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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->Flor do pântano -- 18/07/2016 - 06:06 (João Rios Mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Hoje lembrei-me de Dona Nininha. Essa lembrança se misturou a inquietação com o ocorrido a Ramon feito dois rios caudalosos arrastando meu sono pra longe. Dona Nininha povoou minha infância de medo. Uma senhora idosa, quase da minha altura. Ela era avó de minha amiga Mariana.

Pai uma vez disse que ela era nordestina e nordestino não morre, encolhe. “Vai envelhecendo e diminuindo até sumir”. Dona Nininha sumiu. Um dia não a encontraram no quarto dos fundos da casa onde morava com o filho, a nora e a neta.

Procuraram por todo canto. Ninguém a viu sair, ninguém ouviu nada, não haviam sequer pegadas no quintal de terra fina vermelha que ligava o quarto dela ao portão. Os pais de Mariana foram a polícia, a emissora de rádio, perguntaram ao carteiro, ao picolezeiro... nada!

As crianças na escola começaram a inventar histórias. Diziam que ela havia sido morta e a enterram no próprio quintal de Mariana. Alguém jurava por sua mãe mortinha que tinha visto o vulto de Dona Nininha chorando lágrimas vermelhas no rosto amarrotado pelo tempo. Que na juventude ela havia vendido a alma pro capiroto..... Agora ele tinha vindo busca-la, que a havia levado de corpo e alma pro inferno já que era muito velha e alegre e teimava em não morrer... Nunca entendi porque gente alegre e de bem com a vida também morre.

Aquele acontecimento intrigava Pazamor e mirabolantes ideias surgiam para explicar o desaparecimento da velhinha.

Camélia e sua inegável capacidade de tessituras imaginárias, entrevia D. Nininha caminhando imersa no nevoeiro, onde o avermelhar da lua cheia surgia acabrunhadamente melancólico...

Seus cabelos grisalhos desgrenhados ao luar, meneando a cabeça, dizendo coisas desconexas, as rugas acentuadas pelas sombras da noite, seus lábios sissibilando como as serpentes!

O terreno lodoso aos seus pés, encharcando-lhe as sandálias de couro cru, gelada rumo ao rochedo inerte. Saberia ela que o rochedo bordejava o abismo profundo? Teria caído, se atirado? Ou fora habitar a tal flor da meia noite tão temida nas redondezas?

O pântano tinha lá suas assombrações, seus mistérios, suas lendas...
Havia quem afirmasse ter visto as tais plantas carnívoras que surgiam do lodaçal à meia-noite da Lua de Sangue, em busca da gota de sangue, que viria a seu tempo macular o lençol das virgens descuidadas... devorando com apetite aos sons de acordes de outro mundo e sussurros de dor e desejo! Tamanha fome envergonhava o astro escarlate, que neste momento ocultava-se entre nuvens pesadas...

Nenhuma dessas histórias me assustava mais do que a brincadeira de pai. Mãe era nordestina, me angustiava achar que um dia ela iria encolher e sumir. Media mãe com as palmas da mão sem ela notar pra me assegurar que ela estava diminuindo. E a medida que o tempo passava era preciso menos palmos meus para medi-la. Um dia comecei a chorar escondida no quarto. Camélia me achou. Quando contei a ela que estava chorando por que mainha estava sumindo ela primeiro se assustou, depois passou o braço no meu ombro e falou “deixa de ser abestada, Amélia, não é mãe que tá diminuindo, é tu que tá crescendo.”

Mãos povoam nossa mente, talvez mais que possamos compreender, pois são através delas que se espalham bênçãos e degredos. Pairam sobre nossas cabeças frequentemente povoando nossos pesadelos.

O medo de mainha encolher era porque eu gostava dela e só nos preocupamos com quem amamos. E mãe não foi feita pra ser gente pequena, toda mãe é grande, enorme, poderosa. A minha era miudinha mas um mulherão... Se agigantava me metendo medo com as lapadas de cinturão se eu fosse resmungando comprar farinha.

Crendice de moleque deveria ser tão sagrada quanto os santos da igreja. Afinal, os santos também foram crianças, tiveram seus medos, peraltices e histórias.

Meus medos mudaram. Nem o desaparecimento de D. Nininha nem o amiudar da minha mãe me apavoram mais. Hoje tenho medo do futuro. Quando criança só tinha medo do que estava presente. Como estarei daqui a cinco ou dez anos? Meu maior medo é a morte que espreita, insensível, pessoas as mais amadas, tirando-as de mim. Às vezes penso o quanto é poderosa. Me assustava na infância e agora que cresci.

O medo acompanha nossa vida, faz parte do nosso dia a dia, por isso dizemos: tenho medo de me casar, medo de dirigir, medo do que possa acontecer aos filhos... temos pequenos e grandes medos. O problema é a dimensão que queremos dar ao nosso medo. Anão ou gigante? O medo vem como uma onda enorme devastando tudo. Mas se soubermos controla-lo saímos grandes, fortes, donos do mundo!

Nossos medos de meninice são como fotografias desbotadas na parede. Não tem mais a mesma vivacidade nem força na beleza das cores. Nos últimos tempos penduramos fotografias mais vivas. Tanto as amareladas como as novas estão aqui fazendo parte do nosso dia, da nossa vida, agigantando-nos.

Por mais que queira ignorar as fotos amareladas, elas estão ali olhando pra mim. Estão num passado distante, nem por isso devo ignora-las.....

Qual teria sido o destino de D. Nininha?

Nas histórias de papai as flores do pântano regurgitam as virgens vivas, grávidas! Assim como na maioria das culturas, em Pazamor também há um ser imaginário responsável por engravidar as jovens...
Reza a lenda que a cada cem anos, uma velha teimosa deixaria de morrer para tomar a forma da flor e dar descanso a velha anterior perpetuando o fatídico destino. Tal substituta invariavelmente gerada por alguma virgem destas. Alcançando cada qual a seu tempo o merecido descanso do degredo secular...

Nós adolescentes ingênuas tínhamos nossos medos. Dentre eles um dos que mais temíamos, talvez mais que da morte... sermos defloradas pela flor do pântano!







Colaboração: Ângela Fakir e Jeanne Martins
Desenho: Ângela Fakir
http://riscoserabiscosangelafakir.blogspot.com.br/
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