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Artigos-->A trilha sonora de nossa época -- 23/04/2001 - 23:34 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Da tentativa de, com a música pop, entender a literatura e a arte, a vida e o mundo



Por Michael Pilz

Trad.: zé pedro antunes



Vamos falar de música. Falamos sobre discos, músicos e canções, tal como os homens falavam de futebol, sexo e automóveis antigamente. Não nos cansamos de fazê-lo. É como se, no pop, o mundo pudesse ser explicado, como se a confusão do presente falasse por si mesma, quando, na opinião de que esta ou aquela peça musical seria capaz de conferir ao mundo mais beleza, estamos de acordo. Os discos que colecionamos são registros inseridos no diário deste nosso tempo: "Ouvi David Bowie. Chorei."

O mesmo vale também para os livros, para os filmes e para a arte exposta em galerias. Nick Hornby construiu a narrativa da música pop de forma extremamente amorosa. "Blow Up" era aquele filme do Antonioni em que o guitarrista Jeff Beck fazia em cacos o seu instrumento. E Andy Warhol era o nome do cara que fazia as capas para o Velvet Underground. Bill Clinton foi o primeiro presidente mais jovem que Mick Jagger, ele que despertava receio quando punha a boca no saxofone.

Isso explica o florescimento, em torno a esse modo de observação das coisas e a essa visão de mundo, de um dos ramos do mercado livreiro. Quem, na música pop, não viu mais que passatempo, sempre haveria de se contentar com as maltraçadas biografias de seus astros preferidos. Na melhor das hipóteses, Greil Marcus lhe explicava por que Bob Dylan cantava cada uma das músicas que cantava. Hoje, cumpre descrever por que a palavra "pop" carece de um conteúdo exatamente definido. O "pop" serve para tudo. Para a música, em primeiro lugar, mas, num sentido mais geral, para a cultura do dia a dia. Com muita freqüência, acompanha livros e peças de teatro, cujo objetivo é alcançar a massa despertada, em vez de chegar à burguesia esclarecida, tão retraída como auto-justificada.

Vamos falar de música. Das "trilhas sonoras da vida", como a denomina Thomas Steinfeld já no título do livro. O fato é que essas trilhas nos pertencem. Em tudo, nos debates políticos e em todo tipo de arte, sabemos, é raro não nos flagrarmos, em pensamento, a repetir um riff, uma frase de uma canção de sucesso, ou peripécias de mitos triviais. Nada a fazer. O livro de Steinfeld nos tranqüiliza: É tudo muito normal. "A nova música popular", ele ensina, rola "around the clock em todos os canais. Os devaneios, aos quais ela confere asas, transmitem inspiração a tarefas escolares e ao trabalho, ao motorista ao volante e à guerra. A oposição de uma boêmia juvenil contra o mundo da burguesia transformou-se em acompanhamento ininterrupto, a expelir, em sensações, a dureza da vida." O "acompanhamento acústico de uma sociedade liberal".

O próprio povo busca o seu ópio. Em seus rasgos anti-Adorno, com um sorriso amistoso, Steinfeld exorciza, da música, a linhagem clássica dos inteletuais que fazem a crítica da cultura. Também exorciza as preocupações de Enzensberger, com o meio ambiente exposto ao ruído ininterrupto da música pop. E Walter Benjamin, que, na repetitividade, via desaparecer a aura de toda obra de arte.

Há alguns anos, levantamos já a suspeita de que, à deriva na internet, as canções parecem até mais auráticas do que jamais o conseguiram ser. E, no que diz respeito às trilhas sonoras da nossa vida e à realidade: "Ao som da guitarra, um pôr-de-sol, simplesmente, é mais laranja."

Os primeiros astros do rock n roll caminham para a aposentadoria. Um "pra lá de quarentão" como Rainald Goetz desembesta em suas raves. Nós, os filhos dos anos setenta e oitenta, levamos os nossos filhos aos concertos dos Beastie Boys. Nossos filhos, por sua vez, nos levam a Britney Spears. As canções essenciais são conhecidas.

Há muito, mas muito da verdadeira vida naquela que seria a falsa. Se é para saber do que isso depende, são ligações com as quais conseguimos transformar o cotidiano num "jogo das contas de vidro", como engenhosamente o faz Thomas Steinfeld. De quebra, para nosso proveito, ele lê ainda os vestígios do pop sobretudo no literário, deixando para trás o por demais conhecido, assunto em não importa qual mesa de bar. Nick Hornby e Nik Cohn. Esses todo mundo conhece.

O disco que Gesine Cresspahl ganhou de presente no romance "Jahrestagen" de Uwe Johnson foi o "Revolver" dos Beatles. O verso "All the lonely people, where do they all come from" foi, em Nova Iorque, o hino do seu expatriamento. De Uwe Johnson também. O que seria deles sem aquela pequenina melodia?

Que Gilles Deleuze já encontrasse as suas idéias realizadas nas canções de Bob Dylan, a liberdade dos pensamentos, o vagar nômade por milhares de canções! Que Michel Houellebecq, enquanto concebia as suas "partículas elementares", ouvisse "Imagination" de Brian Wilson! Significa que o livro ensina, sobretudo, acerca do desconforto que é envelhecermos. Nós próprios experimentamos Houellebecq, o modo como se posicionava no palco e soltava o seu canto. Um poeta, isso ele já não era mais. E um cantor, lá isso tampouco ele passara a ser. No final, ele era tudo, e nós, bastante comovidos, íamos ficando para trás.

Quem consegue ler as fotos de Anton Corbijn, tal como o Discjockey "lê" a massa, quem logra reconhecer os riffs em Thomas Pynchon - esse tem de ser também um filólogo. Thomas Steinfeld descreve: "Um mundo da curiosidade, do saber inútil, do achar e do achar-se, circunda os conhecidos músicos do ramo. Nele, não se faz a distinção entre os conhecimentos musicais ou histórico-musicais e a futrica."

O livro sobre o tema, devêmo-lo ao autor Hollow Skai (N. do T.: o título "In-A-Da-Da-Da-Vida" nos remete ao cultuado disco do Iron Butterfly), que faz o levantamento das anedotas e do relicário das lendas da música pop, necessários para que se entendam as capas dos discos e, por debaixo delas, as canções. Quem, por exemplo, ao vivo, quando, como e por que estraçalhou a guitarra. Talvez não fique muito claro, à primeira leitura, para que serve saber que Rainer Werner Fassbinder morreu ouvindo Scott Walker, ou que Andy Warhol buscava estímulos eróticos em videoclipes do Duran Duran. Sabe-se lá? A exegese já não tem de ser mais exaustiva. O conhecimento é tão fragmentado como o conjunto da cultura pop (cf. em Gilles Deleuze). E a trilha sonora segue acompanhando tudo: "Nesta trilha sonora, dissolveu-se a diferença entre as obras cultas e as não-cultas." (Thomas Steinfeld).

Ah! É como Nabokov fazendo o herói Humbert Humbert cantar "O Carmen" para se achegar de Lolita. O que assim se conjuga são o velho mundo e o, então, novo mundo, a Europa e a América, a cultura erudita e a pop-cultura. Quem acha que isto seja uma heresia, ou falta de cultivo em relação às coisas da cultura, certamente continuará a nos tomar por ingênuos - e, no que tange ao cânone culto recorrentemente discutido, por algo de estúpido. Mas sempre haveremos de conhecer alguém que, sem desastres maiores, cria através das sonatas de Beethoven, consegue recitar a parábola do anel de Lessing, e, assim mesmo, manter a opinião de que "Walk the line" de Johnny Cash é um lied, de que o mundo gira ao redor de muitas outras coisas.

É à guisa de documento que se lança um livro como "Berliner Barock. Popsingles", de Thomas Groß. Uma coletânea de artigos recentes para os cadernos de cultura, pontuados lançamentos de discos ou concertos, ganha eternidade no azul marinho das capas das edições de bolso da editora Suhrkamp. Bob Dylan subiu mesmo ao palco em 1998, e o DJ Westbam e seu carregador de malas Rainald Goetz fizeram um livro. São acontecimentos desta natureza que, com conhecimento detalhado das implicações, permitem escrever uma narrativa universal que amanhã igualmente ainda poderá ser verdadeira.

Os discos que colecionamos são florilégios de poemas líricos ou excertos de peças para piano de nossa época. Estamos dando continuidade ao romantismo. Sim, nós o estamos completando. E a nossa sabedoria também se funda na ironia. É essa a postura com que lemos a "Montanha Mágica" de Thomas Mann ou ouvimos "Hotel Califórnia" dos Eagles: fantasmas por toda parte. Eles saltam dos discos de vinil por obra do DJ Castorp e se põem a dançar ao redor do gramofone. Thomas Mann também achava ridículas e maravilhosas as árias populares.

Em Marcel Proust, se lê: "Este refrão horroroso, que qualquer orelha bem dotada e educada rejeita à primeira audição, preserva o segredo de incontáveis biografias." Que ninguém de nós venha a dizer que não sabia de nada acerca da imperfeição da música pop. De sua despurdorada forma ligeira. Mas é justamente o que faz dela a trilha sonora que nos permite apreender o mundo inteiro. Para nós, a música que sai dos discos significa: é de forma local que se ouve, mas pensar, se pensa globalmente. Ser privada e pública a um só tempo, eis um dos ideais música pop. E, também, destes nossos tempos. Sem essa de "esquelda e dileita" [N. do T.: "rinks und lechts": referência ao poema de Jandl], tem a ver com a humanidade.

"Há efeitos sobre os nervos, aos quais não se pode furtar o espírito de contradição. Quando todos os sinos bimbalham, eu abraço o representante do conselho comunitário." (Karl Kraus)

Nada nos comove com mais força do que o aparecimento do ligeiro, em sua beleza. Mais não seja, por conduzir-nos à busca do sentido. Por despudorados que sejam uma melodia, levada de bateria ou riff de guitarra, o mais das vezes, o que permance é o gancho ["Haken", em alemão] ou "hook", em inglês, como quer Thomas Steinfeld, "e, nesse gancho, o indivíduo pode fixar um retrato ampliado de si mesmo." Neles, nós nos refletimos, o que nos possibilita ver o que se passa no interior e atrás de nós mesmos. Falamos de música. E, assim, nos entendemos.



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Obras citadas sobre o tema:



Thomas Steinfeld: Riff. Tonspuren des Lebens. [Riff. Trilhas sonoras da vida] DuMont, Köln. 271 S., 38 Mark.

Thomas Groß:Berliner Barock. Popsingles.Suhrkamp,Frankfurt/M. 197 S., 18,90 Mark.

Hollow Skai: In-A-Da-Da-Da-Vida. Magische, mythische und mysteriöse Geschichten zu Popsongs. Hannibal, Höfen. 352 S., 35 Mark.

Sky Nonhoff: Schallplatten. dtv, München. 125 S., 15,50 Mark.

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