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Artigos-->Quer ir para o inferno? Então, fique à vontade. Vá! -- 28/03/2001 - 04:14 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ulrike Haak entrevista o escritor japonês Haruki Murakami (DIE ZEIT online, 13/2001)

Trad.: zé pedro antunes



____________________________________



Nota preliminar do tradutor:



Dentro do que me foi possível, tratei de arriscar uma tradução aproximada para os títulos das obras. Desconheço qualquer tradução delas para o português e é a primeira vez que leio a respeito. Depois de ler a entrevista, achei que seria um belo objeto para os meus exercícios diários de tradução. Achei que ela poderia interessar igualmente a alguns leitores brasileiros, em especial aos meus amigos autores/leitores do usinadeletras .



Muito festejado e comentado na Alemanha e no resto da Europa atualmente, Haruki Murakami tem muito a nos dizer sobre o Japão dos dias que correm, sobre o fascínio americano, sobre as tradições japonesas e a visão japonesa do ocidente, da Europa.



Ao longo da conversa, abordam-se ainda assuntos de grande interesse para os estudos literários: os procedimentos literários, a mimese, a influência, a busca pessoal e a responsabilidade social na literatura, além de considerações bastante esclarecedoras sobre o próprio fazer da tradução.



Representante da geração da revolta estudantil de 1968/69, outro tema bastante atual no cenário alemão dos dias atuais, Haruki Murakami julga chegado o momento de uma nova reflexão sobre o seu país.



A retomada, na Alemanha, da reflexão sobre os acontecimentos de maio de 68 pode ser um sinal de que alguns temas estão retornando à ordem do dia. Mais um pouco, tomara que sim, também estaremos retomando a reflexão sobre esse ano, que, o título do livro famoso já o dizia, ainda não terminou.



___________________________________





DIE ZEIT: Para começar, três perguntas breves. A primeira: Onde o senhor gostaria de viver?



HARUKI MURAKAMI: Neste exato momento, eu gostaria de viver no Japão. Por um tempo. Eu não sei por quanto tempo. É tempo de eu viver no meu próprio país, pois eu vivi muitos anos nos EUA e na Europa.



ZEIT: Qual é, no momento, a sua música preferida?

MURAKAMI: Eu ouço quase todo tipo de música.



ZEIT: O que mais gosta de comer?

MURAKAMI: Gosto de legumes. E de peixe. Soba, Tofu. Eu não gosto de comer carne.



ZEIT: O seu romance "Gefährliche Geliebte" [Amantes perigosos], foi recebido com reservas na Alemanha. A culpa, como se sabe, foi

da tradução a partir do inglês americano.

MURAKAMI: Eu me perguntava por que, na Alemanha, não se podia encontrar um tradutor para traduzir diretamente do japonês para o alemão. A Alemanha é, sem dúvida, um grande país, e lá existem tantos intelectuais. Eu achava que seria fácil encontrar alguém que soubesse ler e escrever o japonês e o alemão. O senhor não acha?



ZEIT: Acho que sim. O senhor sabia que o romance seria traduzido não do japonês, mas do inglês americano para o alemão?

MURAKAMI: Eu não tinha idéia de que pudesse acontecer, por isso deixei de conferir. Se a editora tivesse me perguntado, teria sugerido que encontrassem um tradutor do japonês.



ZEIT: Na Alemanha, o livro foi tratado o tempo todo como um romance erótico, e o senhor ficou sendo considerado um autor generoso, que descreve cenas de amor numa linguagem rude. Mas no original as expressões não são, nem de longe, tão duras.

MURAKAMI: Quando eu escrevo sobre a sexualidade, procedo muito cuidadosamente. Escrevo, circunscrevo, reescrevo, até ter encontrado a melhor expressão, a palavra melhor. Meu livro não é um romance erótico. É a história de seres humanos que, desesperada e seriamente, procuram por alguma coisa. Por amor. Portanto, é uma história muito séria, uma história muito triste. Às vezes, as pessoas não conseguem escapar a suas vidas. Era o que eu queria contar. O protagonista ama duas mulheres. Precisa se decidir. E ele o faz. É uma história triste. Algumas passagens são eróticas, essa era mesmo a minha intenção. O erotismo é um motor, para se levar adiante uma história. Tanto quanto eu sei, as pessoas na Alemanha falaram apenas sobre uma única passagem no romance. Acho lamentável. Quando surgiu o meu romance "Norwegian Wood", houve no Japão um escândalo semelhante. O livro vendeu dois milhões de exemplares. Supunha-se que pudesse haver conseqüências sociais. Daí, a crítica.



ZEIT: O romance Norwegian Wood surgiu na Alemanha sob o título "Naokos Lächeln" [O sorriso de Naoko]. Que significado tem para o senhor o título de um livro?

MURAKAMI: Na maioria dos casos, de um romance, eu costumo ter primeiro o título, sendo "Norwegian Wood" a única exceção. Eu escrevi o romance primeiro e depois procurei um título. Mas, normalmente, eu tenho primeiramente o título na cabeça, e me comporto como um passarinho que está chocando um ovo.



ZEIT: O senhor começou a escrever com 29 anos. Nos seus livros, as pessoas estão no final dos 20, quase com trinta anos de idade. É uma idade mágica?

MURAKAMI: Quando eu completei 30 anos, eu pensei: eu preciso, sem falta, fazer alguma coisa para mim mesmo. Por isso, comecei a escrever. No Japão, aos 20 anos a pessoa é considerada adulta, mas a idade de 30 anos é o ponto mais importante da existência. É preciso decidir que tipo de vida se vai levar.



ZEIT: Seus heróis estão sempre à procura de alguma coisa, e se tem a impressão de que não estão procurando apenas pelo gato perdido, como em Mister Aufziehvogel, ou pelo sono, como em "Wilde Schafsjagd" [Caça selvagem às ovelhas]. Do que é que essas pessoas, na verdade, estão à procura?

MURAKAMI: A busca é uma metáfora. Feliz de quem é capaz de se entregar à busca. Ela atribui à vida um sentido. Hoje em dia não é tão fácil de achar alguma coisa para se procurar. O mais importante, no entanto, é o ato da busca, o caminho que se deixa para trás. Para onde ele conduz, isso não é tão importante. Portanto, os meus heróis procuram constantemente por alguma coisa, talvez apenas por um gato, uma ovelha ou uma mulher, mas não deixa de ser o começo de uma história.



ZEIT: "Norwegian Woods" surgiu no Japão em 1987, onde se tornou um best-seller. Quase todo mundo leu esse livro. O sucesso foi determinante para que o senhor, por alguns anos, não pudesse mais viver no Japão. De que o senhor tinha medo?

MURAKAMI: Eu não sou uma pessoa sociável. Gosto de ler, gosto de ouvir música, gosto de viajar. Eu quero viver em paz e me concentrar na escrita. Não apareço na televisão, não assino contratos e não dou entrevistas, quase nunca. O livro vendeu simplesmente bem demais. Eu me tornei uma celebridade. E me sentia mal. Por isso, fugi do Japão. No total, vive sete anos no exterior e, lá, escrevi quatro romances.



ZEIT: Por que o senhor tornou a voltar?

MURAKAMI: Porque este é o meu país. Não posso fugir de minha cultura, de meu idioma.



ZEIT: Então, os conceitos “pátria” e "país natal” significam alguma coisa para o senhor?

MURAKAMI: Todo mundo sente amor e ódio por seu país. Às vezes, eu amo este país, às vezes, eu o odeio. Mas eu me sinto responsável pelo meu país, pela sociedade. Especialmente depois do terremoto em Kobe e do atentado no metrô de Tóquio com o gás sarin. Ambos os acontecimentos foram pontos de mudança na história japonesa do pós-guerra. Neste momento, no Japão nós nos sentimos numa espécie de caos. Ninguém sabe para onde ele está nos levando. Qual é o objetivo, quais são os valores da nossa sociedade? Eu penso que deveria ajudar, colaborar para que se reencontre este sentido, estes valores.



ZEIT: Yukio Mishima e Kenzaburo Oe são exemplos conhecidos de escritores japoneses que sentem ou sentiram responsabilidade por seu país. Algum tipo de afinidade entre o senhor e esses dois escritores?

MURAKAMI: Eu não sei. Seguramente, é uma questão de caráter. Eu sou um individualista, minha vida inteira fui assim, e me interesso apenas por minhas circunstâncias pessoais. Mas, ao mesmo tempo, sinto uma urgência muito forte fazer algo pela sociedade. Meu tempo de estudante coincidiu com as revoltas estudantis de 1968/69. Éramos jovens e incrivelmente idealistas. Esse tempo passou, como passou também o idealismo. 30 anos depois, eu penso, já é tempo de voltarmos a refletir sobre a nossa sociedade. Todavia, eu o faço de um ponto de vista estritamente individualista.



ZEIT: O Senhor tem uma maneira toda própria de permitir que palavras e expressões coloquiais do inglês americano se incorporem ao seu idioma. O que o fascina na cultura americana?

MURAKAMI: Todo mundo me pergunta isso.



ZEIT: Peço desculpas.

MURAKAMI: Nenhum problema. Quando criança, quando adolescente, gostava de tudo o que era americano: filmes, música, livros. Era a década americana, os anos 60, e todo mundo era fascinado por esse reluzente e fantástico mundo americano. Era um sonho, uma saída para fora de um mundo no qual eu vivia. E eu odiava, não lida nada da literatura japonesa. Ao completar os meus 30 anos, eu queria escrever alguma coisa e passei a adotar, então, as estruturas narrativas americanas, de Raymond Chandler, Kurt Vonnegut. Eram apenas as estruturas que eu adotava. E passei a preenchê-las então com minhas próprias histórias.



ZEIT: Um método tipicamente japonês: unbefangen, procurar numa outra cultura o que se acha bom, para em seguida dele apropriar-se, de modo a surgir algo de novo. O senhor não se sente às vezes perdido entre as culturas, entre o leste e o oeste?

MURAKAMI: Não. Eu adotei apenas algumas coisas das culturas estrangeiras, tendo-as usado para criar o meu próprio sistema. Este é o meu caso inteiramente pessoal. O meu sistema para escrever, eu o refinei cada vez mais pelos anos afora, e os meus livros foram ficando cada vez mais fortes, cada vez melhores. Eu não perdi um só pedacinho da minha identidade japonesa, no caso.



ZEIT: Com esse seu modo de escrever, o senhor é o único no Japão?

MURAKAMI: Acho que sim. Eu sou também tradutor. Eu traduzo literatura americana para o japonês. Traduzir é um trabalho manual, mas, concomitantemente também, um ato criativo. Nesse estreita conexão entre traduzir e escrever, eu desenvolvi o meu estilo, um estilo todo especial.



ZEIT: É com extraordinária facilidade que o senhor permite a entrada, em suas histórias, de elementos sobrenaturais, de elementos fantásticos. Esta maneira de escrever possui também algo de tradicionalmente japonês. Eu penso na religião oficial japonesa, o Xintoísmo, uma crença panteística, que, em muitos fenomenos naturais e cotidianos, supõe seres divinos. Portanto, o uso desses elementos sobrenaturais, de ficção científica, é algo, na realidade, bastante japonês?

MURAKAMI: Nós estamos rodeados por uma quantidade incrível de deuses aqui no Japão. Minhas histórias são como uma floresta profunda e escura. Cada vez que eu escrevo uma história, eu adentro esta floresta profunda e escura, e passeio um pouco por ali, dias, semanas, meses, anos, e aí eu torno a sair dela outra vez. É provável que exista uma quantidade imensa de deuses nessa floresta. E todos esses deuses ocupam posições iguais. Na América, existe somente um Senhor no céu. Ele é a existência absoluta. Já em nosso país não existe um Senhor no céu. Nossos deuses se acham diretamente ao nosso redor. É bastante democrático. O senhor conhece a história de Orfeu?



ZEIT: Sim.

MURAKAMI: Orfeu desce ao inferno para ver sua mulher, que tinha morrido. No Japão, temos uma história semelhante, uma espécie de mito. Orfeu teve, na verdade, enormes dificuldades para alcançar o inferno. Teve de passar por algumas provas, cantar canções e assim por diante. No Japão, ao contrário, é muito simples descer ao inferno. Quer ir ao inferno? Então, por favor, vai! Também nas minhas histórias é muito simples alcançar o mundo sobrenatural. Ele existe ao mesmo tempo e paralelamente ao mundo visível ao nosso redor.



ZEIT: Em um de seus ensaios, o senhor escreve que nunca teve a oportunidade de vivenciar algo de extraordinário.

MURAKAMI: É verdade. É uma vida chata.



ZEIT: Qual foi, então, a experiência mais empolgante em sua vida até aqui?

MURAKAMI: Foi o instante em que comecei a escrever. Fiquei tão feliz quando isso aconteceu! Mas, afora isso, minha vida é bastante mediana, nada de especial.



ZEIT: Mas a verdade é que o senhor tem uma boa vida! Escreve, viaja.

MURAKAMI: Escrever é a melhor coisa da minha vida. Vivo tão feliz por poder escrever, e mais feliz ainda em saber que as pessoas esperam pelo momento de ler os meus livros. É um milagre. E eu acredito dever um agradecimento a alguém. Mas não sei a quem. Talvez a Deus?



ZEIT: Em seus livros, algumas pessoas procurar a morte voluntária. É assim em Naokos Lächeln e em Wilde Schafsjagd. O suicídio tem um significado todo especial na sociedade japonesa.

MURAKAMI: Eu não sei por quê. Mas alguns de meus amigos se mataram. Morreram muito jovens. É de uma tristeza horrível. Às vezes, eu penso que deveríamos ter envelhecido juntos. Mas eles morreram e vão permanecer jovens para sempre. Na sociedade japonesa, o suicídio não é considerado um crime. Muitas pessoas pensam que nós temos o direito de nos matar, que é nossa a vida. E a sociedade tem compreensão para com isso. Na Europa, o suicídio é um pecado. No Japão, não é assim. Neste país, muitos pensam o suicídio como um ato romântico. Decidiram que esta vida não vale a pena ser vivida, portanto, se matam. Eu me pergunto também muitas vezes, qual o valor e qual o sentido da vida. Às vezes, é difícil viver neste mundo, mas eu acho que preciso viver, o máximo que eu puder.



ZEIT: Daria para se pensar que o senhor não é uma pessoa muito feliz. O senhor tem um sonho de felicidade?

MURAKAMI: Meu sonho de felicidade é liberdade. Mas este sonho não pode ser concretizado. Ninguém pode se sentir livre neste mundo.



ZEIT: O senhor falou ainda há pouco sobre a amizade. O que representam os bons amigos?

MURAKAMI: Bons amigos é coisa difícil de se encontrar, e mais difícil ainda de se preservar. Os amigos, pode ser que eles já tenham ido embora, mas permanecem as recordações, e elas são como um fogo que arde no meu íntimo, um fogo no qual, em noites particularmente frias, eu consigo me aquecer. É isto a amizade.



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Obras de Haruki Murakami disponíveis em traduções para o alemão:



"Naokos Lächeln" [Norwegian Wood]. Nur eine Liebesgeschichte [Apenas uma história de amor]; traduzida do japonês por Ursula Gräfe; DuMont, Köln 2001; 428 pp., 46,- DM



"Gefährliche Geliebte" [Amantes Perigosos]. Romance; do inglês por Giovanni e Ditte Bandini; DuMont, Köln 2000; 230 pp., 39,80 DM



"Der Elefant verschwindet" [O elefante desaparece]. Narrativas; do japonês por Nora Bierich, entre outros; Rowohlt, Reinbek 2000; 192 pp., 12,90 DM



"Hard-boiled Wonderland und das Ende der Welt." [O país das maravilhas bem fervido e O fim do mundo] Romance; do japonês por Anneliese Ortmanns und Jürgen Stalph; Suhrkamp, Frankfurt/M. 2001; 542 pp., 27,90 DM



"Mister Aufziehvogel". Romance; do inglês por Giovanni e Ditte Bandini; Goldmann, München 2000; 764 pp., 25,- DM



"Wie ich eines schönen Morgens im April das 100%ige Mädchen sah". [De como eu, numa linda manhã de abril, vi a garota 100%] Narrativas; do japonês por Nora Bierich; Rowohlt, Reinbek 2000; 224 pp., 12,90 DM



"Wilde Schafsjagd". [Caçada selvagem às ovelhas] Romance; do japonês por Anneliese Ortmanns und Jürgen Stalph; Suhrkamp, Frankfurt/M. 1997; 306 pp., 19,80 DM



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