Parado no sinal, Alisson pensava quase em voz alta pra si mesmo, em cima da moto. Via os camelôs e perdidos da civilização na congestionada Avenida Vargas. “para que serve a civilização afinal, bando de perdidos? País sem planejamento. Gente jogada nas ruas. Estranhos e inúteis que se esbarram e se odeiam. Trocadores de ônibus que não conhecem o itinerário, vendedores de livros que não lêem, professores que não ensinam, alunos que não aprendem. Milhões ou bilhões que a ignorância improdutiva cria ou deixa de criar no sistema das coisas. Ninguém que pense investir a médio prazo. A ganância quer tudo para agora, mas o tempo de agora está suspenso. Não se vive mais, apenas sobrevive-se.”
O sinal abre.
Alisson segue acelerando.
“ Onde vai dar essa estrada que vou?”
A cada dia tornava-se mais arredio ao contato humano. Gente fria, embrutecida. Cansara.
Lembrava-se quando começou a estudar a alegria que tinha com o cheiro de livros novos. O mundo todo parecia uma aurora infinita. Começara a compor suas músicas na adolescência, quando a família começou a criticar-lhe os cabelos soltos e as roupas negras.
“Vagabundo”. “Maconheiro”.
Hoje ria irônico ao pensar nos parentes ignorantes. Bando de inúteis. Formigas do sistema. Décadas de vidas dedicadas a uma sobrevivência banal. Alisson havia tempo deixara de lado os livros e filosofias. Só o comércio o interessava agora.
Havia mergulhado profundamente na alma humana.
Descobrira que o amor e a solidariedade ainda não fora descoberto como meios de vida, daí as grades do mundo. A natureza predadora de tudo. Pensava isso enquanto acelerava na estrada aberta do aterro, sem saber se a liberdade que sentia por não Ter mais ilusões com o mundo era inferno ou paraíso.
Por força da lei, tornara-se também um predador.
O músico não cultivado de ontem era o contrabandista respeitado e bem sucedido de hoje.
Seu Alisson.