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Contos-->NUQA HUQ WAN LLAPA -- 13/04/2001 - 22:55 (Paulo Sézio de Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nuqa Huq Wan Llapa
Paulo Sézio de Carvalho

Certa vez viajando pelos Andes aprendi esta lição:
"Quando estiver naqueles momentos em que pergunta a si mesmo:quem sou eu, de onde vim e para onde vou, o que menos deverá pensar é o fato de ser você uma linha, um caminho longo e comprido, rumo ao infinito, por que assim se auto-afirmará que sempre caminha, mas nunca chega a lugar algum.
Prefira pensar que você é um ponto se movimentando em todas as direções e, que por onde quer que vá possa se reconhecer. Em todas as direções, as únicas coisas que verá serão partes de você mesmo antes não descobertas. Tudo porque você é o Universo. Quanto àquela energia que pensou: "quem sou eu, de onde vim, para onde vou, ela nada mais é do que a sua essência, seu ponto de referência.
Não pense que essa lição eu tirei de mim. Não! Ela é compactuada e assimilada pelos ventos da compreensão e da sabedoria de muitos povos indígenas".
Sorri e agradeci recostando a cabeça em minha mochila.
Eu havia caminhado durante todo o dia e finalmente estava perto das ruinas de Waillabamba, rumo a Machu Picchu. Éramos um grupo e ali compartilhávamos nosso cansaço e o parco conhecimento da língua nativa, o quechuá, tomando o costumeiro chazinho das altitudes.
Foi nesse momento que eu consegui arrancar daquele que me guiava uma das muitas histórias que coleciono no alforje do conhecimento.
O assunto girava em torno do Cerro de Chaparri e a famosa visão do deus Wiracocha. E a história era essa:
"Um menino muito pobre havia saído à tardezinha no Cerro de Chaparri à procura de túmulos Incas. Ele fazia parte de um tipo muito comum de indivíduos nos Andes, denominado huaqueros ou saqueadores de túmulos e estava à procura de peças as quais lhe daria um bom dinheiro, necessário à manutenção do seu humilde casebre, onde morava com sua mãe e o avô. Já era do seu conhecimento que este Cerro abrigava diversos túmulos com seus tesouros e à noite, ele poderia se aventurar naquele que havia descoberto uns dias antes. Finalmente estava ali, diante do que seria talvez sua grande oportunidade de ficar rico.
Começou a cavar com muita ansiedade e por que não com medo, afinal nunca se sabe o que vai encontrar. A noite caia e ele já estava arrependido de ter ido sozinho. Cavando e imaginando a oportunidade de melhorar de vida, foi levando o desafio à frente, até que num dado momento sentiu o toque de suas mãos numa espécie de cetro, retirou com calma a primeira preciosidade. Mais tarde já tinha em mãos uma série de objetos. Seria aquele o famoso túmulo de um Grande Senhor que havia governado a região, conforme se falava no povoado de Pincha Unuyjuk?.
Seus olhos brilhavam, conforme escavava e ele parecia não conter de tanta felicidade, até que um envoltório de mantos, finamente tecidos, surgira como por encanto em meio a terra e aos pedregulhos. Não acostumado ao seu ofício de huaquero, ele deu "boas vindas" à múmia que acabara de encontrar com um sonoro grito de pavor.
Desejou mil vezes não estar ali e jurou para si mesmo que apesar de huaquero, naquela múmia ele não tocaria. Seria o mínimo de respeito. Quem sabe um dia ele não estaria também daquele jeito? O melhor seria voltar com a terra por cima e lacrar aquele buraco. Pondo-se ao trabalho, viu que algo estava sobre o peitoral, por entre o envoltório de pano e não necessariamente preso a múmia. Decidiu retirá-lo compreendendo que seria um objeto diferenciado dos demais, já que estava separado. À primeira vista viu que era uma queña, sentindo uma forte atração por ela. Na verdade muito mais que outros objetos. Algo de diferente se apossara do seu íntimo e por mais que todos os objetos lhe chamassem atenção, decidiu escondê-lo novamente para pegá-lo depois, ficando somente com o instrumento de sopro.
Ele, que era descendente dos antigos mochicas, pôde sentir um som bastante familiar saindo daquele instrumento, numa nítida sensação de tê-lo ouvido inúmeras outras vezes. Seus olhos enchiam-se d água e de ímpeto correu em direção ao casebre.
Atravessando a saida da tumba e descendo por entre os ramos agrestes do penhasco percebeu que a cada passo que dava, seu caminho se tornava mais claro. Não que a lua brilhasse mais naquela noite, mas um vulto. Sim um vulto, ganhando em brilho, das estrelas e lua juntas e de súbito, perguntando:
- Quem é você menino?
- Sou...sou... não conseguia falar.
- Não precisa responder. Sei quem tú és, disse aquele vulto.
Silenciou. A seguir falou rompendo o silencio como um trovão:
- Se me perguntas quem sou eu, lhe direi que sou o Senhor de Sipán!
E o menino ainda trôpego falou:
- Todos te buscam, por todo Pincha Unuyjuk e quem lhe encontrar ficará rico!
- Sua aldeia diz isso?
- Sim! Todos da aldeia dizem isso e...não é verdade?
O estranho sorriu e à medida que ia se expressando ficava cada vez mais irradiante e ao mesmo tempo com um aspecto mais simples de ser humano normal, sem perder aquela majestade que o diferenciava. Foi quando o menino viu que ele estava com uma máscara de ouro. Logo ele pediu que a retirasse.
Quando aquele vulto retirou a máscara, seu rosto brilhou tanto quanto o sol. Inspirava realmente um aura de deus.
- Sou Wiracocha!
- És o sol disse o menino boquiaberto com a visão. Você estava ali na tumba?
- Sim. Vim numa era remota governar e educar o mundo sendo um guerreiro, mais antigo que os guerreiros incas, mochicas e paracas. Acredita em mim?
- Sim claro. No entanto onde estão suas armas?
- Minhas principais armas são o condor, o puma e a serpente e claro, esta queña.
Embora o menino não tivesse entendido o por que dos animais, perguntou:
- E para que a queña? Ela so toca não é? - perguntou desconfiado.
- A sua música alegra corações e nos proporciona tupay´s. Este instrumento tú não precisarás roubar. Antes lhe darei como presente e todas as vezes que tocá-la tú irás fundo em tua essência e lá me unirei a ti e nos encontraremos e lhe mostrarei o mundo.
Desde então Wiracocha levava aquele menino a aventuras intermináveis, sempre saindo do Cerro de Pulpituyuk de onde sumiam, viajando em uma nave de aspecto metálico que soltava raios, demarcando no céu o espaço de poder".
A história, que é um mito andino, era bem mais longa. Dizia de processos pelos quais o menino passara, mas naquele dia meu guia nas cordilheiras queria mesmo era me mostrar uma característica singular dos quechuás: a conexão com a essência de cada um.
Mais a noite voltamos a conversar sobre aquela história e ele me disse:
Você entendeu a lógica da aparição de Wiracocha?
- Penso que sim - respondi - Não importa quem somos, como somos ou o que estamos fazendo num determinado momento. Quando, de alguma forma, me conecto com algo divino, eu me transformo... Por que o divino me transforma.
- Acrescentaria à sua compreensão uma coisa mais - disse o meu guia - A necessidade de crer que esta conexão existe, pois ela é quem move a intenção de transformação. Este crer não se fabrica, não se inventa, não pertence a nenhum ser em particular; a nenhuma religião ou sociedade foi autorgado sua posse, mas é um fator intríseco a todas as criaturas do universo: é uma essência.
Pedi a ele que me falasse mais sobre essa essência.
- Essa essência é como um ponto, não tem dimensão, não se situa em lugar nenhum. O ponto foge à nossa mania de criar imagem, pois uma vez que que é observado, deixa de ser ponto e passa a ser uma esfera, um quadrado, etc, tomando uma forma geométrica.
Essência é um ponto indefinido, mas que existe.
Animado pelo assunto, lembrei da opnião de um erudito e disse:
- Disseram que a essência "é um entusiasmo repentino presente em tudo". Eu diria que é um poder e metafísico, uma vez que não se explica fisicamente e novamente como o ponto, todos a usam como referência para algo. Dela parte muitas coisas e ela ganha forma...
- Exatamente. E é ai que a essência se transforma em intenção para gerar formas. Se levarmos em conta que esse fato é uma lei natural de todos os elementos contidos no universo, poderemos então nos incluirmos como umas das diversas expressões contidas em volta de pontos de essências. Somos um corpo existindo a partir da irradiação da força de um ponto. Quando se está conectado com esse ponto central não há desarmonização.
A seguir ele limpou um pequeno espaço no chão, tomou um graveto e sob a luz de uma pequena fogueira começou a riscar, dizendo:
- Veja um exemplo: Digamos que você escolheu um ponto. Agora vamos traçar uma linha a partir de seu eixo.
Você não desarmonizará uma vez que girou em volta da essência. Digamos que não queira aquele ponto, mas um outro. Tudo bem! Escolha e faça um novo círculo à sua volta.
Desta forma explica-se a essência. Desta forma, vários símbolos produzidos ao longo de todas as vidas humanas. Mesmo que o eixo não seja explicitamente determinado, um pontinho bem ao meio do circulo, intencionalmente ele estará lá, porque é uma essência.
O assunto havia tomado um rumo tão interessante que quanto mais nos aprofundávamos, mais tínhamos argumentos.
- Agora - disse ele - se explica melhor o que falamos anteriormente. A essência se expressa numa forma e à medida que depositamos informações nessa essência, tal forma passa a ser então a expressão daquele ponto. Uma semente - ele completou - é um bom exemplo disso: se tomarmos uma e abrí-la, não haverá nada além da massa orgânica, mas como um ponto, carregará a essência de uma árvore. Ao permitir sua expressão, a intenção da árvore brota de dentro daquele núcleo. Essa essência poderá ter como nome: "princípio ativo", "princípio vital", "vida" e a forma como surgir será sempre perfeita, desde que gire em torno de seu eixo-essência, podendo se expressar onde quiser, em qualquer lugar.
E finalizando disse:
- Vamos agora dormir, porque a caminhada foi longa e precisamos alcançar o próximo acampamento, antes do almoço. Ah! e não se esqueça. Você está pisando num local sagrado. Se não ter o devido respeito é possível que os Apus lhe sugestione não subir até ao próximo acampamento, rumo à cidade sagrada, mas o levará até ao vale, longe do seu destino.
Naquele momento não entendi muito bem o que quis dizer com o "devido respeito", afinal tinha me esforçado até então para não só entender aquela cultura como entrar nas raízes de sua realidade.
Foi ai que um portador de cargas notando minha dúvida, chegou perto e disse:
-Urqo kamakarqoptin runakuna, kutichimwan chimana qhetcwapita.
(Quando os homens são ameaçados pela montanha, fazem-no voltar do vale).
Então lhe perguntei:
-Rirgani kamaka qoptin urqo, Apus?
(Fui ameaçado pela montanha ou pelos Apus?)
-Distinullaciha tinkumushqa chaypita, aywaq. Haypi tuta hamapakulá. Haypi kalukita pulil. Timpuchipakulá yakupta upyakunapa. Upyakukul kukayta tratrapakula kallpapa pulipakulá suuta pun. Machu Picchu yunka traalá. Richay; manchu yarpanki qonaykita?
(Nossas sortes se encontram nesse lugar, viajante. Somos esse lugar. Aqui descansamos de noite. Depois iremos andar para muito longe. Tivemos aqui que ferver água para tomar. Mascamos coca para ter força para andar seis dias a fim de chegar ao Vale de Machu Picchu. Desperta então!. Acaso não lhe passa que antes de lá chegar, temos algo a dar à esse lugar?)
Só então pude perceber que o "devido respeito" era agradecer aos Apus toda a proteção que fôra dada. Não porque precisassem disso, mas por que assim eu estaria consciente de que todas as dificuldades no caminho das montanhas são pura e simplesmente nossa limitação em relação à elas.
Uma vez que eu respeitasse suas características, iria partilhando com ela minha viagem e não sua resistência...na verdade ela não resiste nunca.
E antes de desmaiar de cansaço, na barraca já armada, meu íntimo gritou:
- Nuqa huq wan Llapa!
Sou uno com o Todo!
...e viajei por outras dimensões...

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