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BÚZIO INCAUTO
Quando nasci ele tinha 15 anos,
dealbava para o cume
cercado de abismos,
indiferente à queda no tempo.
Que é dele, aonde pairará agora?
Como verá as pessoas
quando espreita cá pra fora,
se ainda espreita a dúvida?
Terá deixado de fumar,
de encher-se de veneno revigorador
ou presiste comprazer-se,
ausente dos prazeres saudáveis
que cada vez mais aguçam a dor?
Aquele «homem que pensou
com uma pedra na mão
transformá-la num pão
transformá-la num beijo»,
permanece ou não no desejo
de alicerçar a casa e erguê-la?
Entre tantos escombros
ao redor do derradeiro ninho
o pássaro exausto de voar
soerguer-se-à sempre de novo,
febril passarinho
que parece desfalecer
aquém de viver?
E os versos,
os versos que trespassam paredes,
que escapam às redes
e engolem os anzóis
com a linha cortada
pelos dentes cerrados,
surgirão como golfinhos
à flor das águas?
António,
vem aí Outubro
balanceando o peso dos ramos
para o lado da rosa,
flor na trincheira das letras
perfumando a aragem do Outono
durante a morte dos frutos.
Aquele «homem que parou
no meio da sua vida
e se sentiu mais leve
que a sua própria sombra»
já levita,
ascendente ziguezagueando
para fundir-se nos raios da luz
além, muito para além
do tenebroso paradoxo da existência
em português e enfim livre da liberdade.
Desculpe-me, Mestre, a sinceridade,
um búzio incauto sopra-me a verdade
e por isso me antecipo à lonjura
antes da hora do meu silêncio.
TdG - Porto - Portugal
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