“Vá dormir, senão o Papa-figo vem pegar você!” -fala a velha ofegante, para o menino teimoso.
Ossuda,olhos quase fechados de tanta lenha que já carregou, mãos trêmulas.Na parede uma réstia, na mesa uma tigela marrom e, no canto da casa a cachorrinha chamada Xuxa dormindo ao lado da vassoura de piaçava.
Após a preleção, acende duas velas no oratório.Beija um santo de madeira, murmura frases de fé decoradas e se prepara para apagar as velas. Morrendo de sono, apaga a primeira.No oratório, junto aos santos, a foto antiga de Luiz Gonzaga e a de Roberto Carlos, que ganhou em 1968 da sobrinha que morava em São Paulo à época.Dizem que nas jovens tardes de domingo a menina se casou com um rico industrial e foi embora para o estrangeiro.Recentemente apareceu para rever os parentes, não sabe mais falar o português.Trabalha tirando a roupa e é atriz de filme pornô.Algo assim.Passou por São Paulo, nem lembra mais de Alagoas.A velha nada sabe disso, só guarda de lembrança a foto do Roberto Carlos.
O papa-figo amedronta.É um ser diabólico que existe mesmo, não é invenção dos velhos, é coisa feia, tem gente que já viu.Veio lá dos fundos de Alagoas, uns dizem.Outros, que veio do Piauí.Os piauienses dizem que é coisa dos papa-arrozes, que é o apelido dos maranhenses.Não se sabe direito de onde veio o tal papa-figo.Já disseram até que teria vindo de Pernambuco. Em Petrolina andaram dizendo que é coisa de Juazeiro, mas parece que nasceu no Ceará.
Importa não, com papa-figo na vila, criança não arreda o pé de casa.As histórias são fantásticas. A criatura arranca o fígado das crianças. Já deu, com foto e tudo, no jornal da cidade.As crianças foram encontradas no mato, com o fígado arrancado, um buraco enorme no corpo.Cruz-Credo!
Não tem quem não fale do papa-figo.A criança se arrepia de medo.O terror começa a ser instalado no final de cada tarde. A boa Imaculada, a mais conhecida papa-novena, que é assim que se fala de uma beata fingida, já falou até que o papa-figo a perseguiu na noite em que ela saiu da casa do Zé barriga, que dizem tem coisa nessa história, mas ela jura que foi lá para comprar um pato que afinal ele vende mesmo esses bichos.
É um monstro imaginário, diz o Zé- das -Cabras, todo cheio de pavonice, só porque o forasteiro parece um jornalista e não tem esperança maior para a gente desse lugar do que aparecer na televisão, e assim umas meninas que sonham partem para São Paulo.
-Inventaram para pôr medo nas crianças.
-Mas, e as crianças encontradas mutiladas nos terrenos de mato?
-Mentira! Tem um jornal lá de São Paulo que uma vez inventou um tal de Bebê diabo e muita gente acreditou e comprava o jornal só por causa da história.Publicaram até uma foto de um homem de chapéu e diziam que o pai do Bebê diabo só andava de chapéu.Mostra uma foto de uma criança que eu quero ver de verdade! O povo inventa até boatos pondo o nome de jornais no meio.Nenhuma criança foi encontrada.Apenas uma série de crianças vem desaparecendo nos últimos meses.
-De vez em quando passam uns homens loiros num jipe e ficam zanzando para lá e para cá.Devem ser turistas, mas que diabos vem um turista fazer nessa lonjura, nesse fim de mundo?
-Verdade, os sujeitos parecem até que vestem cetim.E eu já tentei falar com um deles, mas não falam o português, falam outra língua, inglês ou alemão.
Talvez estejam pesquisando sobre o tal do papa-figo.Afinal essa lenda deu uma certa notoriedade para a cidade.Veja Varginha, lá no sul de Minas, ganhou projeção por causa da historia do ET.
-Mas, senhor Zé -das -Cabras, como explica então o desaparecimento das crianças?Afinal já desapareceram cinco meninos e sete meninas.A policia não resolveu o mistério.Nunca deu conta do negocio.Só pode ser coisa do papa-figo.
E a conversa prossegue. O Zé –das –Cabras, irredutível.Não acredita mesmo na historia do papa-figo.A conversa é interrompida quando alguém aparece gritando:
-A velha tocou fogo na casa.Derrubou uma vela no oratório.Aquilo é madeira pura.
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MARCIANO VASQUES
