COISA DIVINA
João é simples. Simples também é a sua vida.
Acorda bem cedo, antes até do galo cantar. Aliás,
quem canta de galo é êle; tira o pigarro da
garganta e vai acordando a dona Adélia (que além
de ser simples, é uma santa mulher). Acorda
também os filhos pra irem à labuta, que vida de
sítio não é fácil mas, vai se levando com a graça
de Deus.
Enquanto o café é coado, desce até o rio
(que é coisa divina, segundo êle) e dá o primeiro
mergulho do dia. Depois do café (que sem dúvida
é muito mais gostoso que o da cidade), calça as
botinas e vai cuidar da lida junto com os filhos.
Lá pras cinco da tarde, estão de volta. Hora
do segundo mergulho no rio (que segundo êle, é
coisa divina). Janta na mesa, é hora de prosear
um pouco. Mas, só um pouco, que gente de sítio
não é de muita conversa não.
Quando a galinhada vai se empoleirando, é
hora do descanso, que amanhã é outro dia, com a
graça de Deus.
E a semana vai passando assim, nesse ritmo
de valsa, devagar e sempre, sem atropelos. Só
muda mesmo, quando uns amigos aqui da cidade
(inclusive eu), cismam de abarrotar o carro com
tralhas, comidas e bebidas e vão lá pro sítio
perturbar o sossego de quem tá em paz. Confesso
que fico meio acanhado, mas por outro lado,
bastante açanhado, por levar a agitação típica de
quem vive na modernidade, até aquele pedaço de
terra que, segundo o amigo João, é coisa divina.
Mas, com a simplicidade do matuto que sabe
muito mais da vida do que nós, êle nos recebe
com um abraço daqueles que só um amigo sabe dar,
porque entende que gente da cidade grande, de
vez em quando também precisa se descomplicar.
Riva
17/02/06 |