Usina de Letras
Usina de Letras
136 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62220 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10363)

Erótico (13569)

Frases (50618)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140802)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6189)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->A tarefa da intepretação do mundo -- 13/03/2001 - 20:40 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A filosofia tem de se libertar das armadilhas das ciências humanas



Günter Figal (DIE WELT online, 12/03/2001)

Trad.: zé pedro antunes



A crise das ciências humanas tem a mesma idade das ciências humanas. Por si só, o fato mesmo de se compreender como ciência a ocupação com a história, com a arte e com a literatura produziu um resultado fatal: Ao lado dos cientistas naturais, em sua "dureza" tão coberta de êxito, os "frouxos" cientistas humanos, não fazendo senão falar e amontoar papéis impressos, ficaram na desvantagem. Com os cientistas humanos buscando colocar à prova a sua cientificidade, nenhuma melhora: o acúmulo das notas de rodapé, as abordagens terminologicamente pedantes e ultracomplicadas não fizeram senão alienar o seu público: os burgueses esclarecidos interessados em história, arte e literatura.

Assim, para as ciências humanas, parece não haver senão duas possibilidades: a da resignação e do auto-encapsulamento consolador na cientificidade, ou a decisão de não mais seguir no encalço das aspirações de seu público, ou seja, as aspirações da burguesia esclarecida, para se transformar em entretenimento.

Tudo isto atinge também - e até mesmo em sua essência - a filosofia. Enquanto, antigamente, dela fazia parte a ciência natural, a ponto de Newton poder entender suas investigações como contribuição à "filosofia da natureza", a filosofia, com a autonomização ou emancipação das ciências naturais no século XIX, se viu progressivamente empurrada para o lado das "ciências humanas". Aos filósofos que se orientavam pelas ciências naturais não restou senão constatá-lo: Onde a aspiração ao conhecimento próprio das ciências naturais foi assumida, a filosofia retornou à "teoria da ciência", para aterrissar, por fim, na convicção de que a apreensão metódica dos fatos não era assunto da filosofia.

Para Richard Rorty, o mais bem sucedido e o mais agudo dos críticos de uma filosofia orientada pelas ciências naturais, a filosofia, por isso mesmo, não passa de literatura. Falta agora apenas assegurar que a literatura seja entretenedora, e o acoplamento da filosofia ao showbusiness já não vai ter mais obstáculos pela frente.

No entanto, esta breve história das ciências humanas, e da filosofia entendida como pertencente às ciências humanas, não pretende esboçar um desenvolvimento irreversível (melhor seria dizer que ele não tem um fim), a ser tomado como um destino em si mesmo. Sempre houve professores universitários e autores capazes de escapar às armadilhas da cientificidade das ciências humanas (Geisteswissenschaftlichkeit), e também a possibilidade de fazer o mesmo que eles fizeram permanece em aberto. Para tanto, é necessária apenas uma consciência de que a filosofia, tal como a ocupação com a história, com a arte e com a literatura, pode conduzir a insights, que de outra forma não seriam atingidos, e que não podem ser substituídos por outros.

Tais insights não são conhecimentos científicos. Mas, na medida em que podem ser novamente completados e sintetizados, revidados e diferenciados, tampouco eles se distinguem das experiências literariamente articuladas, nem da vinculação destas à forma individual e insuperável da obra poética. São insights que se instalam como o resultado de interpretações.

Interpretações são tentativas de conceber um contexto; elas têm por objetivo um todo, no qual o conhecimento e a ação humana passam a ter um sentido, e isso significa: a totalidade de um mundo. Este não é dado como um fato, e tampouco inventado aleatoriamente. Antes, pode ser reconhecido no fato de que os conhecimentos e as ações se harmonizam, e de que a vida não se perde em meros momentos disparatados. Mas não podemos nos dar por satisfeitos com tal experiência. O fato de existir um mundo é, aliás, confirmado por todo comportamento pleno de sentido. Mas o mundo - na distância de todo conhecer e agir - precisa, como tal, ser transportado para a linguagem. É o que a filosofia, desde os seus primórdios, vem realizando.

Se a filosofia e as atividades a ela correlatas têm por tarefa a interpretação do mundo, pode-se compreender também por que, para ela, a relação com a tradição se constitui em algo imprescindível. Como poderemos entender um mundo no qual, ao fim e ao cabo, não nos sentimos à vontade? E como se vai deduzir um parâmetro para aquilo que uma interpretação do mundo tem de realizar, se as pessoas não se ocupam senão com argumentações fragmentárias, com elaborações históricas, ou, pior ainda, quando apostam tudo em não deixar passar o discurso em moda?

As grandes filosofias, como as grandes obras de arte, são interpretações do mundo. É por elas, e não pelas questões atuais, que devemos nos orientar, se é que, afinal, existe a possibilidade de uma resposta às questões atuais. Assim, para a filosofia e para as ciências humanas libertas de sua cientificidade, a chance consiste em guardar distância em relação ao mundo presente, para, sobre ele, conquistar um olhar em liberdade. É essa, ao mesmo tempo, a chance de uma transmissão do tradicional para o hodierno e, ligada a esta, também a possibilidade de, na confrontação com os grandes textos do passado, formar uma linguagem que não se prenda ao mundo da informação, o que permitiria, assim, uma livre compreensão deste mesmo mundo. Uma tal compreensão começa, é lógico, de maneira elementar: Precisamos aprender a ler as grandes obras, para não ficarmos sem palavras tanto na fala como na escrita.





____________________________________________

Günter Figal é professor na Universidade de Tübingen.

zé pedro antunes é professor na UNESP (Araraquara).







Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui