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Artigos-->A Mora, a Padaria e o Eurico Miranda -- 18/04/2001 - 15:43 (Magno Antonio Correia de Mello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
No intrincado mundo dos conceitos jurídicos, nem sempre concepções evoluídas tem caráter renovador, nem sempre o conservadorismo ocupa o lugar do atraso. Por paradoxal que pareça, a afirmação encontra pelo menos dois exemplos claros na doutrina jurídica contemporânea: a consolidada dissolução da fronteira clássica que separava o direito público do privado e a corrente afinal amplamente vitoriosa que defendeu e obteve o fim da natureza “adjetiva” do direito processual, conferindo-lhe autonomia em relação ao direito material.



Para que não se fatigue o leitor com a transcrição de quase toda a literatura de direito existente, mencionem-se, pela intensa repercussão de suas obras no meio acadêmico, dois autores significativos, os profs. Caio Mário da Silva Pereira e Humberto Theodoro Júnior.



“(...) Não há cogitar, porém, de dois compartimentos herméticos, incomunicáveis, estabelecendo uma separação total e absoluta das normas públicas e privadas. Ao revés, intercomunicam-se com freqüência constante, tão assídua que muitas vezes se encontram regras atinentes ao direito público nos complexos legais de direito privado, e, vice-versa, diplomas de natureza privada envolvem inequivocamente preceitos juspublicos. (...)” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, V. 1, 6ª edição, p. 11).



“Vê-se, logo, que não pode o direito processual civil confundir-se com uma simples parcela do direito material, devendo ser afastada a antiga denominação de direito adjetivo, por designadora de uma dependência que a ciência jurídica repele peremptoriamente.” (Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, V. I, 22ª edição, p. 6).



Este despretensioso ensaio não tem a intenção de negar tais afirmativas, que cada vez mais se transformam em verdadeiros dogmas jurídicos. O que intento, de forma breve, é assinalar algumas conseqüências dessa “evolução” doutrinária, para mostrar de que forma se possibilita, por meio delas, a manipulação do sistema jurídico em prol de determinados grupos, movidos por interesse quase sempre escuso.



No campo da separação entre o público e o privado, registrem-se as recentes modificações levadas a efeito na Constituição da República, todas tendentes a tornar equivalentes a administração dos negócios do Estado e a gerência das padarias. Garantias fundamentais da população, que buscavam evitar que o Estado se visse refém de interesses privados, receberam a pecha de corporativistas, e terminaram eliminadas do texto constitucional. A ação do Estado em áreas economicamente estratégicas foi suprimida e entregue a poderosos monopólios ou a oligopólios privados.



No campo legal, nada se ajusta melhor ao espírito do novo ordenamento constitucional do que a Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, que prevê a transformação de entidades da administração pública federal em “organizações sociais”, expressão que disfarça muito mal o citado processo de “padarização” por que passam os serviços públicos mantidos pela União. Enfim, a sobredita quebra de barreiras entre o público e o privado se afasta da tendência que se verificava anos atrás, em que se assistia à progressiva publicização do direito privado, acomodando-se, nitidamente, no sentido contrário.



Quanto à quebra dos vínculos que uniam o direito processual ao direito material, reputa-se mera ingenuidade enxergar no caminho aí percorrido o resultado direto da discussão doutrinária relativa ao caráter da ação. A supressão do conteúdo “adjetivo” do direito processual não se vincula, ao contrário do que possa parecer, à conclusão de que a ação é um direito abstrato, não necessariamente vinculado ao direito material que o seu titular pretende ver garantido junto ao Poder Judiciário.



Essa questão é só a cortina de fumaça que encobre um conjunto de regras processuais voltado a sobrepor-se ao direito material. A grande corrupção do sistema processual vigente, ideologicamente sustentada em uma discussão doutrinária que sempre pareceu acadêmica, ocorreu a partir do momento em que se buscou no Judiciário a luz e o caminho em que deveria impor-se e sustentar-se o direito material vigente, ocasionando-se uma verdadeira inversão de valores, na qual sempre parece à pessoa cujo direito subjetivo é agredido um prejuízo pretender a prestação jurisdicional, de forma oposta ao que se verifica sob a ótica do agressor.



Demonstração prática do significado desse descaminho se verifica no art. 1536, § 2º, do Código Civil Brasileiro, no qual se determina a incidência de juros de mora somente a partir da citação, no caso de obrigações ilíquidas. Desse despropositado recurso ao processo, para definir os efeitos de algo atinente ao mundo dos fatos – a mora – e cuja disciplina deveria dar-se exclusivamente no campo do direito material, dessa verdadeira anomalia aproveita-se o legislador processual civil, para definir, entre os efeitos da citação válida, o de constituir em mora o devedor.



Ora, o marco inicial escolhido para o fenômeno é arbitrário e injustificável. Por que requerer a citação para fazer com que incidam juros de mora, se a mora – o evento justificador dos juros – ocorreu bem antes? É relevante observar que o sistema econômico prevê uma série de sanções de ordem prática, independentes de qualquer discussão judicial, para o consumidor – a parte fraca – que incide em mora. Quem teve o nome inscrito no famigerado serviço de proteção ao crédito ou no onipresente cadastro de emitentes de cheques sem fundos sabe a que me refiro.



Na prática, portanto, o que se verifica é a obtenção de um resultado curioso. A construtora, que não tem seu nome inscrito em cadastro algum, só pagará juros de mora a partir da citação, quando deixar de erguer o prédio prometido. O infeliz que acreditou na promessa sofrerá todas as conseqüências possíveis se seu carnê atrasar em uma reles semana.



A regra processual mencionada adquire, portanto, um inegável caráter ilustrativo. Na situação abordada, como no raciocínio do direito processual positivo como um todo, impera a máxima segundo a qual sempre é menos prejudicial pagar em juízo – e não se pode perder de vista que a fonte lógica dessa afirmativa surgiu quando se chegou à bendita conclusão de que o direito processual é um direito autônomo ao invés de adjetivo. Desse ovo de Colombo provém a concepção moderna do mundo jurídico, que se poderia resumir à constatação, há muito partilhada pelos grandes clubes de futebol, de que é sempre melhor ganhar no tapetão do que suar a camisa dentro de campo.

Ou, se não for possível a vitória nos tribunais, que pelo menos se consiga uma nova partida...





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