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Artigos-->O CHICO -- 11/12/2002 - 03:31 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em tenra idade, salvou-se de ser amassado na poltrona por um corpanzil que desabava. O embaixador Vinicius Moraes foi detido a tempo pelo pai da criança, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda.



Sempre fértil em artes, artifícios e artimanhas, Francisco prometia. De partida para a Itália, temendo não tornar a rever a avó anciã, um bilhete anunciava que seria cantor de rádio, que ela ligasse o rádio do céu e poderia ouvi-lo. Nas operetas compostas com Miucha, sua parte saía cantada de detrás da porta, para que soasse como no rádio.



Com o apelido de Carioca, também atendia por Chico Buraco, nas gozações dos colegas, ou Chicória, como queria o amigo Toquinho. Cronista do jornalzinho da escola, orador da turma, a música veio para ficar no final da adolescência. Shows de colégio, serenatas, botecos, rodas de violão, faziam pressentir o inevitável. Na efervescência da bossa-nova e com o despertar da agitação político-estudantil, "Marcha para um dia de sol" atraía os primeiros convites para apresentações e até programas de TV.



O primeiro cachê mereceu de Dona Amélia, a mãe zelosa, um comentário nada abonador: "Ganhar dinheiro com música, meu filho, que vergonha!".



Para sorte de um País inteiro, a vergonha haveria de se perpetuar pelos anos em fora. Por essa época, se perguntassem a Vinícius o que havia de novo, a resposta era: Chico Buarque de Hollanda.



Marchinha interiorana e sentimental, "A banda" aria dele uma unanimidade. Sem ser militar, essa marcha entraria para o repertório das bandas de música do mundo inteiro. Um feito.



Com os festivais, o sucesso, o karma de ver-se transformado em porta-voz de uma geração, símbolo da resistência contra a ditadura. Com o surgimento do Tropicalismo, Chico viu-se empurrado para o lado reacionário de uma história de polarizações. Pior ainda, tornou-se a vítima preferencial do sociologuês universitário emergente. Do outro lado, os militares e a censura. Uma carreira, uma vida em meio ao fogo cruzado, no fio da navalha a separar direita e esquerda.



Sonho do adolescente: tocar como João, compor como Tom e escrever como Vinícius. "Zíngaro" virou "Retrato em Branco e Preto" e "Gávea" passou a ser "Sabiá", que João Gilberto, entre tantos outros, incluiria em seu repertório.



Enciumado da parceria com Tom, Vinícius um dia lhe apresenta a letra que fizera para uma canção de Garoto. Queria uns retoques, mas Chico não via o que fazer. Tanta insistência, Chico fez mudanças quase imperceptíveis, tornando-se parceiro em "Gente Humilde". De posse da letra, um telefonema da Itália para Tom no Rio de Janeiro. Era Vinícius: "Tomzinho, agora o Chico também é meu parceirinho".



O evento Tertúlias desta noite no SESC vai ser recheado com essas e uma infinidade de outras histórias. Mas o Tertúlias é um evento literário. Vamos falar de um que hoje se sente mais escritor do que compositor popular. Pode?



Depois de "Chapeuzinho Amarelo" e "Fazenda Modelo", dos musicais "Roda Viva", "Calabar", "Ópera do Malandro" e "Gota d’água", só mais recentemente Chico viria a assumir o papel do literato, digamos, quase em tempo integral. Novo romance no prelo, a cabeça já se volta para o próximo CD.



Ler Chico Buarque é obviamente diferente de ler autores cuja existência se deve exclusivamente ao formato livro. É como se, com a recepção obviamente garantida, e para além das grandes qualidades literárias, seus livros já pressupusessem uma fantástica trilha sonora e uma ampla recepção de uma sensibilidade poética privilegiada, para não falar da fartura de dados sobre vida e carreira devassadas pelos meios de comunicação.



"Estorvo" e "Benjamin" nos remetem a um universo ao mesmo tempo tão familiar e tão estranho. O cenário é hiperrrealista, naquilo que a sociedade do espetáculo nos oferece de mais espetacularmente em ruínas, aos cacos. A vida das pessoas filtrada pelo olho mágico de um apartamento, câmeras de filmagem ou TV, ou perseguida na caótica justaposição de fotos e recortes de jornais espalhados pelo chão de uma sala, num subúrbio qualquer de um País em transe, que a música desse autor nos ensinou que é nosso, e passível de transformação.



Com o lirismo de "Ole Olá" e o engajamento social de "Pedro Pedreiro", Chico estava fadado a se confundir com um período histórico, um período heróico em que a nossa música popular, porta-voz dos anseios nacionais, para o bem e para o mal acabou se transformando em sigla: MPB. Em bares, coletâneas, tributos (ai de nós!), esse repertório ainda há de sobreviver ao desfilar das datas e à sua própria saturação.



Há quem queira ver neste momento de mudança de governo, e oxalá de mentalidade e postura para o conjunto da sociedade brasileira, a realização de algo que tantas canções anunciaram, o famigerado "dia que virá". Deixaremos de ser o País do futuro? Em todo caso, num País sem memória e quase sem livro, temos um período inteiro registrado em canções.



Esta noite no Sesc, vamos falar de um nosso poeta, cronista, teatrólogo, mas sobretudo de um autor de romances capaz de sobreviver ao mito em que se viu transformado. Ao som, é claro, dessa trilha de canções inesquecíveis. Vamos falar de um brasileiro que o País aprendeu a ter como referência poético-musical na busca de sua identidade: o Chico.







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Publicado no jornal Tribuna Impressa de Araraquara, na coluna Oxouzine desta quarta-feira, 11/12/2002. Tertúlias é um evento literário promovido por Chico Galvão no SESC/Araraquara.
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