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Contos-->Na hora do grito -- 29/08/2007 - 20:53 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Na Hora do Grito






Certamente que alguém poderia fazer-lhe algum bem; sua vida não parecia, mas era o próprio pesadelo. Noites infernais a atormentavam. Herdar uma fortuna quase incalculável duma hora para outra, sem se ter a menor experiência, constituía um desafio nem tão sereno: de indiozinho a grande cacique numa taba numerosa e ativa. Que metamorfose!
_E esse meu tio-avô, como conseguiu esconder-se de nós por duas gerações?
_Meu raciocínio não me deixou concluir, ainda, como tio Heitor pôde exercer tão fascinantemente essa arte. Talvez tenha se escondido n’alguma ostra.
_Mamãe, como era a personalidade dele?
_Não sabemos muito sobre ele. Viveu a vida inteira numa imensa fazenda paraguaia; de resto, o que me chegou aos ouvidos foi que fazia, sempre nos meses de dezembro, uma viagem de trinta dias à Suíça, onde, além de repousar o corpo, abastecia-se de um bom trocado.
_Sua fortuna, de onde proveio?
_Não sabemos; parece que andou traficando jóias preciosas de Minas Gerais para Berna. A vida de seu tio foi ensombreada, desnoticiosa, cheia de esquisitices. Um homem estranho, pronto!
_Formou-se n’alguma profissão?
_Que sabemos, não!
_E agora, como vamos comportar- nos com essa fofocada toda?
_Não temos dinheiro nem para comprarmos os bilhetes e avionarmos até a Suíça; emprestado não aceitarei; tomara que nos venha de lá certa ajuda.
_E se não vier?
_Aqui estaremos descompromissadas e vivendo a mesma vidinha de sempre: eu a dar aulas na Universidade e você a torrar meu último tostão e o resto de minha paciência. Assim é que devemos ficar. Não é assim nossa vida?
- Você pensa pequeno, mãe, por isso não tem conseguido muita coisa. Não cobra nem suas aulas particulares, dá a esses vagabundos que a procuram com a certeza da cumplicidade de sua generosidade. Vai estar sempre a marcar passos e regar uma extrema simplicidade de vida. Não admito. É-me pouco demais!
_Minha alma vive muito bem abastecida de Literatura, minha filha. Sonhei com isso a vida inteira; seus suspiros de ambição fazem-me sangrar de desgosto. Por que abandonou a sua faculdade de engenharia civil?
_Estou noutra, mãe: a grana, nela é que tenho pensado. Essa é que tem me interessado. Fará tudo por nós. Mudará nossas vidas: seremos ricas e felizes.
Viajaram para Berna uns quarenta dias depois. Nadir e sua mãe se prepararam para assistir à abertura do testamento deixado pelo milionário. A jovem é quem parecia apresentar maior ansiedade. A rapidez com que Nadir havia conseguido os bilhetes aéreos impressionara sua mãe. Mas assim mesmo voaram sobre nuvens até chegar à friorenta Berna: uma ansiosa, a outra feliz.
Toda pompa acompanhou a cerimônia de abertura do testamento. Elas duas, as únicas parentes achadas pelo serviço de inteligência suíço, já que se tratava de um milionário famoso e um dos homens mais ricos da Europa. Feita a leitura introdutória numa língua que as duas não dominavam, houve a necessidade de uma tradução para o Português, o que o tribunal tratou de fazer à risca.
Um homem alto, magro e de expressão rude começou a fazer a leitura do texto testamental, pausadamente e motivado pela científica frieza de quem já há anos cumpria os ritos de ofício.
“Reconheço Djalmira Serse de Lima e Nadir, sua filha, as duas únicas herdeiras vivas de minha fortuna. Deixo, então, tudo o que possuo, até o último suspiro de vida, para elas, não que possam usar em proveito próprio, mas promovendo a memória dos nossos familiares mortos, principalmente a minha, para quem reservo a metade dessa fortuna aqui evidenciada neste testamento. Nenhuma despesa das duas, de qualquer ordem, poderá ser paga com o dinheiro aqui deixado por mim neste documento. Que conste dele claúsula única, onde isso seja proibido indiscutivelmente.”
Escutou-se um grito enorme na sala. Nadir, inconformada com o que acabara de ouvir, lançou-se furiosa contra as autoridades presentes e teve que ser presa. Sua mãe, sem dinheiro e experiência para resolver em uma situação incomum, apesar dos apelos maternos molhados pelas lágrimas reticentes, Djalmira só pôde ficar em Berna, de favores concedidos por um zelador do prédio, por mais treze dias. Retornando ao Brasil, despertou-lhe uma fortíssima motivação para romancear esta história, o que a fez vitoriosa e, após três anos, pôde retornar à Suíça e resgatar da prisão sua filha que, vestida às cores da fama da época, naquela comunidade, pôde assistir à belíssima noite de autógrafos de sua mãe, com o romance “O grito”. Seu livro, alado, sobrevoou e pousou nas melhores livrarias européias e elas duas nunca mais retornaram ao Brasil, nem mesmo a passeio. A fortuna, não admitiram administrá-la da forma deixada pelo velho, conforme escrito no testamento. O best-seller levou-as às raias da vida pomposa sob bajulações constantes.
Na hora do grito, Nadir apanhou uma garrafa de licor argelino e quebrou-a no ombro do oficial do cartório. Quando deu por si, o grito acabado, pôde sentir que lesar na Europa é bem pior do que matar em Maceió.
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