Doutor Tiziu
Em Barra do Piraí, RJ, havia duas figuras que se destacavam na comunidade. Uma delas era o senhor Garcia, importante gerente de uma multinacional farmacêutica com sede no Rio de Janeiro; a outra figura era o Tiziu, um negrinho recadeiro e prestativo que perambulava pelas casas de comércio e bares da cidade. A diversão preferida do senhor Garcia era exibir o seu poderio econômico, contar suas façanhas, seus feitos de homem rico em muitas viagens através dos continentes e dos sete mares. Era um pernóstico exibido, muito diferente dos pobres mortais de Barra do Piraí. A cada final de ano, quando menos se esperava, lá surgia ele contando as suas vantagens, diminuindo ainda mais a auto estima dos ouvintes das suas histórias. O Tiziu, por sua vez, continuava na mesma miséria de sempre, gostava de narrar jogos de futebol imaginários, imitava locutores famosos como Fiori Giglioti ou Ari Barroso. Assim, ganhava uns trocados e ia tocando a sua vida de pobre. Um certo dia, porém, o Tiziu desapareceu dos lugares costumeiros da cidade e nunca mais foi visto por ninguém. Alguns chegaram a dizer que ele tinha sido morto por traficantes, outros que ele tinha ido para São Paulo trabalhar como motorista de ônibus ou de taxi. A verdade é que o Tiziu nunca mais foi visto na Barra do Piraí.
Passaram-se os anos, muitos anos. Depois de um bom tempo ausente, o senhor Garcia reapareceu para nos contar uma novidade. O homem parecia estar desconsolado, frustrado mesmo, e nos revelou uma incrível história. Contou-nos que fora dar mais uma volta ao mundo e, quando estava passeando com a sua esposa no zoológico de Berlim, a capital da antiga Alemanha Oriental, ouviu alguém gritar e chamar pelo seu nome: “Garcia!... Garcia!... Alô seu Garcia!...”
Era impossível que algum conhecido brasileiro estivesse por lá berrando pelo seu nome, ainda mais com tanta intimidade e num lugar tão longe, no interior da Alemanha Oriental, então comunista. Ah, mas o mundo tinha ficado pequeno, não era mais o mesmo! Agora qualquer um “porqueira” já podia viajar e desbravar os continentes, cruzar os sete mares. Que grande decepção para o Garcia! Os homens ricos e todas as pessoas nobres como ele agora precisavam inventar novas coisas para fazer, novos lugares para desbravarem. Senão como esnobar sobre os pobres mortais, narrando a eles as suas aventuras através do mundo?
A surpresa do Garcia foi realmente muito grande, não era um pesadelo que estava tendo. Ali, do outro lado da rua, um negrinho simpático e elegantemente vestido gesticulava na sua direção. Era o Tiziu, aquele “porqueira” de Barra do Piraí. Ô raiva!...
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