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cronicas-->Quando a vida está por um fio -- 04/02/2005 - 00:33 (Fatima Dannemann) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando a vida está por um fio

Maria de Fatima Dannemann

Um dia, fui cobrir uma "guerra" entre duas facções opostas de uma
mesmo tribo indígena e posseiros e moradores de uma área reclamada pelos
índios no sertão baiano. Buscando a imparcialidade, e além disso sabendo que
todas as pessoas têm direito de dizer o que pensam, independente de ser o
certo ou o errado, procurei ouvir todos os envolvidos na questão. Os
posseiros me receberam com desconfiança. Uma das facções da tribo se mostrou
amável e respondeu a todas as minhas questões. A outra facção simplesmente
me cercou com guerreiros que apontavam arco e flexa para mim. Não tive
direito a ter medo. Apenas rezei para que se tivesse chegado a minha hora,
que eu morresse em paz... Escapei com vida, mas o susto me marcou até hoje e
agora está mais vivo do que nunca. Ao ler notícias sobre o desaparecimento,
morte e tortura que colegas meus, de todos os jornais do mundo, tem sofrido
na guerra insana que ora se trava entre Estados Unidos e Iraque, me vêm a
memória os momentos de aflição que passei numa guerra muito menor e mais
simples.
Nós, jornalistas, não temos direito a escolha. Somos enviados a
cumprir uma tarefa e não podemos dizer não. É como o médico, acho, obrigado
a salvar vidas independentes de simpatias pessoais. Talvez pior porque
enquanto os médicos ficam abrigados em seus consultórios ou em hospitais,
vamos ao campo de batalha, sem
direito a escolha, a medo, tendo que engolir calados tudo o que nos vêm a
mente, porque naquele momento, não somos seres humanos. Somos apenas agentes
a serviço do direito de informação. Em campo, o repórter, e mais ainda o
fotógrafo e o cinegrafista (estes se expõem muito mais que o jornalista de
texto e sempre disse isso aqui), têm apenas que seguir o que diz uma velha
música de Caetano: estar atento e forte sem ter tempo de temer a morte. E
entre todas as bizarrices humanas que somos obrigados a cobrir, denunciar e
acompanhar, está a guerra.
Nesse momento, muito se fala sobre crianças, mulheres, civis mortos
nos conflitos no Oriente Médio, e pouco se fala sobre os jornalistas que
estão lá. Vivendo momentos tensos, longe de suas famílias, sem muitas vezes
ter tempo de atender suas necessidades mais básicas como comer, dormir,
tomar banho, ir ao banheiro, sem ter condições de falar com a familia. Não,
não é queixa. Há o momento gratificante, no retorno à casa, quando tomamos
conhecimento de que nossa matéria foi lida e ajudou a população a saber o
que de fato aconteceu. É apenas preocupação. Digo: poderia ser eu, lá. Eu
torturada, presa, espancada, desaparecida, e até morta por soldados
iraquianos ou aliados, sabe-se lá de onde parte o tiro em certos momentos. E
são colegas meus. Gente como eu, com seus sonhos, seus planos de fazer uma
grande reportagem, sua sede de aventura (sim, nós jornalistas somos meio
malucos e adoramos o inusitado). Gente que nunca mais verá a luz do dia ou
que talvez fique mofando em celas de prisioneiros de guerra. Absurdo, gente.
Mas quem vê as imagens da guerra na TV, quem lê as noticias da guerra nos
jornais, revistas ou sites da Internet, nunca saberá o que um
jornalistasente. Sentimos tudo ao mesmo tempo. E, ao mesmo tempo não
sentimos nada. Não temos tempo. No momento em que o fato ocorre, nunca
pensamos em nós mesmos, mas em quem espera ler nossas matérias. Estranha
forma de desapego, por conta disso, muitos perdem a vida em guerras,
conflitos, revoluções.
Por isso, ao ler, ver ou ouvir uma notícia de guerra, por mais
cruel que ela pareça, lembre. Ali atrás da càmara, do monitor de vídeo, das
letras impressas numa folha de papel, existe um ser humano que abre mão de
si mesmo em nome da liberdade de informação...


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