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cronicas-->A REALIDADE COMO ELA É -- 03/10/2005 - 10:07 (Jeovah de Moura Nunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A REALIDADE COMO ELA É



A propósito da novela "Anos Rebeldes" que despertou nos jovens o vírus da contestação, tomo a liberdade de passar o que testemunhei naqueles anos obscuros, mas que jamais saíram de um cantinho de minha mente. Não é uma narração completa, mesmo porque seria impossível fazê-lo aqui e também porque servi ao Exército em Brasília e fui povo em São Paulo. Os dois lados eram inversos naqueles dias. Por isso mesmo considero-me um pacifista. Se o que vi, marcou-me profundamente, o que poderia ser pior do que o testemunho de uma batalha vista por um soldado? E naqueles anos o inferno no Vietnã, Camboja, Biafra comia solto.
Na Argentina, aqui ao nosso lado, as chamadas forças de segurança devoravam homens, mulheres e crianças numa orgia de tortura e morte de trinta e cinco mil pessoas. Antes houve o caso chileno. Um presidente socialista eleito pelo povo, em regime de democracia, foi derrubado e assassinado por um general, o qual apossou-se do país e do povo como se fossem propriedades particulares. Nos bastidores iniciava-se a matança de jovens estudantes. Houve casos de emparedamentos de pessoas vivas, conforme relata um filme americano com muito realismo. E por ironia os próprios americanos financiavam essa barbárie.
No Brasil, embora de uma violência mais leve, (se é que podemos denominar assim), o anticristo também estava presente naqueles anos tenebrosos. E, diga-se de passagem, havia uma visível conivência religiosa. Os algozes tinham carta branca para fazerem o que bem entendiam. E do bem nunca entendiam, só entendiam do mal. Havia torturadores de todos os matizes. Alguns até com bíblias na mão. Faziam o preso político ler alguns trechos mosaicos e depois o pau comia. E não havia ninguém para socorrer o pobre diabo. A Constituição era como sempre foi apenas letras inexpressivas e sem nenhuma atividade real, servindo apenas aos interesses escusos de pessoas socialmente privilegiadas.
Residíamos eu, minha mãe e meus irmãos no bairro da Luz, perto de um Batalhão de Polícia, o "Tobias de Aguiar". Em frente ao batalhão e descendo alguns metros pela Avenida Tiradentes ficava uma cadeia. Não se podia passar pelas calçadas porque elas eram bloqueadas. Com as crianças ou menores não havia problema. E minhas irmãs menores que por lá passavam ouviam gritos estarrecedores.
As saídas de viaturas, carros brucutus e alguns tanques repletos de policiais da tropa de choque indicavam mais uma passeata de estudantes, (os únicos heróis deste país naqueles fatídicos tempos). E isto ocorria quase que diariamente. Os problemas políticos misturavam-se com a luta pela sobrevivência. Os empregos eram cada vez mais raros. A polícia prendia quem portasse Carteira profissional sem registro de emprego. Os empresários deitavam e rolavam sobre a infàmia vivida pelos trabalhadores. Bem por isso ainda hoje tem quem aprecie saudosamente a ditadura. Pelo que posso avaliar daqueles tempos, tínhamos os mesmos direitos de uma barata.
Participei de muitas passeatas ao longo de cinco ou seis anos. Fui paralisando após a institucionalização da violência que foi o AI 5, pelo fato dos companheiros de lutas pacíficas desaparecerem nos subterràneos da luta armada. Fiquei na dúvida: ou partia para a liberdade que a luta armada nos propiciava, ou ficava na escravidão de uma falsa cidadania em razão de minha mãe ser viúva e com filhos menores. É claro que fiz minha opção correta, pois ou estaria morto, ou desaparecido sem deixar vestígios e minha família também sofreria, posto que a ditadura além de cruel, corrupta e assassina também matava ou torturava as pessoas que eram parentes dos libertadores. Mas, sem dar importància a isso, a maior vantagem foi ter dado alguma assistência a minha família.
Contudo, ainda participava das poucas passeatas que aconteciam. Numa delas vi coisas que só tinha tomado conhecimento em files e livros. Era liderada pelo estudante Wladimir Palmeiras, um gênio na arte do discurso-relàmpago. Estávamos no Largo do Paissandu ouvindo os principais lideres, que mostravam a camisa ensanguentada de um estudante morto na véspera. Palavras de ordem se repetiam pela multidão de mais ou menos vinte mil pessoas. Todos jovens. Todos estudantes. Menos eu.
A polícia chegou. Havia policiais de choque e cavalarianos. A tropa de choque subia a São João e os cavalarianos desciam em nossa direção. Na praça já tinha uns duzentos policiais com cães pastores nos observando. Algumas moças choravam. Palavras de ànimo eram proferidas aqui e ali, mas o choque era inevitável, pois estávamos cercados. Tremi nas bases, mas mantive o moral elevado. Estava acompanhado por uma garota, uma beatnick daqueles tempos loucos...
Meus amigos leitores que me desculpem, mas na próxima semana continuarei com o "papo".

Jeovah de Moura Nunes

(publicado no jornal "Comércio do Jahu" de 04 de outubro de 1992 - página 2)


NOTA DO AUTOR:

Na outra semana o jornal não publicou o texto que dava continuação a esta matéria. Tentarei encontrar a cópia do mesmo, que deve estar no meio de uma montanha de outros textos que tenho desde mil novecentos e nada.
Fico devendo esta.

Jeovah

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