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Teses_Monologos-->PREGUIÇA: uma categoria literária? -- 26/06/2001 - 23:36 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Alguém me perguntava, por e-mail, se essa voga dos minicontos, minidiálogos, poemínimos e hai-kais não teria, também, como justificativa uma certa preguiça por parte de seus autores.

[E eu acrescentaria, no outro pólo, por parte dos leitores.]

Poderia responder que, com preguiça, fica muito difícil chegar a qualquer resultado em qualquer atividade que seja. Menos se chegará ainda a resultados no âmbito da literatura, da poesia, sobretudo se o escritor for exigente, como alguns particularmente "excêntricos", a ponto de se decidirem pelo formato pequeno, pelo mínimo, ou melhor, pelo máximo do mínimo.

Não estaria brincando o Dalton Trevisan, ou candidatando-se a se espreguiçar pelo resto de sua curitibana existência num sofá bem fofo, quando escolheu o caminho inverso ao da maioria de seus colegas de ofício. Normalmente, os escritores começam com contos curtos para chegar ao grande romance (o "romanção" como gostava de dizer o "vampiro de textos", uilcon pereira). Pois o "vampiro de Curitiba" radicalizou, escolheu a porta estreita, miniaturizou, só fez por menos. Preferiu ir do conto curto ao curtíssimo, para chegar ao hai-kai.

Cheguei a trocar correspondência com o Tchello d Barros (anotem esse nome), um poeta de Blumenau, no átimo de sua meteórica passagem pelo usinadeletras . Pois ele chegou a comentar comigo justamente sobre o fato de muitos acharem que os seus "poemínimos" (geniais!), por breves, seriam resultado fácil de atividade poética indolente.

Pergunto se alguém se acharia mesmo capaz, assim sem mais nem menos, da preguiçosa genialidade de:

partes de mim
se partem se
partes de mim

Sobre Paulo Leminski, já vivi a vergonha de ouvir doutos doutores proclamarem os seus preconceitos, e sua precária convivência com os conceitos, ao sugerir que o "kamiquasi" tenha sido um autor de produção irregular, ou que tenha se deixado seduzir pelas facilidades de um universo pop, pouco exigente, onde se notabilizou como perseguidor do sucesso fácil.

Perguntaria se acham mesmo fácil construir formulações poéticas capazes de resistir à posição vertical e à exposição máxima dos muros de tantas cidades por esse Brasil afora.

Sobre Robert Walser, de quem já publiquei dois contos no site, Walter Benjamin escreveu um ensaio breve (duas páginas), onde registra a dificuldade que os críticos encontram para falar de alguém que escolheu o formato pequeno, de um autor que, mesmo em seus romances, não faz senão enfileirar uma série de narrativas mínimas.

Mesmo o "Grande Sertão: Veredas", já se disse que essa obra poderia ser lida também como a justaposição de contos, mitos, causos, lendas, parlendas, o universo oral do Brasil profundo, coligidas pelo sertão de Minas, Goiás e sul da Bahia.

Peter Bichsel, outro leitor de Walser, declara que a literatura precisa permissão para fazer coisas desimportantes.

Muito já se teorizou sobre a enorme ressonância encontrada junto ao grande público pelas short stories americanas, ou pelas "kurze Geschichten" alemãs do pós-guerra.

Os sociólogos da literatura nunca hesitaram na criação de clichês, sempre mais duradouros do que eficazes na sua apreensão do fato literário, como a "fragmentação da vida moderna". Se um clichê como esse explica tanta coisa, como não poderia explicar também tal preferência por parte de autores e leitores?

Uma outra explicação freqüente foi a "aceleração da vida moderna" (será que também "pós-moderna"?), a falta de tempo para a concentração necessária às atividades da escrita e da leitura. E, convenhamos, aí estaríamos nos aproximando perigosamente do argumento da preguiça. Daí, mui rapidamente passaríamos a falar em leviandade, pressa, avidez pelo sucesso, rendição ao mercado e assim por diante.

Mas também sobre as grandes empreitadas literárias ou artísticas pesam acusações de toda ordem. Escrever um best-seller, por exemplo, que parece ser a repetição da sempre mesma baba, não deixa de ser trabalho braçal inegável. Pode-se falar em preguiça mental. Mesmo assim, chegar a ela não será tão fácil como possam pensar os sagazes críticos precipitados. O "romanção", ainda que em ampla vantagem em relação aos best-sellers, carrega, com o aumentativo irônico, inúmeras suspeitas, o pesado peso da dúvida.

No campo da música popular, e é com ela afinal que temos convivido quase o tempo todo nas últimas décadas, muito mais do que com qualquer outra forma de representação considerada nobre em todos os campos, não falta quem se ache inteligente ao ressaltar-lhe os vícios, o lado negativo. O leitor apressado de "O fetichismo na música", de Theodor W. Adorno, sempre se investirá da condição de "o último dos frankfurtianos", para lançar o seu fel sobre os hit-makers. Muitos acham que tais canções não passam da mera repetição de um esquema, e que esse esquema seria infalível, produziria resultados sempre certeiros, e sempre que se o desejasse.

Que se lhes propusesse, então, um desafio. Já que é esse o funcionamento da "coisa", façam-na funcionar, repita-se a mágica, produza-se uma canção de sucesso, uma banda de sucesso, um best-seller, um poema que saia do livro para as paredes (como aconteceu, e muitas vezes, repito, com poemas e formulações do poeta Paulo Leminski).

Mas sabemos muito bem, todos, que as coisas não se passam bem dessa maneira. Não é verdade que tudo isso seja apenas efeito colateral da assim popularmente chamada "preguicite aguda". Não pode ter preguiça quem se aventura a produzir sucessos para tocar no rádio, ou clips, aparentemente banais, para divulgar suas músicas na TV.

Para o autor/leitor do usina , o desafio seria produzir um minipoema, um miniconto, uma frase que "ferisse a língua de morte", para usar uma formulação que li ontem no FolhaTeen em mini-resenha de um livro com as frases do Millôr Fernandes, uma formulação que fosse capaz de transformar definitivamente o conceito do que é literatura dentro do site, marcando as relações entre seus usuários por um largo período de tempo, influenciando-lhe a produção tanto de escrita como de leitura.

Fica a sugestão também de que o autor/leitor compare essas mini-resenhas do caderno para adolescentes, às segundas-feiras, com a empáfia carrancuda do "coletivo" que produz o ilegível Caderno de Resenhas desse mesmo jornal. Será que os membros desse "coletivo" seriam capazes de falar, com a mesma leveza e alegria, para os leitores de um suplemento para jovens? Daria para fazer isso por pura preguiça apenas, ou por condescendência, ou por rendição aos ditames da facilidade?

Na internet, eu diria, o formato pequeno como que se impõe. Achei muito exótica, por exemplo, a reclamação de um autor-leitor, a demandar uma secção para que se publicassem romances . Mas alguém leria mesmo um romance no espaço do site? Ou, na suposição de que o imprimisse para a leitura posterior, e é o que faço com os textos mais extensos que aqui se publicam, imprimi-lo seria já uma tarefa suficientemente absorvente.

O fato é que estamos mergulhados numa situação bastante especial. Quando cunhei a expressão autores/leitores, e não pretendo que ela seja uma formulação definitiva, queria apenas tornar público o meu reconhecimento da peculiaridade dessa nossa situação. No usina , a voga dos minicontos, minidiálogos, mini-artigos, poemínimos, hai-kais, esse êxito do formato pequeno, é apenas uma das manifestações da peculiaridade dessa situação. É um espaço onde nos encontramos, onde nos arriscamos na difícil tarefa de escrever e ler quase em tempo real, dando adeus, e perigosamente, é preciso que se diga, aos filtros todos que chegavam a conferir à literatura uma aura quase de desumanidade.

Borges dizia que, quando um texto lhe parecia perfeito em demasia, tratava de incluir nele alguns erros intencionais, para que se tornasse menos desumano. Valeria dizer que, para o escritor argentino, a perfeição seria algo de desumanamente inverossímil.

Não, não estou defendendo o abandono definitivo das normas gramaticais. Não estou com aqueles que defendem a adoção desse "tanto faz" que caracteriza os e-mails e as mensagens que se trocam nas salas de bate-papo. No caso, o desleixo com o idioma é só mais um sintoma da denegeração do ser humano que ali normalmente se cultiva. Vade retro! Que ela não contamine todas as outras formas de expressão na rede ou fora dela!

Tudo isso para dizer que deveríamos ser cuidadosos na atribuição de valorações morais ao fazer literário. Não se pode medir por sua extensão, em todo caso, o valor de um artefato. Nem haverá como cronometrar o merecimento de um autor pelas horas gastas na produção de uma obra.

[Faço uma ressalva para o caso da tradução. Não seria má idéia que nos pagassem pelo tempo gasto no trabalho. Ou, para não ser utópico, que nos pagassem direitinho, cumprissem sua palavra os editores contratantes, só isso...]

Acredito que um clip ou um flash do cinema do minuto podem proporcionar tanto arrepio estético quanto, para citar um exemplo-manute, "Berlin Alexanderplatz" do cineasta alemão Werner Fassbinder, com suas 16 horas de duração.

[E, ainda assim, depois de uma overdose vivida, com esse filme, em apenas dois dias num dos festivais de cinema de São Paulo, pude ouvir alguém se arvorando em dizer que o livro era muito melhor do que o filme. Alguém com muito tempo mesmo, convenhamos, e sem um fiapo de preguiça.]

Não se pode dizer que um poeta ganha tempo para espreguiçar-se, ao produzir um poemínimo ou um hai-kai, um conto curto ou um miniconto. Como não será justo condenar pessoas como Marcel Proust e seus supostos leitores, pela disponibilidade, pela perda de tempo, pela ausência total de qualquer outra ocupação que lhes permite fazer esse extenso percurso de tantos volumes, de tantas páginas. Pois é, justamente, à procura do tempo perdido.

Se não consegui oferecer uma resposta concisa ao leitor que levantava sobre nós a suspeita de que seríamos movidos a preguiça, espero ter-lhe oferecido, ao menos isso, elementos para que, juntos, continuemos pensando essa e tantas outras questões relativas ao fazer literário, que, num momento de loucura certamente, inventamos de abraçar.

Frases, poemínimos, hai-kais, contos curtos, minicontos, minidiálogos não acontecem só porque a gente quer, o que é uma pena, e nem são mero fruto da preguiça. Quem dera toda preguiça redundasse em inutensílios poéticos!

A extensão deste ensaio, dependendo do ponto de vista, tanto pode depor contra mim, porque pequei contra a concisão, contra a necessária economia de meios, como pode falar em meu favor. Deve, em todo caso, aliviar as suspeitas que porventura ainda pairassem sobre a minha inegável preferência pelas formas breves.

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