Sozinho, pensando na vida, recordando fatos.
Então a constatação: passara a vida toda a empilhar sentimentos.
Um após o outro, esmagando o outro, pesando sobre o outro.
Desde a mais tenra infância, especializara-se em empilhá-los meticulosa e simetricamente.
Andava com cuidado pelo mundo, com medo de derrubá-los.
Agora, estava muito difícil carregar o fardo. A cada passo, o medo de perder tudo.
Havia de fazer algo com esta pilha. Mas ao longo dos anos não conseguira chegar à conclusão do que fazer.
Talvez conseguisse trazer o mundo da sensibilidade para o mundo da realidade.
Talvez trazer para sua vida uma celebração, deixando que a pilha se esparramasse pelo chão?
Conseguiria assim fazer aparecer o sentimento que trouxesse em si mesmo o conteúdo perfeito?
E se ao esparramar a pilha os sentimentos se perdessem, escorregassem, não parassem em canto algum? Se fossem redondos como bolas?
Como saber que formato teriam?
Perigoso. Ficar sem a pilha e sem sentimento algum seria catastrófico, tão acostumado estava a carregá-los.
Decidiu delicadamente colocar a pilha no chão de areia, mas sem largá-la por completo. Amarrou firmemente todos os sentimentos com um cordão de cipó, que achou perdido na praia. Sentou-se sobre ela. E ali ficou, mais um a pesar na pilha interminável.
Passaram-se dias, passaram-se meses, passaram-se anos. O tempo foi formando um escudo à sua volta. Como um casulo.
Lá dentro, protegido de sua própria pilha, continuou a ensimesmar-se, concentrado, recolhido, ponderando sobre o que fazer com o que havia acumulado pela vida inteira.
Tita Ancona Lopez
16/11/2006
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