria de fazer uma observação sobre a discussão. Não é justo mulher carregar toda a carga negativa sozinha. Precisamos reconhecer seu verdadeiro valor na sociedade”. Por que a mulher tem de sair perdendo? Um joão borrara a vida passada. Angélica carregaria a mancha por muitos anos.

A anjinho, qualidade referida ao passado, em vão tentou reerguer a vida. Sempre caíra, como um castelo de ilusões. Tanto seu passado quanto seu presente dificultavam. A mancha do casamento era a responsável pela causa da desestruturação. Nunca conseguira receber a dedicação sentimental a qual era investida às tentativas de costurar a vida sentimental. A linha com a qual se costurava era frágil. Desesperava-se com a dificuldade de construir a vida. Um joão não teve dificuldade alguma. “Eu sou mulher, tenho filhos, tenho ex-marido, tudo está amarrado aos meus pés”. Vários anos passaram-se. Angélica ainda angélica sofria com a mesma situação. A alto-estima já estava no chão. Por baixo de tudo e todos, ela resolvera dar um fim a este capítulo. A vida não merecia. Sentou sob pontos brilhosos no escuro. Refletiu filosoficamente toda a vida. Todas as desgraças. Não compreendia como um ato há anos conseguiu transformar a vida num grande quebra-cabeça quase que ilógico. Filosoficamente, estava destinada por si a entrar para a história. Sua história. Não sentiria remorsos de ninguém. Tampouco dela mesma. “Eu mereço deixar de viver. Serei realizada após esse momento”. A vida, na ótica de Angélica, correspondia à incerteza, a sofrimento, à humilhação, a desprezo. Não conhecerei jamais no mundo alguém com uma visão tão negativa da vida quanto Angélica. “Embora seja responsável pelo que fez, ela tinha seus motivos para pensar assim”, expõe-se o contista com voz de choro. A expectativa agora era a vida para Angélica. Esperava ser selecionada para livrar-se. Pegou o cuspidor de fogo. Olhou-o por longos minutos. Levou-o calmamente à cabeça como se despertasse uma grande idéia. Sua vida transformou-se num grande clarão. Amarelo fogo e vermelho sangue. Combinação em que culminou na mais bela aurora que aquela cidade já presenciou.
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