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Humor-->Teologia da Esculhambação (125) -- 30/12/2003 - 21:15 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Na coluna OXOUZINE, que o jornal Tribuna Impressa de Araraquara publica esta última quarta-feira do ano de 2003, o título do artigo diz:

_____________________________________

Entre outras manifestações do sagrado
_____________________________________


Nos últimos dias do ano, dedicam-se os comunicadores a balanços e retrospectivas, bem como a previsões para o ano que se inicia. Em alemão, deseja-se "uma boa escorregada pra dentro do Ano Novo".

A passagem do tempo, é o que mais se ouve e se diz, está cada vez mais acelerada, tudo por demais na base do parece que foi ontem. Derradeiros jingobéis já como que se misturam aos decibéis das baterias das escolas de samba, enquanto, entre Papais-Noéis, sus!, apressados pela própria natureza, já coelhinhos saltitam. Sabe-se que "Chocolate com Pimenta" deve se esticar, providencialmente, até por volta da Páscoa etc. etc. etc. Como tudo se sabe!

Em cartaz, a profusão e a aceleração provocada das efemérides. A TV, materialização dessa vertigem, antecipa cada festividade, cada acontecimento, cada gesto, cada impulso vital. Com o passado que se perde e o presente que se dilui, consciências a prêmio, percorremos perigosa via de mão única, a do consumo transformado em projeto de existência neste planeta, neste plano, nesta esfera, como preferirem.

Por falar em TV, cuja função "desligar" parece para sempre desativada nas cabecinhas dos telespectadores, tenho tentado (eu, que normalmente ando desligado e meio), no vácuo que se forma em nossas vidas produtivas neste período, mal e mal acompanhar o que nos reserva a produção ensandecida de imagens televisivas.

Pois fico preocupado, e não com os supostos malefícios – tanto se fala, por exemplo, de uma provável influência das imagens da violência sobre a violência que progressivamente se alastra ao nosso redor –, mas com uma ameaça, tão terrível quando irritantemente insistente, de que a eternidade, o paraíso se materialize já nesta terra, ou, para ser mais preciso, neste nosso cu de mundo onde Judas perdeu as botas.

Não, não mais o suor da maldição bíblica, mas rios de lágrimas a inundar, por ora, manhãs, tardes, noites e madrugadas inteiras ocupadas pela sanha redentora de tendências religiosas diversas, é esse o preço da graça.

Da graça à falta de graça, li sobre bispos católicos indispostos, tiriricas mesmo, com as práticas pouco ortodoxas do Pe. Marcelo Rossi. Nele, o que me impressiona à primeira vista, mais do que as orelhas descomunais, de abano, é aquela expressão bem-aventurada, quase idiotizada por um sorriso perene, de quem já pisou as águas do Jordão em companhia de um impoluto Gugu Liberato.

Um alto prelado da cúpula católica, por exemplo, incomoda-se com o mau gosto da aspersão com o uso de uma brocha mergulhada em baldes de água benta, depois literalmente despejados sobre fiéis que se esbaldam, que se refestelam, achando-se, além de molhados, sãos e salvos. Foi o que vi na manhã de domingo, estupefato, e me fez recordar um sempre esguio e rebolante Mick Jagger, nos idos de 1976, a aspergir a multidão pagã, 8 mil pessoas presentes a um concerto dos Stones no Estádio Olímpico de Munique.

Mas, na TV, sobremaneira me impressionam os pungentes testemunhos, fartamente regados a lágrimas em catadupas, dos beneficiários de certas práticas evangélicas. Numa delas, imagens da vida de Abraão – fico pensando em quem ainda possa confundir as coisas, nem desconfiando de que se trata das imagens de um filme – surgem na tela horizontalmente emolduradas, acima e abaixo, por canhestras labaredas fumegantes: é a Fogueira de Jerusalém que está no nome do evento.

Se bem entendi, alguns pastores deslocam-se para o Oriente Médio (atrás deles, algumas cúpulas douradas), onde, alheias aos dramas dos ierosolimitas, as chamas vão consumir os problemas materiais de alguns brasileiros, que, a partir de então, de tal modo se verão bafejados pela graça, a ponto de poderem ostentar 3 carros na garagem de uma mansão de 5 quartos, com idas ao supermercado "para comprar só do melhor" (guardei bem isto), entre outras manifestações do sagrado.

Agora, como não mencionar, cheio de esperança, algo tão tentador e eficaz como a reunião exclusiva de empresários, todos desgraçadamente maltratados pela vida, com os 318 pastores (esse número intrigante!). E eis que, a partir de uma dada 2a. feira, por um lampejo da misericórdia divina, todos eles, à exceção mais do que óbvia dos abnegados pastores (tão protagonistas como os atores do filme sobre a vida de Abraão!), todos eles vêem suas vidas transformadas em mares de prosperidade, e passam a rir à toa para as câmeras, com a mesma facilidade com que também prorromperão em prantos sempre que for necessário recordar, para as câmeras, as desgraças anteriores.

Sugestão: Para testar a eficácia coletiva do método, que tal reunir o pessoal da área econômica do governo com esses 318 pastores que descompromissadamente zelam pela economia celeste?

Depois, numa outra ocasião, que pode ser bem uma 2a. feira de janeiro próximo, aproveitando a convocação extraordinária do Congresso, de todos os nossos representantes políticos. Ocorre que – atenção! – o "crescimento do espetáculo" (não, como a totalidade das palavras que, bem ou mal, eu emprego, o jogo de palavras não é meu) só faz aumentar a impaciência da patuléia ignara com o anunciado "espetáculo do crescimento", que já tanto tarda.

E, por falar em espetáculo, o próprio Roberto Carlos, que um dia já inabalavelmente acreditou numa fé capaz de remover montanhas, hoje diz cultivar uma outra espécie de fé, bem mais realista. O depoimento completo do "Rei" está numa das nossas instrutivas revistas semanais, que não perco por nada quando estou no consultório do acupunturista. Talvez tenha descoberto, até ele, RC, sempre tão crédulo e adepto de instigantes metáforas bíblico-poéticas, que montanhas hoje, mais do que nunca, se deixam traduzir em bastante prosaicos montantes de dinheiro (money), sendo de suma importância determinar em que direção a fé os remove.
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