É áspero, de educação tipo vai-e-vem, ora forçadamente delicada, ora agreste com propósito ímpetuoso. Logo que caído em íntima distracção, o descontrolo pessoal por vezes assume-se até ao desespero. O pior dos palavrões voa em direcção a qualquer alvo para demolir o suposto mal que misteriosamente o apoquenta. "É insuportável...", é a opinião unànime da maioria dos clientes que frequentam com assiduidade o típico cafezinho sito na esquina ideal da rua ideal.
"É insuportável... Mas eficazmente insubstituível. É quase a cem por cento o complemento de meus dois braços, porque não tenho quatro...", afirma convictamente o senhor Amaral, proprietário do estabelecimento há meio-século, sempre que alguém lhe faz algum reparo ao estranho comportamento do dinàmico empregado de mesa em plena terceira-idade.
Teodoro é de facto um ser humano a roçar o desumano. De bom, bem, não se lhe vislumbra uma nesga. Prefere silenciar-se a ter de dizer sim. É indivíduo de antecipado e radical não à flor da pele. É a antítese do razoável como servidor seja de quem for, um caso nítido de preconceito negativo em permanente equação. Todavia e excepcionalmente, é quiçá a pérola preciosa do senhor Amaral, um veterano e sabido comerciante cujo braço direito, no pulso, pesa à vontade trezentas gramas de ouro puro.
E lá vou eu à procura de "beMal", convicto de que a solução humana está na harmoniosa fusão do bem e do mal. Repare-se: o senhor Amaral e o Teodoro constituem um paradoxal par utilíssimo ao serviço da clientela que carece de convívio enquanto toma um café, lê o jornal, joga o dominó ou assiste em conjunto aos prélios futebolísticos na televisão.
- Ó Teodoro, já é a terceira vez que lhe peço um café...
- E parece-me que ainda terá de pedir mais três vezes...
Sacana do Teodoro. Apre, nunca mais morre e, quando morrer, se calhar ainda vai fazer muita falta. A vida e o mundo estão cada vez piores e, logo adiante, o que era deveras mau começa a florir em saudosa benesse.
António Torre da Guia |