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Contos-->MILAGRE NA PRAIA -- 01/05/2009 - 16:06 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quarenta anos volvidos, parecia-lhe ouvir ainda o estrondo da mina a rebentar por baixo do jipe em que seguia juntamente com alguns companheiros. A viatura voou em estilhaços, misturados com pedaços de corpos. Ricardo foi projectado à distância e viria a ser o único sobrevivente. Estavam na zona de Tete. Outro jipe, que seguia atrás, lançou um alerta e transportou-o até uma área em que era possível poisar um helicóptero. Estava apenas há dois meses em Moçambique e tudo se tinha passado bem até ali.
Evacuado para o hospital da capital, a então cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo, ficou internado longas semanas. Infelizmente os médicos nada puderam fazer para evitar a paralisia dos seus membros inferiores. Voltou à Metrópole e a Lagos, sua terra natal, mais cedo do que tinha imaginado.

Antes de ser mobilizado, trabalhava com o pai na faina do mar. Fizera também uma campanha na Terra Nova na pesca do bacalhau. Seis longos meses rodeado de céu e de mar, chegando a trabalhar vinte horas por dia. Morria de saudades da família e da sua terra. Prometera a si próprio nunca mais voltar a embarcar numa aventura semelhante. Aliás, já se tornava então difícil recrutar pescadores para estas campanhas. Os homens preferiam emigrar. Ricardo, porém, fiel às suas origens, queria continuar a ser pescador e amava Lagos, que sempre fora uma terra de marinheiros.

Lagos - a antiga Lacobriga e depois Zawaia - conquistada definitivamente aos mouros em 1249, foi uma importante base de partida das nossas caravelas e um estaleiro para a construção de vários barcos, que deram novos mundos ao Mundo. Ali tinha vivido, entre outros, o Infante D. Henrique “o Navegador”.
Agarrado a uma cadeira de rodas, Ricardo passou a viver de uma pequena pensão e beneficiava da ajuda e do carinho dos pais. Sempre que o tempo o permitia e a maré vazava, encaminhava a sua cadeira até junto do mar e ali ficava a ler um livro ou a olhar simplesmente para o horizonte, para o borbulhar das ondas ou para as gaivotas que voavam incessantemente entre o mar e a cidade. Muitas vezes entretinha-se também a ver alguns jovens a surfar ou, nos dias mais calmos, mirando as velas triangulares dos barcos de recreio que deslizavam sobre a água.

Naquele dia a rádio anunciara mau tempo, mas Ricardo, aproveitando a maré vazia, foi dar o seu passeio matinal até à Meia-Praia. Não se via vivalma, nem no mar nem na areia. Inesperadamente, porém, o céu pôs-se escuro como breu e vagas alterosas começaram a formar-se ao longe, cavalgando na direcção da praia a uma velocidade assustadora. Ele ainda quis fugir e virou a cadeira de rodas, mas uma onda atirou-o ao chão. Nunca tinha visto nada assim. Arrastou-se para junto da cadeira e tentou soerguer-se, mas uma vaga ainda maior deitou-o por terra arrastando-o aos trambolhões. Foi então que ouviu uma voz oferecendo-lhe ajuda. Era um homem ainda jovem, de cabelos compridos, talvez um surfista de cuja presença não se apercebera. Endireitou-lhe a cadeira, levantou-o como se fosse uma pena e sentou-o, empurrando-o para longe e colocando-o em cima de um estrado de madeira.
- Agora vou-me embora - disse o homem. - Quando já não me vir, levante-se e ande!
- Como assim?
- Depois verá.
Afastou-se com passos decididos em direcção ao mar. Para espanto de Ricardo, ele não tinha nenhuma prancha. Continuou a andar e o mar parecia ter amainado, tão depressa como antes se tinha enfurecido. Julgou ver abrir-se uma passagem entre as águas, para ele continuar a caminhar. Foi-se tornando pequenino até desaparecer. Agora tinha que levantar-se. Temeu cair de novo, mas acreditou. Saiu da cadeira e andou, embora sentindo as pernas bamboleantes. Sem saber o que fazer, abandonou a cadeira e dirigiu-se para casa.

Não comeu, atirou-se para cima da cama depois de tirar as roupas molhadas e adormeceu de cansaço. Dormiu até de manhã. Quando acordou, ainda estremunhado, espreguiçou-se e esfregou os olhos com as costas das mãos. Que pesadelo tivera! Levantou-se e pôs-se de pé.
- Mas… Afinal… Não tinha sido um sonho!…
(Durante a madrugada, um agente da Polícia Marítima, vendo a cadeira abandonada na praia, alertou o Comando. Foram feitas buscas na areia e no mar, com uma lancha e, mais tarde, com um avião da Força Aérea, mas nenhum corpo foi encontrado.)
Ricardo tomou apenas um copo de leite que tinha aquecido e saiu. Ele, que nunca seguira nenhuma religião, era mesmo agnóstico, dirigiu-se para a Igreja de São Sebastião, que se situa numa zona elevada da cidade. Andou devagar, pensando no que iria ser a sua vida a partir daquele momento. Seria começar tudo de novo, agora que tinha mais de sessenta nos, mas valeria bem a pena.
Quando se aproximou da Igreja, o sino começou a tocar. Contou oito badaladas.
Entrou e apreciou o silêncio e um cheiro característico que lhe pareceu ser de incenso ou de velas queimadas. Ajoelhou-se numa das capelas laterais. Não rezou porque não o sabia fazer. Murmurou apenas palavras de circunstância e expressões de agradecimento. Benzeu-se como já tinha visto tantas pessoas fazerem. Visitou demoradamente o interior da Igreja. Viu um crucifixo com a imagem de Cristo e lembrou-se do homem jovem que lhe aparecera na praia.
Desceu até junto ao mar, que agora estava calmo. Sentia-se um homem diferente e tinha razões para tal. Não sabia se havia de rir, se havia de chorar. Chorou de alegria. Tudo era novo para ele. Até a simples sensação de ver o chão mais distante.
Tinha de “mostrar-se” e contar tudo aos amigos. Acreditariam nele? Mas o milagre estava à vista!
Encaminhou-se para um dos principais cafés da cidade e disse para consigo:
- É bem verdade que nunca é tarde demais para se acreditar em Deus!
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