A BUSCA
Final dos anos oitenta, década de 90
Em parte influenciado pela literatura de Fernando Pessoa, comecei
cedo meus estudos da verdade pelos rosacruzes, am 1988.
Uma década após, tinha galgado os mais altos graus e num desses
ritos de passagem de um grau para outro, conheci Dora, uma morena
alta que pertencia a outro Templo da Ordem,
na Zona Sul do Rio de Janeiro. Estavamos na cantina, trocando
umas idéias. Dela emanava uma força quase "visível", o que é
uma das prerrogativas dos esotéricos que verdadeiramente trabalham
seu interior.
Ela trazia uma cruz egipcia, a Ansata, ao pescoço. Os cabelos
pendiam preenchendo os ombros e parte do pescoço, enquanto ela comia
um lanche elegantemente. Estavámos felizes pela beleza
do ritual que vivenciarámos. Ela disse-me:
-- O ser humano não é feliz porque é mesquinho.
Aprenda isso, Frater.
Hoje ainda ,quase cotidianamente, dou de frente com a verdade
dita por Dora naquela noite iluminada em quase todas es esquinas
que passo, aqui e além.
2005
Uma intensa melancolia levava-me ao abrigo dos franciscanos,
uma dor que eu sabia única. Toda formação de minha alma,
na parte mais profunda, era Bíblica.
A leitura do Novo Testamento na juventude pusera Jesus
como ponto central da minha vida.
Com Jesus, aprendi a exercitar a solidariedade,
a viver pensando também na vida futura,
além de não fazer questão também de coisas menores.
A literatura também estragara-me.
Um homem com alguma nobreza e
pagando um preço caro por dar-se ao luxo de cultivar-se
vivendo entre incautos, gente bárbara que detesta cultos e cultura.
A frase de Nieztsche em Zaratustra levava-me ao mosteiro: “
Tivesse Cristo vivido mais alguns anos, teria mudado sua doutrina”.
Essa era a verdade que sentia agora e doer-me a alma.
Eu não concordava com o Deus que Cria. Tinha
trinta e cinco anos e um desprezo silencioso pela humanidade.
Nos últimos dois anos então, a despeito de minhas boas intenções
e qualidades, não achava nada. Nem amores, nem amigos,
nem trabalhos. Não na proporção que tornasse-me menos triste.
Ainda por cima tinha a pobreza como uma carga, o que tornava-
me mais vulnerável e nu as gentes.
Já tinha sofrido todo tipo de maldade de meus próprios parentes.
Lembrava o olhar de desprezo de uma tia .
Que tinha feito? E a ríspidez humana?
Qual era a finalidade? E a falta de interesse e amor ao criador?
OS SINAIS
Julho de 2006, um homem, uma mulher, um destino
Inicialmente, saíamos como amigos íntimos e falávamos todos os dias, ela me
ligando até três vezes ao dia. Nos conhecemos através de uma rede social no
qual eu usava um codinome de Anjo e não havia minha foto, apenas a do Anjo
Roxo que “dizia se alimentar de prana”. Ela estava na comunidade “Vivendo de
Luz” e era, aparentemente, uma menina grande e desengonçada, com um sorriso
simpático e passou-me um pensamento estranho que “ela nunca teria chance
comigo”. Paguei caro ter pensado isso. Pessoalmente, foi a mulher mais linda que
já achei e amei, com seus imensos cabelos castanhos, seus um metro e setenta e
quatro de um corpo absolutamente perfeito, branco e róseo que conheci e beijei ,
cada centímetro, perdendo totalmente o controle de mim como nunca antes.
Quando dei por mim, estava apaixonado e já não me bastava mais nossa relação
de “amiguinhos”. Pedi então ,numa noite depois de ter muito refletido o dia
inteiro, que ela não me procurasse mais, nem por telefone. E, nessa mesma noite,
tive pesadelos terríveis. Achei tudo muito estranho... pior mesmo, foi que ,no dia
seguinte, e nos outros mais três dias após esse pesadelo, parei misteriosamente
de comer. Claro que ela não parou de ligar-me e tive que aceitar a ajuda que ela
me oferecia, pois já não conseguia mais sair da cama. “Quem mandou pedir
o divórcio”? , Ela brincava. Dias depois, começamos a namorar e tivemos de
início aquela felicidade inevitável: três dias sem sair da cama fazendo amor, dvds,
pipoca, banho juntos que ela me convidou a tomar dizendo que marido e mulher
tinham que ter intimidade, massagem, sorrisos, beijo no ponto de ônibus,
saudades na hora da separação, planos de casamento, madrugadas em claro ao
telefone e ,claro, as promessas que ela me fazia de que iríamos ficar muito tempo
juntos, que ela sentia claramente isso, que nosso caso duraria anos. Evidente que
aquela idéia de ficar para sempre perto dela era a mais feliz para mim. Eu a amava
mais que minha vida e fiz dela meu pedacinho de Deus. Porém, logo começaram
as chamas do inferno entre nós...
Nessa busca em achar um caminho que fosse puro,
que levasse-me de verdade a manifestações do
puro espírito de Deus, ingressei em várias outras instiruições e doutrinas na esperança
de formar uma síntese ilumidada e `O caminho" encontrar no "caminho". Meus estudos e investigações levaram-me a descobrir uma corrente tradicional que não pode ser maculada nem corrompida pelo elemento humano, pois é toda guiada no Espírito Santo e nos sinais divinos; porém, como não tem sede não é nada fácil, sequer, encontrar um membro da Tradição e fiquei buscando durante anos um contato, além de pedir a Deus em minhas preces. Anos de busca após, vi pelo google uma pessoa ligada ao movimento comunhão e libertação da Igreja Católica disposta a dar informações sobre o lado secreto e místico dos templários. Chamava-se Miguel, da cidade de São José dos Campos, em São Paulo.
Era professor de cabala e palestrante. Deixava um email de contato e assim começamos a conversar.
As brigas com Sara começaram a se intensificar logo que nossa intimidade
fora consumada de todo. A impressão após dos três dias que ficamos juntos é qiue foram séculos já que estavamos juntos. Como ela parecia-me
muito dada a seduzir por pura vaidade e prazer,
comecei a ter cíumes dos tipos que apareciam
na sua rede social; o extremo sensualismo dela
fazia-me enlouquecer de pensar que a qualquer momento
ela poderia estar com outro na cama. Tinha raiva do ex namorado
dela que a iniciara em determinada pratica
ocultista amoral que era, por uma ironia macabra,
diametralmente oposta a linha de pensamento
que eu vinha aperfeiçoando com Miguel. Chamava o
ex dela de promíscuo. Ficava angustiado
de ver que nenhum valor cristão lhe fora passado,
sequer pelos pais.
.Tinhamos choques de valores violentos.
A primeira tarefa que Miguel mandara-me fazer era liderar um grupo de estudos ocultos e indicou-me
um jovem de vinte e cinco anos, Flavio, e uma mulher
de dezenove,Cintia, sendo que com essa mulher o trabalho sempre
foi de conversas online. Já Flavio passara a vir em minha
casa as quintas-feiras, quando trabalhavamos durante
uma hora ritual da seguinte forma: abriamos os trabalhos
com uma prece de abertura, acendiamos uma vela,
um relaxamento com música, estudo do livro meditações
dos arcanos maiores do tarô (ed Paulus) e comentários,
estudo do evangelho de João e partilha, novo relaxamento,
prece de encerramento e eu anotava tudo com data e hora
numa espécie de ata; depois conversavamos sobre negócios,
mulheres, jogavamos cartas um para o outro.
Acredito que subjetivamente aprendi muito com esse trabalho.
EXPERIÊNCIAS MÍSTICAS DA MEMÓRIA, DIÁRIO ESPIRITUAL
Decidir relembrar a minha busca
porque creio que cheguei a uma sintese, após Miguel
e Sara terem surgido na minha vida;
ambos mudaram-me e a meus valores; revelaram-me
que há um sentido e uma inteligência divina
no mundo; que fazemos parte da história com pessoas
que surgem, trocando vida conosco.
Tenho anotado uma espécie de diário místico e de sonhos,
onde escrevi trechos dessa intensidade; aqui,
pouco importa a cronologia. Eis algumas anotações:
Penso, enquanto preparo-me para meu ritual noturno,
que nada fiz para ser abandonado.
Sinto um mixto de mágoa com vergonha.
Estou aqui, sozinho. Nâo trai, não menti, não maltratei.
E todo meu amor valeu muito pouco.
Sinto-me enganado pela vida. Cansado de
tentar dar meu amor e ser renegado.
Sento-me na posição sagrada desde sempre,
com a alma dourada como ouro.
Recito a prece em silêncio.
A luz desce.
A mesma luz de verdade que o mundo não conhece nem pode conhecer.
O que faz essa luz no mundo?
Entrego-me ao mesmo caminho dos antigos, prometendo-me
mesmo não acreditar
mais em palavras vãs e recordar-me que o amor é dom dos valentes
e nobres.
Alguns amam, ou pensam que amam, com o instinto.
O verdadeiro amor tem vergonha do que é baixo e sórdido.
Mas isso a pífia humanidade ignora.
E prossigo no meu deserto para Deus, inundado de luz.
Somente meu coração permanece triste,
como o do Mestre a dois mil anos,
abandonado na pior hora."
2007
"A gripe da noite parece sinalizar que ainda
não estou inteiro em mim, que a paz ainda não está completa,
que ainda há terreno a ser descoberto, conquistado,
que ainda não vesti a roupa exata, ou que ,de certa maneira,
ainda não posso fincar a bandeira da vitória. Não, faltam algumas coisas para a liberdade; o amor, porém, é graça. Eu só sei que sangro no caminho, mas também sei que o sangue de Deus sangra comigo.
Zona da Mata, Mineira. 23:55
28.01.20011.
SÁBADO, 22 DE MAIO, TEMPO PRESENTE
Marcelino Rodriguez
Dia frio e solitário. Estou aqui na viagem escura e estranha
desses relatos que nem sei onde irão me levar.
È estranho quando nossos pais morreram e não temos mais ninguém.
Esses últimos dias tem sido bastantes paradoxais para mim.
Sinto-me amparado por Deus e ao mesmo tempo só nessa amplidão.
Hoje resolvi tomar duas cervejas porque o medo
da pressão estava me deixando muito hipocondríaco. Deu certo. Fiquei menos tenso e dormi um pouco pela tarde. A terra por vezes é como um imenso exílio. Quem suportaria a solidão com a divindade? Ò Deus, levai meu barco tão pequeno no teu mar tão imenso!Eu queria dividir qualquer coisa em qualquer lugar com qualquer pessoa, mas o que tenho agora é essa noite plácida e silenciosa. Assim como não me buscam, ando desistente de buscar gente. Hoje em dia, raramente é possível um encontro. Às vezes eu me sinto como se estivesse que estar em outro lugar, não aqui, mas também não sei aonde. Ou talvez estar de outra maneira, talvez com outra pele. As vezes sou um peso para o que está dentro de mim.
Isso que está dentro de mim é capaz de voar.
A maior armadilha e cegueira que pesa sobre a humanidade é o egocentrismo, a
ilusão do eu separado do criador e a vaidade pessoal. Don Giussani, padre genial
do catolicismo e fundador do movimento comunhão e libertação, pregou isso e
estabeleceu um novo carisma na Igreja Católica. Só existimos em interação.
Nenhum homem é uma ilha. São verdades que todos nós sabemos, mas pouco
praticamos. Vivemos como nunca talvez ,na história humana, os valores cegos
do sexismo e do individualismo, numa sociedade descartável e fria. No entanto,
se nos perguntarmos “o que estou fazendo aqui”? Ou “como posso resolver
minha situação”? Vamos sempre perceber que sozinhos, nada podemos. Seja
profissionalmente, seja afetivamente, seja socialmente todo sonho nosso de
encontro vai estar no outro, que é como Deus pode revelar-se de maneira mais
inteligível, através do próximo. Então, por que não orientarmos os padrões
afetivos para dar o melhor de si ao outro? Quem quer que tenha Deus
honestamente em sua vida, que já possui uma vida interna, que é a verdadeira
vida, uma vez que quando queremos buscar nos outros apenas os aspectos
exteriores e vantagens materiais não os vemos nas suas singularidades e valores
humanos, fazendo com o próximo apenas “contratos físicos”. perdemos sem
dúvida o mais precioso, a “essência”. Quando Jesus disse “Onde dois ou mais
estiverem em meu nome” ali estarei, ele quis dizer estarem juntos não
exteriormente apenas, mas em sentimentos, em respeito, em amor e reverência
pelo encontro. A maioria das pessoas que sofrem de depressão são pessoas
egoístas, que nada querem dar de si. Nunca ouvimos dizer que uma pessoa que
dedique sua vida em prol de seus semelhantes estivesse deprimida. Se Deus está
no outro, que é onde vem a revelação da nossa vida e destino, porque tanto
egoísmo? Tanta cegueira? Muito simples, ignorância. Quanto mais egoísmo, mais
vaidade, mais ignorância. E quem vê seu próximo apenas como coadjuvante de
sua vida, perde a grande oportunidade do encontro. Egoísmos não se enxergam,
nem se relacionam,apenas se esbarram. Somente quando abrimos mão do
egoísmo primitivo e vemos o outro em sua singularidade humana, deixamos de
ser egos cegos e passamos a ser indivíduos despertos na arvore da vida.
R
Podemos adquirir uma cultura bastante razoável com cinco minutos de estudos
por dia. Vamos imaginar o seguinte. O livro mais importante ,ao menos pra essa
parte do mundo em que estamos, digamos, de procedência judaica-cristã, é a
Bíblia. Não pense que cito a Bíblia, embora seja um crente místico, com
nenhuma intenção dogmática. O que pretendo é apenas plantar sementes de
crescimento moral e intelectual, dentro da experiência que tenho na prática da
cultura e do desenvolvimento pessoal humano. Vamos ficar ,a título de exemplo ,
com os livros do Novo Testamento, que em geral, os evangelhos de Marcos,
Mateus, Lucas e João possuem vinte e poucos capítulos. Eu li todo o Novo
Testamento dessa maneira: era um capítulo diário. Em menos de um mês você
termina um Evangelho. Em menos de dois anos você passa a conhecer todo o
Novo Testamento, o que na prática e de maneira subjetiva irá te enriquecer
muitíssimo com relação a psicologia profunda e ao mundo simbólico do
inconsciente. Além do mais, a prática desse pequeno esforço cultural diário irá
fortalecer a alto-estima do praticante. As pessoas que possuem estima mais
elevada são aquelas que fazem um esforço consciente para crescer. Citei a Bíblia
para mostrar a simplicidade do método, porque, além de ser o livro mais
importante, a Bíblia, é por si só uma cultura e uma fundadora de culturas. Uma
pessoa que viva num país que tem uma crença predominante e não conhece as
bases dessa crença é uma pessoa ignorante, egoísta, que só se interessa por si
mesma. Aliás, os intelectuais e líderes superiores do mundo, sejam cientistas ou
artistas, possuem um conhecimento global e eclético, ainda que externem uma
ou outra opinião. Finalizando: quem diz não ter tempo pra ler, mente. Cinco
minutos é o suficiente pra que em pouco tempo uma pessoa aprenda bastante
coisas todos os dias. Os país e mestres que adotarem esse método a seus jovens
estarão plantando sementes extraordinárias para o futuro.
Certa vez, ouvi um amigo dizer que se Deus não perdoar os ladrões desse
mundo, ele vai ficar sozinho. Verdade rotunda e robusta. Parece que uma coisa
sumiu da educação humana: a cortesia. Lembro-me que certa vez fui parar
em um mosteiro franciscano, perplexo e deprimido, porque estava achando
que o sacrifício de Jesus fora inútil. Os homens são de um egoísmo e de uma
mediocridade de doer, com exceções poucas aqui e ali. Como pessoa espiritual,
eu tenho a prerrogativa de viver em “tempo místico”, de modo que passei
a evitar pessoas deselegantes e sem cultura, com as quais eu não posso nem
aprender nem ensinar nada. Onde não pode haver troca, há uma espécie de
roubo. Quando temos qualidades e valores que as pessoas não são capazes de
apreciar, melhor que nos afastemos. O que seria esse tempo místico? Nada mais
do que um nível de consciência autêntico, real, com valores eternos de amor e
compaixão. Quando se está diante de um mestre espiritual, por exemplo, se está
vivendo em um tempo místico. Esse é um tempo que as pessoas não podem
roubar, adulterar, manipular ou jogar para debaixo do tapete. O Tempo místico é
você estar inteiro com Deus, com sua verdade.
R
Quem, independente de crer ou não, leu o Novo Testamento, há de convir que é
no mínimo estranho que um livro escrito a dois mil anos atrás, cite com uma
exatidão miraculosa sobre “os tremores de terra” e outros grandes sinais do céu,
que podem não ser outros senão os grande calores e os grandes frios; o tempo
anda em desequilíbrio em toda parte. Quem também, sendo crente ou não,
observa a vida e a humanidade com espírito científico não vai achar, ao ver ,por
exemplo, programas de egolatria na televisão, que a maioria da humanidade
esteja vivendo com a “temperatura de Deus” que é sempre amor e brandura, e
quando não , ensinamento. A maioria humana vive, alguns até sem saber, sob o
império da besta. Basta ligar a televisão, ou mesmo olhar o mundo de qualquer
parte, que veremos que o caminho bom anda raro, dado o grau de corrupção
espiritual a que chegou a humanidade. O desaparecimento dos “santos” é um
sinal. Não se vê o que é saudável e bom sem que se tenha que fazer um esforço,
hoje em dia. Eu próprio optei, dentro das minhas possibilidades, por uma
limitação e seletividades nas relações. Não lido bem com falta de delicadeza e
profundidade; acho o egoísmo de um primitivismo vulgar e sinceramente, gente
que não ama, não me é interessante. Segundo a Tradição bíblica, quando
começam eventos como esses que ocorrem hoje em dia, é sinal de que Deus quer
que nos convertamos e que aproximemos a alma do que é santo e saudável,
porque não vamos salvar o corpo, cujo futuro é a terra. O objetivo da vida
humana, entre outros que possam haver, é que nos tornemos mais próximos da
natureza cristianizada, que é o pilar da evolução. Essa natureza é digna, pura,
amorosa , generosa, espiritual e íntegra. Outro dia, escrevi um texto sobre
encontrar uma pessoa bondosa e recebi respostas de pessoas procurando onde se
acham elas. Sinceramente, não sei. Porém, Jesus disse que pelo amor seriam seus
discípulos reconhecidos. O amor nunca é infiel, nunca é egoísta, nunca é
malicioso, tudo perdoa, tudo preenche e tudo transforma. Encontrar uma boa
pessoa, nesse momento da humanidade, é uma maneira de salvar-se do império
da besta. Alguns pensam que ser uma boa pessoa é “não apenas não fazer mal”,
como se o bem fosse “indiferente”. Ser uma boa pessoa é “negar a si mesmo” e
fazer o certo perante Deus, mesmo que hoje em dia ninguém se lembre mais que
existem mandamentos, que existe oração e que a vida não é uma brincadeira de
mercado apenas. Existe o padrão e o patrão celeste. Os terremotos estão ai para
nos lembrar disso, talvez. Um pouco de lógica evita pensar que é tudo
coincidência.
Esperei em vão o telefonema noturno. Dormimos juntos, caminhamos pela praia
de mãos dadas pela manhã. Ela observando que minhas mãos eram tensas,
dizia “relaxa” com uma certa irritação. Eu, com mil segredos que não poderia
revelar. Um homem preso no seu próprio mistério. Era certo que a amava. Não
queria tanto, mas o coração desconhece razões. Morava sozinho, o destino em
suspense por mil dúvidas, a vida imprensada por mil dívidas. Estava apegado, no
entanto. Ela, quinze anos mais nova, pensando talvez que comprometer-se
poderia fazê-la perder outros encantos da vida. Eu queria mais
comprometimento, mas sem confiar plenamente. Sentia que ela queria estar com
o espírito livre. Senti vergonha de meus sentimentos apegados. Antigamente, o
amor era tudo para as moças, hoje não mais. Além do amor, tem a realização
profissional, curtições independentes, espaço próprio e mais e mais desejos. Um
amor apenas não realiza mais uma mulher “independente”. O que realiza?
Ninguém se realiza completamente no mundo. Escolher um caminho é
abandonar alguns outros, ao que parece. O mundo tem seu tanto de renúncia.
No entanto , como um homem maduro, tinha ser forte. Sim, minhas mãos são
tensas. Não apenas as mãos, mas a alma. Eu tinha que conviver com a miopia
alta, as lembranças tristes que ficam no inconsciente como fantasmas
adormecidos... tornei-me escaldado e defensivo. Um homem de conhecimentos
especiais, porém melancólico. Sentia quase inútil a sabedoria diante da frieza do
mundo. Pensava seriamente em abandonar a literatura. Ri por dentro quando
pediram que escrevesse minha biografia. Impossível. Era um dos últimos
remanescentes da Fraternidade de homens e anjos, um mercenário de Deus,
preparado para os combates celestiais a qualquer momento. .. Acordei pela
madrugada e vi que o dia ia amanhecendo, lentamente. Resolvi que não
escreveria o email de bom dia. Minha atenção poderia incomodá-la. Sentia-me
ridículo. Eu tinha que ser forte, pois ela vinha demonstrando uma certa distância,
apesar que ainda estávamos saindo juntos, mas não eramos mais aquele fervor e
poesia dos primeiros dias, quando vimos juntos revelações do mundo espiritual,
um viajando pela alma do outro, eu rezando em seu corpo com palavras
estranhas. Lembrava-me que quando menino costumava achar estranha a tristeza
dos homens. Não entendia. Hoje, sabia de tristeza como ninguém. Temia que ela
abandonasse-me no meio daquele oceano de envolvimento em que estava. No
entanto, era preciso prosseguir. Peguei a papelada do divórcio e pus na bolsa. A
ex mulher parecia-me agora um coisa surrealista. Nunca conhecera-me. Lembrei-
me de meu padrinho dizendo para eu nunca deixar de ser benévolo às pessoas.
Chegada a manha, era hora de voltar a ser o anjo alado da net, que fizera com
que nos encontrassemos. Só eu sabia o quanto aquele Fake era o melhor de
mim. Não esperar nada de ninguém. Nem incomodar. Só eu prepararava-me,
todos os dias, para viver servindo. Eu a tinha? Não sabia. Talvez eu nunca fui
uma felicidade em si para ela, apenas um evento exótico, mais uma novidade do
tanto que ela tinha em seu carrocel dos vinte e quatro anos. Assim, eu percebi
que não tinha mais argumentos. Só a perplexidade dos sentimentos. O mundo
não perdoa os anjos; os anjos não perdoam o mundo. Triste metáfora. Conclui
que serei um Fake até o juízo final. O vizinho viu-me da janela e deu-me bom
dia. Transformo-me em Anjo então, lentamente, enquanto a manha se despe,
não peço nem espero nada. Apenas cumpro em silêncio minha sina de Fake
Solitário.
07.08.2006.
REVISTO
Um dia, em fins do ano 2006, depois de mais uma vez que ela terminara comigo,
e dessa vez não haveria mais volta, bebi o suficiente para perder a consciência
da noite. Engraçado que ao relembrar isso tenho a sensação de que algo em
mim morreu ali, claramente. Compreendi que estava latente a minha destruição.
Contudo, consegui chegar em casa e dormir. Acordar, porém , foi difícil. Assim
que levantei-me comecei passar muito mal. A cabeça doía muito e sem saber o
que fazer, liguei para ela.
-- Alo.
-- Sara... quando tentei falar, comecei vomitar.
-- Alo, alo, o que ta acontecendo?
-- braaaaaaaaaaaaaaaaaarghhhhhhhhhhh
-- Você ta vomitando é?
-- É... vomitei tudo aqui, me ajuda.
-- Eu vou ai, espera.
Deitei novamente no quarto escuro, sujo, sombrio, com a alma num umbral de
horrores, depois de limpar porcamente o vômito. Uma hora depois, ela chegou
e me lembro perfeitamente da calça comprida rosa. Deu-me uma nelzaldina, eu
deitado na cama e ela sentada na minha cadeira do computador, com o livro do
Iogananda, “Autobiografia de um Iogue” na mão esquerda, porque a direita dela
eu segurava e me amparava. Ainda tentava brincar para disfarçar minha derrota.
-- Me dá um beijinho ai.
-- Até que pensei nisso, mas você ta fedido.
-- Me dá essa bundinha pra mim.
-- Fica quieto, moço, você ta quebrado.
Essa era a cena na penumbra do quarto; ela sentada e eu segurando-lhe a mão
direita ora com uma das minhas mãos, ora com as duas, enquanto ela lia, as vezes
esboçando um sorriso com a leitura.
-- Só um pouco de bundinha.
-- Sossega.
De vez em quando, ela comentava uma passagem comigo.
-- Conheço o livro, meu bem.
E ficamos assim de mãos dadas, até que ela disse que tinha que ir. Eu agradeci
ela ter vindo e com o resto de forças levei-a na porta; depois, pela janela ia
vendo ela se perder na distância, que quanto mais ela se distanciava, mais crescia
meu desalento e percebi que não conseguia alcançá-la mais. Depois, ela cortou
completamente a comunicação comigo e tive que tentar sobreviver ao abalo.
Até encontrá-la, eu pensava saber o que era o tempo, o espaço, a mente, os
sentimentos, a filosofia, o sexo, a dignidade, o destino. Era um gato que pensava
ser um tigre. Foi com ela, porém, que nasceu o Tigre. Batizado pela experiência,
pela fatalidade, pela beleza, pelo inusitado. O amor, que contém todas as coisas e
fazia com que um homem chamasse uma mulher quinze anos mais nova --, que
corava de modo encantador, -- de mamãe.
Zona da Mata, fevereiro 2011.
R
CARTA A DEUS
Querido Deus, estou aqui na espera de resolver meus trâmites burocráticos para
poder ficar nas montanhas, perto dos arco-íris e das tempestades, estudando as
diferentes qualidades de Anjos.
A cidade dos homens, com sua fumaça e ferocidade,
atrapalha minhas observações e o crescimento normal das minhas asas. O Senhor
sabe que meu sonho sempre foi voar como Peter Pan ou os Jetsons. A terra anda
pesada e as pessoas caminham sem perceber pisando em diamantes. Será que se
jogarmos a primeira Edição de Camões pelo chão, irão perceber?
Nada. Nem sequer reparam nos Anjos incrustados nas paredes das Igrejas ou
na pomba observadora. Quero ficar rico, Senhor, o bastante pra ficar semanas
vendo filmes de vampiros no telão do meu notebook. Hoje vim pelo ônibus
lembrando quando eu acreditava no amor das mulheres e minha alma
tentava achar a porta dos universos paralelos. Claro que agora sou quase um
sábio, depois de quebrados escudo e espada. Aprendi lutar de mãos vazias.
Jogaste duro comigo, deixando-me vulnerável; porém, hoje, vejo melhor que
poucos espíritos estão acesos na escuridão. Poucos aprenderam dizer sim. Quase
ninguém a amar. E como mente essa gente. Deveriam ler Garcia Marques. Sei,
Senhor, que como poeta a extinção me ameaça. Daqui a pouco vão querer-me
em museus. Então, protejei-me Senhor, e acalmai meu coração que não entende
como em terra tão farta e tão bela a estupidez não consegue enxergar que a
riqueza está apenas em sorrir, amar, agradecer e caminhar. E que nada é sólido,
fora o amor.
Esta ruim de convencer essa gente, Senhor.
Portanto, vos peço que guardai na terra aquilo que me deste e dai-me logo a
absolvição.
Gosto de ver a arvore do céu crescendo.
Entristece ver a multidão de olhos abertos sem enxergar.
Bibliografia
Escritor hispano-brasileiro, autor de:
“O Observador de Pardais”, 1996;
“O Espião de Jesus Cristo”, 1999;
“Juvenília”, 2000;
“A Ilha”, 2001;
“Café Brasil”, 2001;
“Boneco de Deus”, 2002;
“Mar Romântico, Mar”, 2002;
” Bom Dia, Espanha!”, 2005
“Anjo da Tarde”, 2008 Somente na WEB.“Sol da Meia Noite”, 2009.
Somente na WEB.“Vinte Poemas, 2010”, Somente na WEB.
- Ganhador de:
Prêmio Pérgula Literária Internacional,
Medalha Ação Cultural
Troféu Dez Mais Taba Cultural Editora.
Em 2004, o autor viveu em Córdoba, Argentina, entre Janeiro e Março. Em maio
de 2005 sai Bom Dia, Espanha!, livro que relata essa experiência. Em 2010, o
autor troca o Rio de Janeiro pela Zona da Mata em Minas Gerais, onde reside
no momento com seus cães. O autor tem textos publicados em português e
espanhol em sites, antologias e revistas do Brasil, Argentina, Itália e Espanha, em
português e castelhano.
Blogs do autor www.marcelinorodriguez.wordpress.com
www.marcelinorodriguez.blogspot.com
Contato: marcelinovips@hotmail.com
marcelinorodriguez@portugalmail.pt
DIZERES DA 4 CAPA
Poeta, escritor, intelectual, editor, radialista, compositor, instrutor de meditação
tibetana e tarô, místico, médium, religioso, peregrino, viajante, cidadão do mundo
euro-brasileiro, Marcelino Rodriguez (Dorge Rinpoche) é um dos mais talentosos
dos novos escritores, tendo já seu nome atravessado as fronteiras do continente.
Seu livro Bom Dia, Espanha! É de uma delicadeza clássica e nesse Tigre de Deus
Em Seu Jardim, o autor surpreende com um livro denso e obstinado, onde o
personagem é um cavaleiro medieval em plenos tempos de hoje.
"Conheço Marcelino há muitos anos, e desde então tenho sido testemunha de suas inúmeras
lutas para defrontar essa coisa difícil que chamamos vida. Como bom Quixote ele sabe
derrubar moinhos de todos os tipos. Às vezes ele sai um pouco desalentado, mas sempre
resta nele esse senso de humor irônico a que nos têm acostumados e a esperança de
conseguir que cada homem possa tirar o melhor de si. Basta ler seus livros para chegar
perto deste personagem mágico, meu amigo Marcelino Rodriguez!
Laura Venslavicius, Sebring, USA
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