— Querido amigo Ari, tenho de levar-lhe ao conhecimento que decidi esclarecer, de uma vez por todas, o relacionamento que mantive com meus pais e demais familiares, para firmar o conceito de quem sou, uma vez que não encontrei ou não reconheci nenhum ser de antigo companheirismo, como dois dos quatro avós que faleceram bem antes de mim e que deveriam, pelo que depreendi das observações evangélicas insertas em minha espiritualidade, estar preparados para me receberem e orientarem. Sei que a memória se encontra bloqueada, caso contrário iria recordar-me das condições anteriores à derradeira encarnação e também de outras vidas. Talvez você mesmo esteja no rol dessas pessoas amadas, sem que eu tenha possibilidade de enquadrá-lo nas lembranças do coração.
— Pelo que deduzo de suas palavras, você está desejando reciclar os conhecimentos práticos, no imediatismo da presunção de que os reconhecimentos lhe tragam ou a felicidade oriunda dos deveres cumpridos, ou a necessidade de aperfeiçoamento cármico, para nova incursão nos meandros da carne.
Esse diálogo se dava em seguida à observação sobre o dizer socrático. Teotônio mesmo espantava-se com a rapidez com que saltava para a frente no campo das conclusões definitivas. Não precisou mais do que de milésimos de segundos para compreender que os ensinamentos do libreto eram acadêmicos o suficiente para lhe embasarem os procedimentos doutrinários. Nesse relance inteligente, definiu que precisava imergir na própria estrutura moral da personalidade, para o efeito da reparação e para a aplicação mais apropriada dos esforços, no sentido de melhor proveito do desembaraço mental que descortinava.
— Estou absolutamente cônscio de que as realizações vitais não se coadunaram com os programas estabelecidos nos estudos de pré-encarnação dos responsáveis pela minha peregrinação no Orbe. Tenho a certeza, também, de que, por mais pungentes possam ser as descobertas dos débitos, não irei desandar significativamente, no que respeita aos processos emocionais que se desencadearão.
— Permite-me observar a respeito de suas aspirações?
— Perfeitamente.
— Você está sendo protegido dos assaltos das vibrações de seres, encarnados ou não, que visam ao seu sofrimento.
— Será possível?
— Como se confessou interessado em conhecer a verdade cármica do desempenho junto aos semelhantes, é preciso que lhe diga que existem dissensões graves provocadas por sua maneira de ser.
— Mas terei inimigos na área de inferioridade, na região das Trevas, capazes de me imantarem às suas existências infelizes, por procedimentos meus que devo reputar, nesta altura do desenvolvimento, como completamente inconscientes, quanto aos preceitos emanados das leis cósmicas?
— A facilidade com que você pensa e se expressa não deve nublar aspectos importantes que até há bem pouco tempo regiam a sua performance. A só visão dos fatos vivenciados, você a tem a qualquer momento, como vem comprovando desde que se dispôs a rememorar todos os episódios da vida, mesmo os que lhe são sumamente desagradáveis. Você está, sob esse prisma, utilizando-se de indumentária que lhe impede o contato direto com o material analisado. Mas a transposição dos muros desta casa de atendimento a sofredores vai expô-lo a um mundo cuja freqüência vibratória irá ser-lhe extremamente penosa.
— Que me recomenda, então?
— Que discutamos tudo o que desejar, ideologicamente, até que se sinta fortalecido para enfrentar o duro trabalho de reconstituição ou de simples constituição dos elos fraternais a que não soube dar a devida importância.
— Como o quê?
— Quer mesmo que lhe traga os problemas? Não seria preferível que relacionasse as preocupações, favorecendo-me as apreciações no sentido de lhe ir propiciando lucros relativos ao que mais interesse lhe desperta?
— Então, me diga, por exemplo, por que foi que o instrutor… Posso assim chamar aquele a quem dei o nome de Severino?
— Severino é o nome dele.
— Quer dizer que me induziu a adivinhar?
Teo percebeu a fragilidade da observação. Ari, contudo, deu-lhe tempo para refazer a proposição.
— Eu sei que adivinhar não é bem a ação a que fui levado. Digamos que tenha recebido a informação por meios telepáticos.
— Assim está melhor. Quem sabe o nome lhe tenha sido passado enquanto se encontrava repousando, segundo princípios muito parecidos com os da hipnose pedagógica, incipiente entre os humanos.
— Bom. Por que foi que Severino e o outro antes dele me fizeram gravar mensagens para meus pais e para minha irmã, quando não estava eu, de fato, recluso por bandidos seqüestradores?
— Você não está sugerindo que meus amigos guardem semelhança…
— Pelo amor de Deus! Se lhe passei esse sentimento…
— Passou.
Teo quedou silencioso. Tão lesto para raciocinar, embaralhou-se todo perante a inesperada censura do mentor. Modestamente, solicitou que o outro o perdoasse:
— Ari, entendo agora o que você estava ensinando-me, quando me orientou quanto aos sentimentos em contraste com a força do intelecto. Se sou inteligente, como sou capaz de perceber, devo concluir que o desequilíbrio está justamente no fato de haver evoluído num setor da personalidade muito mais do que no outro. Se Deus é amor, como devo saber no fundo d’alma, então devo estar incidindo na falha original da raça humana, naquele desejo adâmico de recolher a ciência, sem fazê-la acompanhar das virtudes do procedimento moralmente padronizado.
— Acho que você se perturbou tanto que nem foi capaz de elaborar o pensamento com o brilho costumeiro. Não tem importância. O essencial está em ter aprendido a lição do modo mais proveitoso, qual seja, o de mergulhar no problema, sob assistência direta do instrutor. É o que pedimos a todos, antes que invistam contra os protetores, porque se sentem limitados, em seu campo de ação, às prescrições legítimas de quem tem experiência e treinamento. Mas devo dizer-lhe que as gravações serviram para que sua irmã entrasse em contato mediúnico com você, uma vez que foram reproduzidas por entidade qualificada para absorver, reconhecer e traduzir as vibrações do etéreo, dentro das circunstâncias favoráveis das reuniões que se fazem em nome de Jesus, para benefício das pessoas e dos espíritos.
Ari estendia a frase, sabendo que Teo se perdia em conjeturas. Passado algum tempo, retirou-se, deixando o perplexo costureiro entretido com seus pensamentos.
