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Contos-->O ESCRITOR -- 12/04/2001 - 19:42 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Uma narrativa do escritor suíço ROBERT WALSER. Tradução publicada originalmente na revista de tradução Modelo 19, outono/inverno de 1999, números 7 & 8, ano 4, pág. 58-71. A revista é editada por Ricardo Meirelles e Maximiliano Brandão (Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Araraquara). Neste site, confira também: em contos , "Kleist em Paris"; em artigos e ensaios , "ROBERT WALSER: um dos preferidos de FRANZ KAFKA".

Se o leitor tem notícia de algum outro texto de Robert Walser já traduzido no Brasil, por favor, queria informa-me com urgência.

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De Robert Walser
Trad.: zé pedro antunes


O escritor escreve sobre o que ele sente, escuta, vê, ou sobre o que lhe vem à mente. Tem em geral muitas idéias mesquinhas, das quais absolutamente não pode fazer uso, o que muitas vezes leva-o ao desespero. Por outro lado, às vezes, o escritor teria na cabeça muita coisa utilizável, mas ocorre de ele, por anos a fio, deixar fora de uso os próprios recursos, porque não os encontra, ou porque não dispõe de nenhum ser humano bem intencionado à sua volta, que de forma desinteressada lhe chame a atenção para as riquezas escondidas.

A ilustres homens da imprensa pode ocorrer convidá-lo um dia, a um tal escritor, para que, ocasionalmente, lhes envie uma prova de sua arte. Numa tal circunstância, o escritor transborda alegria para além de todas as medidas, tem também suficiente razão para uma expressão de felicidade no rosto, e pronto ele se dispõe, com a maior exatidão possível, a satisfazer os desejos que vieram lhe bater à porta. Com este intuito, leva em primeiro lugar a mão à testa, agarra-se pelos cabelos, dos quais ele o mais das vezes possui na verdade uma touceira farta, roça o nariz com o indicador, chega mesmo a unhar-se talvez um pouquinho, morde-se nos lábios, faz uma expressão enérgica e ao mesmo tempo aparentemente fria e indiferente, limpa a pena, senta-se ereto sobre a cadeira frente à escrivaninha antiga, suspira e começa a escrever.

A vida de um escritor comum tem sempre seus dois lados, um lado sombrio e um lado luminoso; dois lugares, um lugar sentado e um lugar em pé; duas classes, uma primeira, mas também uma desoladora quarta classe. A aparentemente alegre e elegante profissão de escritor pode ser muito dura, por vezes bastante maçante, mas muitas vezes também até mesmo perigosa. Fome e frio, sede e necessidade, umidade e secura têm sido, na diversificada vida de um “herói da pena”, em todas as épocas históricas e culturais, fenômenos conhecidos, e provalmente, no futuro também, continuarão a sê-lo.

Mas igualmente conhecido é o fato de escritores terem feito fortuna, erigido mansões quais castelos à beira de lagos e de terem vivido de puro bom humor até o fim de suas vidas. Ora, esses devem tê-lo conseguido mesmo de forma honrada.

O escritor, na acepção da palavra, é um espreitador, um caçador, um farejador matreiro, alguém que procura e que acha, portanto, uma espécie de meia de couro (Lederstrumpf), que vive constantemente à caça. Espreita os acontecimentos, persegue as peculiaridades do mundo, busca o extraordinário e o verídico, e apruma os ouvidos ao acreditar ouvir sons que lhe anunciam a aproximação iminente, não propriamente de cavalos a galope montados por índios, mas de novas impressões. Está sempre preparado para o bote, sempre prestes a tomar de assalto. Se calha surgir uma beleza inocente, ignorante, rusticamente vestida quiçá, em passeio pelos arredores, emerge o escritor então de seu esconderijo e, à dama solitariamente vagueante, crava-lhe no coração a pena afiada, embebida desse terrível veneno que é o dom da observação.
Mas, de um modo geral, ele compreende também o feio e o atemorizante, e tampouco se retrai ante da violação descritiva e poética do puramente infantil, pelo que ele, na verdade - hoje, como se sabe, mais do que nunca -, bem que no fundo mereceria a pena de reclusão. Em tudo, em toda e qualquer época, ou em não importa qual ocasião, meteu já o nariz cobiçoso, e não cessa de farejar. Nisso, nisso exata e justamente, pensa-se de maneira geral, consiste a mais elegante tarefa de um escritor aplicado e consciencioso. Sempre mantém ele abertas as ventanas do nariz, ele é um farejador, rastreador de odores e perfumes, e considera um seu dever educar, até à mais atilada das perfeições, a capacidade perceptiva do naso farejante.

Um escritor não sabe tudo - só mesmo os deuses, sabe-se, sabem tudo -, mas sabe de tudo um pouco e pressente coisas que até mesmo Sua Majestade, o próprio Imperador, deixa passar ao largo. Ele recebeu na cabeça os guias dos itinerários por esta terra, e estes sempre acabam por apontar-lhe o caminho por onde alguém deve caminhar, em pensamentos, ao ter de olhar o apreensível e o já quase inconcebível. Ocupa-se com tudo quanto no mundo existe de interessante e perceptível, e possui a cada vez mais viva convicção de que possa ter, para si mesmo e para os outros, uma serventia. Tendo, em seu íntimo, experimentado algum enriquecimento, ainda que da espessura de um fiapo de linha, acredita-se já imbuído do dever de deitar ao papel o mencionado acréscimo, esse algo mais, e aliás de imediato; para tanto, nem trës horas ele espera. Isso, nele, é uma coisa que eu acho bonita. Demonstra ser um homem sinceramente devotado ao bem, parecendo-lhe injusto amontoar experiências dentro de si mesmo, sem disso entregar um mínimo que seja aos contemporâneos que respiram. É, assim, o oposto de um acumulador avarento.

Qual dentre os seres humanos, neste século da busca do prazer e do carreirismo, pode sentir-se um servidor da humanidade, um amigo voluntário dos pobres, a não ser o escritor? Motivos para tanto ele possui, pois sente que, a partir do momento em que fizesse coisas apenas em benefício de sua própria pessoa, findado estaria o seu prazer pelo ato vivo da criação. À abnegação força-o alguma coisa secreta, algo que sem cessar insiste em rodeá-lo. Sacrifica, pois, aquilo que tem da vida? Enquanto outros riem, a ponto de lhes aflorarem aos olhos belas lágrimas cristalinas, ele permanece numa penumbra discreta, imbuído da missão que lhe sussura aos ouvidos: Estuda esta vivacidade, impregna-te firmemente dos sons desta alegria, para que possas, ao chegar à casa, descrevê-los e pintá-los em palavras!

Na vida, muitas vezes, o escritor é a assim chamada ridícula figura, em todo caso é sempre uma sombra, está sempre ao lado, ali onde aos outros se permite o indizível prazer de ocupar exatamente o centro, é com a pena incansável na mão apenas - às escondidas, portanto - que ele representa um papel. Mais ou menos assim se parece a escola na qual, subjugado por toda sorte de injustiças ofensivas e destituições, ele aprendeu a modéstia. No trato com as mulheres, por exemplo: seriamente empenhado, comovido pela causa a cujo serviço ele se encontra, como se vê o escritor obrigado à cautela, o que muitas vezes se torna bastante vexaminoso para a sua reputação como ser humano e como varão.

Agora começo a perceber porque as pessoas não hesitam em chamá-lo, ao escritor, um “herói da pena”; tal designação é trivial, mas verdadeira. Em seus sentimentos, tudo ele experimenta: ele é carreiro, estalajadeiro, arruaceiro, cantor, sapateiro, dama da sociedade, mendigo, general, aprendiz de banqueiro, dançarina, mãe, criança, pai, impostor, criador, amada. Ele é o brilho da lua, e ele é o murmúrio da fonte, a chuva, o calor nas ruas, a praia, o barco a vela. Ele é o faminto e o saciado, o fanfarrão e o pregador, o vento e o dinheiro. Cai, ao escrever, juntamente com a moeda de ouro sobre a mesa dos pagamentos: e ela (uma condessa polonesa) conta o dinheiro. Ele é o enrubecimento nas maçãs do rosto da mulher que se percebe amante, o ódio de um rancoroso mesquinho, em resumo, ele é tudo e precisa ser tudo. Para ele, existe uma só religião, um sentimento apenas, uma única visão de mundo: refugiar-se, atenciosa e gentilmente, na visão, no sentimento, na religião de outrém, se possível de todos. Ele está fora de si mesmo ao escrever a primeira palavra e, formada a primeira frase, a si mesmo já não reconhece.

Tudo isso, eu penso, só faz recomendá-lo...


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