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Cronicas-->A GARRA QUINZISTA: UMA TRADIÇÃO -- 03/10/2005 - 10:03 (Jeovah de Moura Nunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



A GARRA QUINZISTA: UMA TRADIÇÃO



Desde garoto e residindo na cidade de São Simão, que conheço o XV de Jaú.
Naqueles tempos gostosos da infància, pelos idos de 1954 à 1957, conhecia-o pela imprensa falada e escrita e pelos almanaques de figurinhas. O timão de Jaú era tido e sabido como um dos melhores do país. Conhecia decorada a escalação. E engraçado, isto hoje já me foge na densa névoa da memória. Quem me ajudou a interpretar os rumores do passado foi o "seu" André, ex-funcionário do XV na época. Entre uma birita e outra no bar do João, o "seu" André que só bebe jurubeba gelada, falou, falou e desfiou todo o passado do XV. Conforme ouvia as muitas histórias do XV, pela boca do "seu" André, ia identificando os nomes e as épocas, numa viagem deliciosa pelo passado.
Lembrei-me por exemplo, que o Inocêncio era uma figurinha difícil. Em diversos álbuns ele vinha carimbado. Isto significava maior valor tanto do jogador como na contagem de pontos para os prêmios. Os jogadores mais falados nos meus tempos de garoto em São Simão eram além do Inocêncio, o Adãozinho, o Silas, Servílio e o Guanxuma. Eram considerados grandes craques. Outros jogadores haviam. Foge-me da memória seus nomes. Sempre foram enaltecidos pelo futebol que praticavam, pelas grandes jogadas, fazendo vibrar os estádios de muitas cidades.
A escalação do XV, aproximadamente pelos idos de 1958 era mais ou menos esta: Inocêncio (goleiro), Grita (beque-direito), Amil (beque-esquerdo), Servílio (alfa-direito), Ezo (alfa-esquerdo), Guanxuma (ponta-direita), Pinga (ponta-esquerda), Xé da Chiquita (meia-direita), Nestor (centro-avante), Silas (meia-esquerda) e Adãozinho (também meia-direita). O técnico era o Sr. Armando Renganesse. E o presidente do clube Zezinho Magalhães. Rogo minhas escusas aos "expert" do assunto. O que estou tentando fazer além de rememorar é reviver a garra quinzista do passado, a qual é muito parecida com a de hoje. Não ignoro o conhecimento de muitos jauenses daquela inesquecível escalação.
O próprio técnico Poy, que aí está, é contemporàneo de toda aquela turma. Embora como craque do São Paulo eu o idolatrava. Hoje esta grande figura causa-me admiração e respeito, além é claro da saudade daquelas jogadas travessas, (como goleiro), que causavam danos aos times adversários.
Tudo isso fazia parte e era do conhecimento daquele garoto de nove a onze anos, mesmo num lugar quase inacessível como São Simão, na região da antiga Mogiana. Naqueles tempos meu coração pendia um pouco para o Palmeiras. E quando o Verdão apanhava, chegava mesmo a chorar. Chorava pra aparecer à menina do bar do "seu" Zafanella, bom homem de sotaque italiano que passava o dia inteiro fazendo sorvetes. É que ela e todos da família eram palmeirenses verdes e como tinha eu esperanças, então... Mas, no fundo mesmo torcia pelo Corinthians. E no meu esconderijo secreto, naquele enorme casarão, onde segundo diziam, o bandido Dioguinho havia morado, pregava nas paredes de um velho armário embutido, as fotos de Gilmar, Olavo, Oreco e de todos os craques do timão do Parque São Jorge.
Nos dias de jogos o "seu" Zafanella ligava o rádio na Bandeirantes e o bar enchia. Havia torcidas de todas as idades. E sempre ouvia-se as façanhas do XV de Jaú.
Passou-se o tempo. Um dia meu pai anunciou solenemente nossa mudança para uma cidade com um nome pequeno: Jaú. Fiquei deslumbrado. Ia residir num lugar onde havia estádio. Onde os grandes times da capital jogariam. Iria conhecer os craques pessoalmente. Aquilo era demais. Não cabia em mim de contentamento. Aquela cidade de minha doce infància era doravante um tugúrio em relação à Jaú. Lá não acontecia nada importante como era o caso de Jaú.
No dia da mudança já fazia planos de virar quinzista. Não ia morar numa cidade de timaço? Por que continuar corintiano? Fingir ser palmeirense não havia mais porquê. Apreciava ainda a beleza loura da italianinha. Porém, estavade mudança pra Jaú. Então serei do XV.
Dito e feito. Uma semana depois que chegara já conhecia o estádio na vila XV. Estava sempre por lá observando os treinos e reconhecendo os ídolos a correrem atrás da bola. Mas, coisa estranha! Eles eram humanos, simples, com rostos comuns tão diferentes das fotos nas figurinhas. Fiquei encabulado. Esperava encontrar seres diferentes, superiores, como apareciam naquele colorido lindo das fotos! Deparei-me com rapazes comuns cheios de defeitos ao bailar com a bola, apesar do profissionalismo deles. Esta surpresa marcou muito em mim. Na minha ingenuidade, um jogador era um semideus, uma estrela, um homem fora do comum e capaz de qualquer super façanha.
Naqueles dias Pelé, um obscuro jogador do Santos, fazia os estádios virem abaixo com suas diabruras. Ele tinha dezessete anos. Um garoto! Um demónio! Os torcedores tinham receio do Santos, em razão daquele fenómeno ainda desconhecido.
Foi assim neste clima quando fui pela primeira vez assistir a um jogo em Jaú: XV x Santos. Que decepção! O Pelé marcou dois gols e o XV apenas um. Não era o XV contra o Santos. Era XV contra Pelé. Lembro-me da música "Estúpido Cupido" ressoando no alto-falante do estádio.
O público torcedor, a chamada galera, nunca vaiava seu próprio time. O apoio era irrestrito. Mesmo com toda a estrela de Pelé, a torcida não deixava o time sozinho. Se o Santos tinha Pelé, o XV tinha a torcida. E todos nós sabemos que 2 a 1 é um jogo difícil, muito disputado. Naquele dia, mesmo sendo um garoto, fiquei muito impressionado com a garra quinzista.
Hoje as coisas mudaram. Os dias são outros. A televisão reina. O corpo preso ao sofá vegeta horas, dias, meses. Os jovens não se interessam pelas jovens de maneira decente e com romantismo. As jovens desvalorizam o próprio corpo e envelhecem cedo. O sexo é livre embora ainda desconhecido. A juventude inverteu valores. Está amalgamada com os vícios, induzidos dentro do próprio lar, pelo sistema eletrónico, a tv., o vt., os jogos, as fitas pornós.
Quando vejo o XV de hoje parecido com aquele timão do fim da década de 50, com a mesma garra, com o mesmo amor à camisa, emociono-me e fico me perguntando por onde andará a torcida jovem? Um time quase criança, mas ousado, com muita força de vontade, lutador e sobretudo de garra. A mesma garra quinzista de 1958. com pinta de campeão, embora tropeçando aqui e acolá. No passado também tropeçava e entretanto a torcida lá estava a encher o estádio.
Já me disseram que os salários são baixos. A vida está cara e é difícil pagar ingressos tão caros. Não concordo com isso. Se a vida está cara, por que se bebe tanta cerveja? Cr$45,00 é o preço da loura gelada, a qual sou capaz de ingerí-la em dois minutos. Ora, qual é o indigente sem capacidade de adquirir um ingresso por Cr$100,00? E os bares vivem cheios de bons bebedores, reclamantes da vida e de seus salários.
Não devemos menosprezar um clube de futebol nos moldes do XV. Temos uma cidade. Temos uma igreja matriz radiante. Temos ruas arborizadas. Temos jardins ornamentados com as plantas mais exóticas do planeta. Temos o herói João Negrão. Temos a maior agricultura canavieira do país. Temos rádios, jornais, bancos, piscinas, clubes, etc., etc. Temos afinal o nosso time. Está desprezado. Está desdenhado sem merecer isto porque está aguerrido. Está correspondendo. Mesmo que fosse o lanterninha, jamais deveria ser desprezado porque é o nosso time.
Aqueles que torcem para os times da capital enganam a si próprios. A alegria, a explosão de felicidade seria tão grande, caso o XV viesse a ser finalista, que ofuscaria de longe a breve alegria de ver um time de fora campeão. Quem não se lembra do Internacional de Limeira naquela façanha inédita, pela qual vinha lutando há tanto tempo? A cidade praticamente renasceu, lavando a alma de seus cidadãos.
Um dia o XV chegará lá. E aposto que está perto este dia!
-Dá-lhe Galo!

(O artigo "A Garra Quinzista, Uma Tradição" foi publicado no jornal "Comércio do Jahu" nº 21.691 de 11 de maio de 1990 - sexta-feira).

COMENTÁRIO: O artigo acima, tratado pelo jornal "Comércio do Jahu" como simples "Carta do Leitor", causou enorme reboliço na época em Jaú. No dia seguinte 12.maio.90, um sábado, o jornal circulou com a seguinte manchete: "O XV DECIDE SUA CLASSIFICAÇÃO. VOCÊ ESTÁ CONVIDADO". Abaixo, ocupando meia página estava o comunicado de próprio punho do técnico José Poy: "Torcedores do Galo, contamos com a sua colaboração nesta partida de fundamental importància para a nossa classificação. Obrigado! José Poy". A seguir todos os jogadores autografaram a solicitação do técnico. É um exemplar que possuo de uma edição histórica. Naquela tarde de um sábado o XV faturou em cima do Juventus de 5 a 1. e o estádio estava lotado! Infelizmente por necessidades prementes de trabalho não pude assistir ao jogo, nem sentir de perto a repercussão pelo artigo que havia escrito, considerado pela redação do jornal apenas como uma carta de um leitor qualquer. E até hoje nunca esse jornal levou em consideração minhas matérias de jornalista, que hoje sou, oficialmente considerado apenas pelo Ministério do Trabalho.
É difícil ser nordestino e viver no meio de orgulhosos, com decendência italiana. Principalmente dos últimos imigrantes, que já haviam saboreados os costumes fascistas.

Jeovah de Moura Nunes
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