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Artigos-->Um toque de classe -- 11/11/2002 - 08:59 (Carlos Luiz de Jesus Pompe) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
É inegável que há um conflito entre religião e ciência. Ao longo do desenvolvimento do pensamento humano, esse conflito chegou a assumir aspectos violentos e até sangrentos, com o cerceamento da pesquisa científica e a satanização de suas conclusões. Muitos investigadores pagaram com a vida pela ousadia de mexer com verdades eternas das crenças religiosas. Hoje a discussão entre os dois campos de abordagem da realidade continua de forma ainda grotesca nos Estados Unidos, onde fundamentalistas tentam impor nas escolas igual tempo de ensino para a versão bíblica da criação e para a visão científica do surgimento do mundo com o Big Bang e do homem através da evolução das espécies.

O paleontólogo Stephen Jay Gould, um dos mais respeitados divulgadores de ciência, falecido em maio de 2002, dedicou ao tema um de seus últimos livros, "Pilares do tempo, ciência e religião na plenitude da vida", lançado nos EUA em 1999 e publicado no Brasil, pela Editora Rocco, em agosto último. "Não vejo como a ciência e a religião podem ser unificadas, ou mesmo sintetizadas, sob qualquer esquema comum de explicação ou análise; mas tampouco entendo por que as duas experiências devem ser conflitantes", escreve.

O autor situa a ciência como "uma autoridade de ensino dedicada ao uso de métodos mentais e técnicas de observação validadas pelo sucesso e pela experiência e consideradas particularmente adequadas para descrever, e tentar explicar, a construção factual da natureza". Do outro lado do ringue, à religião cabe abordar questões que "se referem a problemas morais a respeito do valor e do significado da vida, tanto sob a forma humana como de maneira mais geral". Ele admite que essas questões são abordadas também por "muitas disciplinas tradicionalmente reunidas na categoria humanidades - muito da filosofia e grande parte da literatura e da história, por exemplo".

Gould propõe que as diferenças entre as duas abordagens, a religiosa e a científica, se dêem através do Princípio dos MNI, ou magistérios não-interferentes: "a esfera ou magistério da ciência engloba o mundo empírico: de que é feito o universo (fato) e por que ele funciona de determinada maneira (teoria). O magistério da religião engloba questões de significado definitivo e valor moral. Esses dois magistérios não interferem um com o outro, tampouco englobam todas as especulações (considerem, por exemplo, o magistério da arte e o significado da beleza). Para citar antigos clichês, a ciência se interessa pelo tempo, e a religião, pela eternidade; a ciência estuda como funciona o céu, e a religião como ir para o céu".

Confessando não ser crente, mas um agnóstico que identifica o ceticismo tolerante como a única posição racional, o cientista norte-americano se esforça por apresentar os argumentos dos religiosos e os dos cientistas em várias passagens marcantes da história, como a perseguição da Igreja Católica a Galileu Galilei, os ataques dos criacionistas contra Charles Darwin etc. Seu pequeno livro (185 páginas) investe contra a intolerância e o sectarismo, com riqueza de argumentos e elegância de estilo.

Gould se inscreve numa safra de cientistas recentes, em especial norte-americanos pós-Guerra Fria, que nega às investigações sociais o caráter de ciência - daí questões de caráter moral e outras "humanidades" ficarem restritas ao magistério da religião - e sequer leva em conta a existência de leis sociais (só a natureza tem leis). Num mundo assim idealizado, o debate entre a concepção metafísica e a concepção materialista (a colocação correta do embate, em termos filosóficos), entre religião e ciência, pode até ter implicações políticas, como a proibição do ensino da lei da evolução das espécies nas escolas ianques, mas jamais são levadas para o campo de interesses sociais profundamente arraigados entre as diferentes, e não raro antagônicas, partes constitutivas da sociedade.

Outra é a abordagem materialista da questão. Nesta, busca-se a quem serve, a quem beneficia determinadas idéias e concepções. A religião é vista como o primeiro e mais importante recurso moral com que se influencia as massas - e as massas são influenciadas para determinados fins. A estrutura econômica da sociedade em cada época da história constitui a base cujas propriedades explicam toda a superestrutura integrada pelas instituições jurídicas e políticas, assim como pela ideologia religiosa, filosófica etc., de cada período histórico. Explica a consciência do homem através de sua existência.

A ciência social não elabora um sistema o mais perfeito possível da sociedade, mas investiga o processo histórico econômico de que brotam as classes sociais e seus conflitos. E falar em classes é anátema!

Num momento em que é grande a ofensiva ideológica do pensamento único consumista e irracionalista, contudo, a proposta de Gould é um repto aos fundamentalistas e sectários de todos os credos. E arejar o debate só trará vantagens para a ciência - inclusive a ciência social, conjunturalmente tão depreciada.



Leia também Baú de ossos e ossos do baú.
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