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Cronicas-->CACAVEIRAS, CAVEIRAS, CAVEIRAS... -- 19/11/2004 - 22:37 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CAVEIRAS, CAVEIRAS E CAVEIRAS...

Francisco Miguel de Moura
Escritor, da APL


A seca nos sertões do Nordeste é cíclica, previsível. Mas nunca foi tratada assim. É sempre inesperada, como um castigo de Deus para o pobre homem do campo, que não dispõe de nenhum meio tecnológico para combatê-la. Para os governos e para aqueles que integram a classe governamental, de uma forma ou de outra, contribuindo com a concentração da economia e das rendas nas mãos de poucos em detrimento dos milhões, etc. etc. desde Tomé de Souza, o primeiro Governador Geral deste país até hoje, tem sido meio para enriquecer, para arranjar votos, para aparecerem como os bonzinhos, os humanitários, os caridosos.
A notícia que nos faz ficar mais indignados: A tevê informa que o Governo tirou enormes verbas da SUDENE e de outros órgãos da Região Nordestina como DNOCS, DNER, para tapar buracos dos juros das dívidas do Governo, quem sabe até para socorrer banqueiros - coitadinhos! - endividados.
Enquanto assim, o Nordeste se debate com o terrível flagelo: sol, poeira, caveiras, caveiras de animais, pessoas esqueléticas, meninos morrendo de fome, velhos trópegos pelas estradas em busca de água e de um pouco de alimento para matar a fome, e não encontra nem os mais agrestes, como mandacaru, xiquexique, palma. Nem animais como lagartos, calangos, etc. Pelas roças, estradas e caminhos, só carcaças de gado vacum e outros espalhadas pelo chão, mortos de fome e sede. Morto o campo, desolado o homem, sem esperança de chuva nem de vida. A cor cinza cega os olhos de qualquer cristão que passar por ali. Aliás, nem é necessário. A televisão-verdade, através de seus jornais diários, está mostrando aos olhos esbugalhados dos habitantes de outras regiões deste imenso país rico, tão mal administrado.
De vez em quando, em meio a sacos e pacotes de víveres enviados por pessoas generosas, condoídas da situação, aparecem os políticos criticando os saques a armazéns, condenando um ou outro sem-terra que, na sua marcha, acompanha o que se passa pelo Brasil, dá apoio aos seus irmãos desafortunados. E aí são detectados pela Polícia desse governo terrível, inqualificável.
Na TV Record, Boris Casoy, um deslumbrado do Fernando Henrique Cardoso, confunde os telespectadores sobre o que é saque por necessidade, por fome, enfatizando que há os saques políticos. Meu Deus, a política contra a fome é uma só. Tudo para matá-la. Não vamos com didática de ideologias. Já não há ideologias. Quando havia direita e esquerda, a fome não tinha mão nem contra-mão. A fome era e é um flagelo. Como diria mamãe, «fome tem cara de herege». É assassina, mata animais e mata gente. Mata seu irmão, mata crianças que poderiam ser seus filhos. Mata mulher e mocinha, mata moços e velhos.
Se querem saber como agir com fome, eu darei um exemplo pessoal, de uma clareza meridiana. Como venho da zona rural, onde passei minha infància, onde sofri minha meninice, e posso dizer que sofri fome, então me lembro muito bem que a ordem era esta. Não mentir, não furtar nem roubar. Mas, se estiver como fome e for passando por algum sítio onde haja comida, apanhar essa comida na quantidade suficiente para matar a fome, beber de uma fonte apenas para aplacar a sede - não é pecado. Levar, sim, pode ser. Deus não quer que seus filhos passem fome e sede. De forma alguma. Os bens, todos eles, são menores que o bem maior, que é a vida.
Então, está escrito: Quem confunde o que é certo com o que é errado, este peca. Peca contra o Espírito Santo, que é pecado sem perdão. Tudo porque o pecador não deseja ser perdoado.
Só quem sofreu fome e sede sabe avaliar o que isto representa. Nordestino sofre há muito tempo e é determinado. Não pede. Tem dignidade. Trabalha. Quer serviço, quer ganhar. Mas, na hora de deixar seus filhos morrerem de fome, aí não. Eles não pensam duas vezes. Vão à fonte. Agarram o alimento onde ele estiver. Nordestino tem fibra, não teme a morte. Não teme nada. Nem o demónio.
Uma das histórias que mais me chocaram foi contada por minha mãe, a de uma mulher - ainda jovem - morta na seca de 77, do século passado. Já vinha aos trancos e barrancos. Morreu debaixo de um imbuzeiro, sem folhas, ao sol e ao calor da intempérie da seca, de pura inanição. Vinha não sei se do Ceará ou Paraíba. O restante da família ainda póde ser acudida por minha avó materna, mãe Ana.
No imbuzeiro da morta havia uma cruz debaixo.
Seca, grande flagelo que bem poderia ser evitado, se os governos do nosso país tivessem vergonha. Não somos a África negra. Somos um país onde sobram alimentos, sobram máquinas, sobram capital e gente com fibra para o trabalho. Sobra terra. Sobra água no subsolo. Sobram rios que podem e devem ser açudados. Sobra tudo. E tudo se desperdiça. Quando chega a hora extrema, o próprio governo lança mão de campanhas publicitárias a seu favor, adquire votos com essa terrível indústria da seca. Tudo tão lamentável. Seria cómico se não fosse trágico. É o horror dos horrores.
Que dizer da fome crónica, secular, no Nordeste e noutras regiões menores do país? Fome que faz o homem brasileiro dessas regiões candidatar-se ao fracasso, por causa das doenças, da fraqueza, do físico. Por causa do analfabetismo, da falta de assistência à saúde na hora mais necessária - a infància.
Esse é um governo criminoso. Nesse sentido, todos os governos passados participam desse crime de lesa-pátria, de desumanidade. Só tivemos governos criminosos.
Seca, solidão, desgraça, fome, sede, desesperança. Carcaças, caveiras, espectros de gente, cemitérios!.. Que globalização é esta?
Dessa forma, Brasil, jamais serás um país de mundo desenvolvido, de mundo moderno. Queira Deus não voltemos aos estágios primitivos da África negra.
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