Existiria algo mais doce e cruel que o desejo do ser amado?
Aquela sensação de vazio no peito, da cama enorme, aquele esforço desumano para evitar as velhas fotografias, a camisa esquecida, a flor sintética do botequim da periferia, os poemas que ele escreveu, a pasta do outlook com o nome dele?
Selecionar, deletar, quem consegue? No confirma, você desiste.
Guarda lá, aquele repositório de lágrimas, para consultar nas noites frias em que você desiste de brincar de sedução com aquele amigo solitário que insiste em lhe rodear - mas não rola clima, mesmo - ou em que você olha no olho daquele chato que lhe persegue há anos, no momento fatal em que você quase sucumbe à quela tentação do "vamos ver no que vai dar" e diz - nossa, que sono - e escapa.
Acalme-se. Você é normal. O ser amado é uma ocorrência absolutamente humana. Quer dizer, o ser amado é aquela criatura que entra na sua pele e não quer sair. Fica lá o cheiro. Você deita e sente o perfume, mesmo que a maldita criatura esteja a 2.000 km de distància. Ele pode estar na África, você sente o cheiro.
O ser amado é aquela coisa que sobrevive a dias enormes. Ele foi embora, você nunca mais viu os olhos dele, mas tem duas lanternas no escuro que lhe perseguem. Os malditos olhos.
Amar é foda.
Você tenta lembrar do dia em que ele atrasou meia hora inteirinha, trocou o controle remoto da garagem dele com o da sua - o que você descobriu exatamente na hora de entrar em casa - , teve uma crise de depressão no meio da festa da sua melhor amiga, ficou bêbado na hora de guardar as tralhas do churrasco no clube no carro...
Mas você só lembra daquela noite de fogueira com lua cheia no jardim, do primeiro encontro em que ele pisou seu pé e ficou mais sem graça que o Romário quando perdeu o penalti, daquela no capó do carro, na mesa do jardim, no sofá da sala, da vez em que ficaram 26 horas na suíte especial do motel, dele lhe seguindo de madrugada até em casa para você não correr perigo, daquele maldito pagode que ele cantava pra você quando tomava umas...
Não adianta.
O amor não guarda lembranças ruins.
Faz de você uma pessoa tonta, que deleta todas as horas más e faz das boas histórias um fantasma ululante.
Você sai de casa, linda e maravilhosa, leva uma flechada da mesa ao lado no botequim no sábado e faz cara de freira zangada.
São tontas, todas as pessoas apaixonadas.
